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2. O FENÔMENO DOS MEGAEVENTOS ESPORTIVOS

2.2. O fenômeno dos megaeventos esportivos e a atual sociedade de espetáculo

2.2.2. Megaeventos esportivos, sociedade de espetáculo e alienação social

O esporte que surge nessa moderna sociedade de espetáculo é encarado como um instrumento de manutenção do status quo vigente, no qual, atletas e espectadores, ambos inseridos nessa nova e alienante lógica mercadológica, seguem o que é por ela ditado, produzindo e consumindo esse esporte e gerando lucros cada vez maiores para aqueles que estariam no topo dessa cadeia de produção esportiva.

Ganhar medalhas, superar recordes e vencer os adversários, consagrando-se, dessa forma, o atleta mais rápido, mais forte, ou mais conhecido, passa a assumir uma especial posição nesse novo sistema esportivo. Nele, as vitórias de um atleta representam não só o destaque individual do corpo de um esportista em sua modalidade, mas sobretudo uma oportunidades de, ao vencer os concorrentes, obter de empresas patrocinadoras os pretendidos investimentos para o seu treinamento.

O papel desses patrocinadores nessa sociedade de espetáculo deve ser destacado, pois, ao investirem num atleta de alto rendimento, objetivam não só as suas vitórias nas arenas esportivas e a obtenção por eles de medalhas, marcas e recordes. A vitória de um atleta por eles apoiado significa também a oportunidade de obtenção altos de lucros, na medida em que, através do marketing esportivo, esses patrocinadores têm a oportunidade de vincular seus produtos à imagem desses atletas vencedores, que, nesse caso, são usados como vitrines para os mais diversos produtos que são expostos nesse lucrativo mercado do esporte.

O atleta próprio se torna um produto ao ser consumido, através de sua vinculação de sua imagem a calçados, cosméticos, automóveis ou eletrônicos. Nesse fenômeno cíclico de alienação, verifica-se que não somente o espectador-consumidor é alienado através do consumo, como também o atleta-produtor e o atleta-vitrine, ao serem coisificados por essa nova lógica empresarial do esporte. Segundo o professor Mauro Betti (1991, p. 51):

Sua atividade está controlada por regulamentos e leis que restringem sua liberdade esportiva e civil: não pode mudar de clube à sua vontade, não pode escolher as competições que deseja participar. O esportista encontra-se alienado também com relação a seu treinador, totalmente submetido à sua autoridade, a quem pertence o seu

corpo. A própria atividade do esportista é alienada, pois não é própria, mas é a atividade da lógica esportiva (BETTI, 1991, p. 51).

Também tratando do fenômeno da alienação dos atletas nessa sociedade do espetáculo, Bratch (2005), ressalta o fenômeno da fabricação de ídolos pela mídia. Esse processo estaria ligado à espetacularização do esporte de alto rendimento, pois, através do papel desempenhado pela publicidade e pela mídia, ocorreria a criação desses aclamados heróis esportivos, indivíduos que ultrapassariam o âmbito esportivo e até mesmo humano, pois, segundo uma interessante análise feita pelo autor, seriam capazes de realizar feitos inexplicáveis pela plateia espectadora- consumidora, que passaria a encarar suas ações com espanto e admiração. Assim dispõe o autor:

Estes feitos são trazidos e vivenciados pelos espectadores no âmbito de uma linguagem que constrói um mundo que é ao mesmo tempo real e irreal. É uma experiência que situa-se na interseção da ficção e da não-ficção, situa-se no plano do imaginário. A realidade é organizada de uma nova forma; elementos do real são combinados com produtos não-reais como a fantasia, o sonho e ficções.

[...]

Os ídolos são construídos com uma linguagem que subverte o mundo racional na medida em que divulga elementos míticos. A vontade dos ídolos torna-se um fator de explicação do mundo (imaginário). O gol no último minuto, a chuva que cai na hora certa, como que num passe de mágica, etc (BRATCH, 2005, p. 118).

No mesmo sentido, Rubio (2002)16, numa também interessante análise sociológica do

esporte sobre a influência da mídia e da publicidade no espetáculo esportivo, destaca o papel do atleta profissional, fruto desse mercado esportivo, que passa a ser reconhecido como personalidade pública, ídolo, herói e exemplo de vida para grande parte do público de jovens e adultos espectadores, notadamente porque à sua figura estão associados o dinheiro, o sucesso, a fama e uma vida vitoriosa, valores cultivados socialmente e desejados por grande parte dessa alienada sociedade de espetáculo.

