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3. O MEGAEVENTO COPA DO MUNDO FIFA BRASIL 2014

3.3. O processo de escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo FIFA 2014

3.5.1. Os impactos político-jurídicos

Inicialmente, quanto aos impactos políticos e jurídicos da realização da Copa do Mundo FIFA 2014 no Brasil, podemos perceber uma intensa influência do megaevento na política e nas próprias instituições do Estado brasileiro.

No processo de candidatura, objetivando receber o maior espetáculo do futebol mundial, o Brasil prestou 10 (dez) garantias à FIFA, em documentos assinados pela Presidência da República do Brasil que estabeleceram compromissos feitos pelo país no sentido de atender os mais diversos interesses, sobretudo econômicos da entidade, documentos este trouxemos ao presente trabalho no Anexo B, intitulado “Garantias Governamentais”.

A Garantia nº 01 se refere à concessão de vistos de entrada e saída que seriam fornecidos prontamente pelo Brasil às equipe da FIFA, aos parceiros comerciais da entidade, à mídia e aos demais indivíduos envolvidos na realização do evento. A referida garantia foi assinada pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil. No mesmo sentido, a Garantia nº 02 dispôs sobre os vistos de trabalho que seriam concedidos “incondicionalmente e sem demora” para aqueles que estivessem relacionados ao evento, tendo sido firmada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

A Garantia nº 03 dispôs que os bens que deveriam ser importados para a Copa deveriam ficar “livres de todo imposto, encargo, direito aduaneiro e tributo cobrado por autoridades federais”, estabelecendo que o governo brasileiro iria dialogar com as autoridades estaduais e municipais para que adotassem medidas no mesmo sentido.

Um dos mais simbólicos impactos político-jurídicos da realização da Copa do Mundo FIFA 2014 no Brasil adviria com a prestação, por parte do governo brasileiro, da Garantia nº 04, intitulada “Isenção Fiscal Geral”, que na prática conferiu a “isenção de todos os impostos federais, taxas e outras tributações” à FIFA, a suas subsidiárias, delegações, confederações e associações, além da mídia e de seus inúmeros funcionários. Coube ao Ministério da Fazenda assinar as referidas Garantias 03 e 04.

Por meio da Garantia nº 05 o governo brasileiro se comprometeu a adotar todas as medidas de segurança necessárias à organização do evento, assegurando que seria dada especial

proteção, de forma gratuita, aos membros da FIFA, seleções nacionais, mídia internacional e parceiros comerciais da FIFA, assegurando que o Brasil aceitava assumir quaisquer tipos de indenização em casos de acidentes relacionados à segurança da Copa do Mundo FIFA 2014 e à Copa das Confederações FIFA 2013. Diante da incompatibilidade de tais medidas com alguns dispositivos vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, o governo se comprometeu a “aprovar os decretos e outras regulamentações necessárias para estar de acordo com esta Garantia”. O referido compromisso teve a assinatura do próprio Ministério da Justiça do Brasil.

O Ministério da Fazenda, por sua vez, assinou a Garantia nº 06, que estabeleceu diretrizes sobre a importação e exportação de moedas e demais medidas de câmbio. Tal Ministério, assim como o Ministério da Justiça e da Defesa assinaram a Garantia nº 07, que versou sobre “Imigração, alfândega e procedimentos de check-in”, assegurando prioridade aos indivíduos envolvidos nos eventos FIFA. Do mesmo modo, o Brasil ainda assumiu as Garantia nº 09, que versou sobre indenizações, e a Garantia nº 10, que versou sobre a execução no país dos hinos e bandeiras nacionais dos países participantes do evento.

No entanto, destacamos que, entre todos os compromissos firmados pelo governo brasileiro com a FIFA, aquele que consideramos o mais impactante na política e na sociedade brasileira foi o realizado com a assinatura da Garantia nº 08. Intitulado “Proteção e exploração dos direitos comerciais”, o referido compromisso assegurou enormes possibilidades de lucros à FIFA, organização que se autodeclara uma “entidade internacional sem fins lucrativos”, com um especial tratamento comercial a ela e a seus parceiros comerciais, grandes empresas nacionais e estrangeiras, que passaram a ter as mais diversas prerrogativas comerciais durante o evento.

