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3. O MEGAEVENTO COPA DO MUNDO FIFA BRASIL 2014

3.1. Breve histórico do uso político do futebol e dos eventos esportivos no Brasil

3.1.4. O futebol-empresa e o poder do mercado na modernização do futebol brasileiro

No ano de 1979 ocorreu a extinção da CDB e a sua substituição pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que a sucedeu como principal instituição organizativa do futebol nacional. A nova entidade elaborou um plano de marketing para o futebol brasileiro, que incluiu a busca de patrocínios para a seleção nacional, concretizado posteriormente com o acordo firmado entre a CBF e o Instituto Brasileiro do Café (IBC), primeiro patrocinador oficial da seleção brasileira de futebol. Essa mudança significou a introdução das empresas privadas no futebol brasileiro (SARMENTO, 2006, p. 145, 150)

Com a redemocratização e com o novo ordenamento jurídico instituído em 1988, a nova Constituição Federal garantiu a proteção do esporte nacional ao considerar dever do Estado fomentar as práticas desportivas no Brasil57. A nova ordem jurídica também assegurou a

autonomia desportiva das entidades administrativas do esporte e reconheceu a Justiça Desportiva. Na década de 1990, ocorreu a intensificação das pressões que eram exercidas por diversos setores da sociedade sobre o governo brasileiro objetivando a modernização da gestão esportiva

57 A Constituição Federal de 1988 tratou do esporte em seu Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo III (Da

Educação, da cultura e do desporto), Seção III (Do desporto). No texto constitucional há somente 01 (um) artigo tratando da matéria, porém de amplo alcance. Trata-se do artigo 217, a seguir transcrito:

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:

I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;

III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional; IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.

no país. Tal fato ocorreu num contexto de avanço das políticas neoliberais e do poder crescente de empresas privadas, nacionais e estrangeiras, que viram grandes oportunidade de obtenção de lucro com sua atuação no mercado esportivo. O modelo de gestão esportiva adotado na Europa passou a ser tido como referência para o Brasil, sendo uma de suas principais características a presença de empresas patrocinadoras nos times de futebol e nos eventos esportivos.

Sobre essa nova forma empresarial de administrar o futebol no Brasil, que muito se relacionou com as mudanças implementadas no sistema de produção capitalista com o fenômeno da globalização analisados no Capítulo 01 do presente trabalho, Proni (2000, p. 12) afirmou alguns postulados:

O primeiro, dada a compreensão de que o mundo esportivo está passando por transformações radicais nas últimas décadas, diz que tais transformações são consequência de mudanças da economia mundial, da conversão do esporte em produto da indústria do entretenimento, que vem se globalizando. Portanto, a modernização do futebol brasileiro torna-se um imperativo da concorrência capitalista; torna-se urgente

reestruturar as formas de produção do espetáculo e de gestão dos clubes para garantir uma alta competitividade internacional e alavancar os negócios nesse campo

de valorização em franca expansão;

O segundo postulado, implícito no discurso, diz que as tendências estrangeiras devem ser seguidas porque a modernização é benéfica para o país, para a sociedade, para o esporte – enfim, a modernização carrega em si um valor positivo, que lhe é inerente. Por isso, cabe ao Estado promovê-la, acelerar as mudanças, romper com as estruturas “ineficientes” e “anacrônicas”. Cabe ao Estado criar as condições para que uma

gestão empresarial, pautada pelas leis do mercado, instaure-se no futebol brasileiro

(Proni 2000, p. 12) (Grifos Nossos).

Dessa forma, diversas propostas foram feitas na época com o objetivo de mudar as regras que dispunham sobre a regulamentação do futebol brasileiro, buscando imprimir nele as pretendidas características empresariais que haviam sido inseridas no futebol europeu.

Arthur Antunes Coimbra, jogador popularmente conhecido Zico, no período em que ocupou o cargo de Secretário dos Esportes do governo federal, teve grande influência para a elaboração da Lei nº 8.672/93, de 06 de julho de 1993, popularmente conhecida como “Lei Zico”, que reduziu a interferência do Estado no âmbito da organização desportiva no Brasil, passando a iniciativa privada a ter um papel nunca antes visto na história do esporte nacional, algo bem consonante com as políticas neoliberais da época que visaram a redução da atuação estatal nos mais variados setores da sociedade brasileira, incluindo o esporte.

A referida lei também implementou modificações no tocante à fiscalização dos times por parte do governo e promoveu a inserção de modelos de administração empresariais no futebol

nacional, que seguiram o tão almejado modelo do futebol europeu. O resultado dessa nova política desportiva foi a criação dos atuais clubes-empresas no Brasil.