O próprio termo “sociedade de espetáculo”, criado na década de 1960 por Guy Debord17,

se mostra bastante atual se considerarmos a importância adquirida pelos megaeventos esportivos e por sua intensa relação com a mídia e com o consumo moderno. Fabricando necessidades, com o chamado fetichismo da mercadoria, tais eventos cumpririam o papel de estimular esse consumo

16 RUBIO, Katia. Do Olimpo ao Pós-Olimpismo: Elementos para uma reflexão sobre o esporte atual.

Disponível em: < http://citrus.uspnet.usp.br/eef/uploads/arquivo/v16%20n2%20artigo2.pdf>. Acesso em: 02 de dezembro de 2013.

17 DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/soc

e de assim movimentar a economia capitalista, num processo de alienação social que transformaria o esporte em mais um produto a ser consumido pelos espectadores.

Nesse sentido, uma interessante abordagem do autor destaca que “o espetáculo submete para si os homens vivos, na medida em que a economia já os submeteu totalmente. Ele não é nada mais do que a economia desenvolvendo-se para si própria. É o reflexo fiel da produção das coisas, e a objetivação infiel dos produtores” (DEBORD, 1992, p.12).

Entendendo os modernos megaeventos como espetáculos, estes se localizariam no seio de uma sociedade permeada por disputas de poder, na qual as relações de dependência e de dominação também estariam relacionadas com as estruturas ideológicas que teriam o papel de reforçar os processos de alienação em seu interior. Segundo o autor:

O espetáculo é o momento em que a mercadoria chega à ocupação total da vida social. Tudo isso é perfeitamente visível com relação à mercadoria, pois nada mais se vê senão ela: o mundo visível é o seu mundo. A produção econômica moderna estende a sua ditadura extensiva e intensivamente. Até mesmo nos lugares menos industrializados, o seu reino já se faz presente com algumas mercadorias-vedetas, com a dominação imperialista comandando o desenvolvimento da produtividade. Nestas zonas avançadas, o espaço social é invadido por uma sobreposição contínua de camadas geológicas de mercadorias. Neste ponto da «segunda revolução industrial», o consumo alienado torna- se para as massas um dever suplementar à produção alienada. (DEBORD, 1992, p. 24)

Partindo da perspectiva de Debord (1992), entendemos a realização dos megaeventos esportivos modernos como a expressão máxima dessa sociedade de espetáculo global. A lógica do sistema de produção capitalista, de continuidade ininterrupta de produção de bens e de geração de riquezas também poderia ser verificada no próprio aspecto de continuidade de tais eventos. Interessante se torna a análise de Debord autor ao constatarmos a ciclicidade da ocorrência dos maiores megaeventos esportivos do mundo, na qual as edições dos Jogos Olímpicos de Verão, que aconteceriam a cada 04 (quatro) anos seriam intercaladas pelas edições da Copa do Mundo FIFA, que também ocorrem a cada 04 (quatro) anos, sendo cada edição dos referidos megaeventos, os maiores do planeta, sucedida de uma próxima no intervalo de 02 (dois) anos, de modo que o calendário mundial dos megaeventos esportivos permaneceria sempre preenchido. Longe der ser algo aleatório, percebemos que essa definição de datas foi algo estrategicamente negociado e articulado pelas poderosas entidades organizadora, de modo a cada uma preservar os lucrativos aspectos de sua realização, com a não colisão dos interesses econômicos do “movimento olímpico” com os do “fair play futebolístico”.

Dessa forma, com essa continuidade da realização das diferentes edições de tais espetáculos, temos também a continuidade do processo de geração de lucros, pois a cada dois anos o mercado mundial, com a associação de tais eventos às empresas que neles investiriam, seria surpreendido com uma infinidade de produtos com o selo “oficial” de cada evento, como músicas oficiais, uniformes oficiais, refrigerantes oficiais, mascotes oficiais e sanduíches oficiais, que seriam apresentados aos espectadores-consumidores pelas modernas técnicas de abordagem do marketing esportivo, que garantiria assim a obtenção de elevados lucros com cada evento.

Enquanto a vida anterior a essa sociedade de espetáculos era vivida diretamente, segundo a visão de Debord (1992), a sociedade do espetáculo passa a ser vivida através de representações. Com a fabricação de necessidades com a associação realizada entre empresas e meios de comunicação de massa, os alvos desses espetáculos, o público espectador procuraria, através da compra, solucionar o estado de inquietação neles criado pela publicidade, comprando os ingressos, indo aos estádios, assistindo às competições na televisão ou consumindo os inúmeros produtos que lhes seriam apresentados, e, por fim, sustentando esse mercado esportivo mundial às custas de sua própria alienação.

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