A Figura 01, que apresentamos no Capítulo anterior, ilustra bem o porte das empresas que associam sua imagem a um evento como a Copa do Mundo FIFA e que receberam essa especial proteção comercial com o compromisso firmado entre o governo brasileiro e a FIFA na Garantia nº 08. Assim, para proteger os interesses econômicos desses agentes econômicos, o Brasil se comprometeu a criar zonas de exclusividade comercial e a utilizar até mesmo o direito penal no sentido de assegurar a exclusividade do uso da marca “Copa do Mundo FIFA 2014”.

A relevância dessa garantia para o megaevento de 2014 pode ser percebida inclusive ao analisarmos a quantidade de órgãos do Poder Executivo brasileiro que a assinaram, pois foi esse o compromisso que contou com a maior quantidade de Ministérios envolvidos: o Ministério da Justiça, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o Ministério da Cultura

e o Ministério da Ciência e Tecnologia. Como veremos a seguir, a assinatura de todas essas garantias pelo Brasil no momento de candidatura a sede do megaevento FIFA acarretariam diversos impactos na sociedade brasileira.

Assim, com a confirmação do Brasil como país-sede da Copa de 2014, diversas mudanças teriam que ser especialmente implementadas no ordenamento jurídico nacional de forma a garantir a ocorrência do evento, o que nos remete ao objetivo central do presente trabalho, a mitigação da soberania do Estado Brasileiro para garantir o cumprimento de determinações traçadas pela FIFA, restringindo diversos direitos de instituições, empresas e cidadãos brasileiros com a criação de um verdadeiro estado de exceção.

Exemplos de algumas dessas mudanças foram a promulgação da Lei nº 12.663, de 05 de junho de 2012, a chamada Lei Geral da Copa, que, em diversos de seus dispositivos, modificou a legislação nacional de modo a mitigar ou suprimir, ainda que temporariamente, direitos de milhões de brasileiros para a ocorrência do evento, conferindo especial proteção comercial às empresas e marcas oficialmente a ele ligadas. O estudo da referida lei é um dos objetivos centrais do presente trabalho, motivo pelo qual deixaremos a análise detalhada de importantes dispositivos da lei para o próximo Capítulo.

Além da Lei Geral da Copa, outras normas brasileiras também foram especialmente criadas no sentido de garantir a realização do evento nos moldes internacionalmente determinados pela FIFA. Exemplos disso foram a edição da Lei nº 12.462, de 04 de agosto de 2011, que, modificando o procedimento legal referente às licitações para contratar com o Poder Público, criou um regime diferenciado de contratações para as grandes obras ligadas ao megaevento de 2014; e da Lei nº 12.350, de 20 de dezembro de 2010, que tratou das isenções tributárias ligadas à realização do mesmo, de modo a assegurar o cumprimento pelo governo brasileiro da Garantia nº 04 firmada anteriormente com a FIFA.

A elaboração de tais normas revela o grau de envolvimento do Estado brasileiro com a realização de um evento esportivo como a Copa do Mundo, através de diversas modificações que significaram alterar o próprio funcionamento das instituições brasileiras nesse sentido.

Assim, parlamentares e governantes democraticamente eleitos por milhões de brasileiros com o objetivo de representá-los, passaram usar suas prerrogativas constitucionalmente estabelecidas no sentido de elaborar normas que modificassem o direito brasileiro para garantir inúmeros privilégios econômicos a um seleto grupo de agentes econômicos ligados à realização

do megaevento Copa do Mundo FIFA, o que, significou o uso da democracia brasileira no sentido de mitigar a própria soberania nacional para a realização desse espetáculo esportivo.

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