Nesse contexto de fortalecimento do mercado do futebol, que também esteve ligado ao maior poder exercido pelas empresas e pela mídia esportiva no país, em 24 de março de 1998, foi editada a Lei nº 9.615/98, popularmente conhecida por “Lei Pelé”, que revogou a comentada Lei Zico. Mantendo grande parte das inovações trazidas ao ordenamento jurídico brasileiro pela lei revogada, a Lei Pelé se diferenciou da antiga por ser mais incisiva no tocante às modernizações no mercado do esporte brasileiro.

Se a Lei Zico, em muitos dos pontos em que inovou no direito brasileiro era meramente sugestiva, a Lei Pelé, teve um caráter muito mais concreto, criando reais condições para o fortalecimento desse mercado do futebol e consolidando os interesses dos setores da sociedade brasileira que viam nas mudanças da gestão do futebol brasileiro uma oportunidade de alavancar seus negócios e de com isso obter enormes lucros com esse mercado que lhes apresentava tantas oportunidades.

Com a referida Lei Pelé ocorreu o fim do chamado “passe” nos clubes de futebol do Brasil Tais passes eram uma espécie de vínculo que os jogadores tinham com os clubes em que trabalhavam, uma relação que com eles mantinham de forma independente de seu contrato de trabalho. Assim, mesmo com o fim do contrato de um jogador com um determinado clube, o profissional só poderia ingressar em um novo clube caso esse comprasse esse “passe” do clube anterior. A Lei Pelé, ao eliminar os passes, aumentou a oportunidade de negociação de forma direta entre clubes e jogadores.

Além disso, uma das mais importantes modificações da Lei Pelé foi a determinação da obrigatoriedade da transformação dos clubes em empresas, consolidando definitivamente esse ascendente mercado do futebol brasileiro. Além disso a lei instituiu o direito do consumidor nos estádios de futebol e definiu os órgãos encarregados da fiscalização do futebol, além de ter garantido a independência dos Tribunais de Justiça Desportiva58.

58 O art. 52 da Lei 9.615-98, com nova redação dada pela Lei 9.981-00, estabelece que os órgãos integrantes da

Justiça Desportiva são autônomos e independentes das entidades de administração do desporto, sendo composta pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva, o qual funciona junto às entidades nacionais de administração desportiva; os Tribunais de Justiça Desportiva, que funcionam junto às entidades regionais de administração desportiva; as Comissões Disciplinares, que têm competência para processar e julgar questões previstas nos Códigos de Justiça Desportiva, sempre assegurados ampla defesa e contraditório (art. 91 da Lei 9.615-98).

Ocorre que diversas críticas foram feitas a respeito da Lei Pelé, especialmente pelo excesso de poder que a lei conferiu às empresas que ingressavam no mercado do esporte nacional, e pela falta de transparência com que os negócios ocorridos no mundo esportivo passaram a ser conduzidos. Quanto à obrigatoriedade da transformação dos clubes em empresas, tal fato veio a comprovar todas as pressões feitas no sentido de eliminar a interferência do Estado e fortalecer os setores privados no mercado futebolístico brasileiro.

Haag (2013, p. 65)59, tratando desse contexto de inserção de elementos mercadológicos no

esporte brasileiro, apresenta que esse fenômeno, ocorrido a partir dos anos 1990, consolidou o futebol como mercado, assegurando diversas oportunidades de lucros para os clubes-empresas, para a mídia esportiva e para as poderosas multinacionais que produzem e comercializam produtos esportivos. Tal processo de alteração da gestão esportiva consolidou a importância do marketing esportivo e da mídia, que tiveram seu poder de sobremaneira ampliado.

Nesse processo internacional de adaptação da gestão esportiva aos interesses econômicos de alguns grupos sociais, os eventos esportivos ganharam uma nova dimensão, com o fortalecimento de sua imagem e, consequentemente, da elevação das quantidades de recursos humanos e financeiros atrelados à sua realização. Nesse sentido, a Copa do Mundo FIFA passou a ser uma relevante vitrine mundial, não somente dos produtos anunciados pelas empresas que se ligam ao evento, como também dos países que se propõem a sediá-la, conforme analisamos no Capítulo anterior.

Com essas mudanças ocorridas, o futebol-empresa que emergiu desse processo de modernização internacional do esporte pôde se aliar ao grande empresariado nacional e internacional, à mídia e às instituições internacionais esportivas, consolidando o que apresentamos sobre o fenômeno da sociedade de espetáculo, termo usado por Guy Debord (1992) que se mostra de grande atualidade.

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