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4. A LEI GERAL DA COPA E SEUS IMPACTOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO E

4.2. A Lei Geral da Copa e o ordenamento jurídico brasileiro

4.2.1. Disposições gerais contidas na Lei Geral da Copa

Partindo de nossa proposta de classificação dos principais pontos da Lei Geral da Copa, o primeiro grupo a apresentarmos seria o que trata das disposições gerais da norma, que conteria os artigos que desempenhariam uma função explicativa, trazendo o significado de termos e expressões adotadas ao longo da lei.

Nesse grupo inicial de artigos, incluímos o artigo 1º, que estabelece que o tema central da Lei nº 12.663/2012 são as medidas a serem tomadas para a realização da Copa das Confederações FIFA 2013 e da Copa do Mundo FIFA 2014 no Brasil.

Além dele, o artigo 2º, que apresenta vários conceitos usados ao longo do texto da lei, incluindo expressões como “Competições” (art. 2º, V), “Eventos” (art. 2º, VI), “Partida” (art. 2º, XV) e “Ingressos” (art. 2º, XIX), termos que, apesar de serem aparentemente autoexplicativos, passam a conter, direta ou indiretamente a sigla da Fédération Internationalle de Football Association, deixando claro que o próprio significado dessas expressões seria modificado na Lei Geral da Copa, no sentido de atender aos mais diversos interesses da referida entidade esportiva.

Importante ressaltar que as definições trazidas no referido artigo 2º são bastante semelhantes às utilizadas no art. 2º da Lei n° 12.350, de 20 de dezembro de 2010, que dispôs sobre as medidas tributárias relativas à Copa das Confederações FIFA 2013 e Copa do Mundo

FIFA 2014. A seguir algumas das definições mais relevantes trazidas pela lei para o presente estudo:

Art. 2º Para os fins desta Lei, serão observadas as seguintes definições:

I - Fédération Internationale de Football Association (FIFA): associação suíça de direito privado, entidade mundial que regula o esporte de futebol de associação, e suas subsidiárias não domiciliadas no Brasil;

II - Subsidiária FIFA no Brasil: pessoa jurídica de direito privado, domiciliada no Brasil, cujo capital social total pertence à FIFA;

III - Copa do Mundo FIFA 2014 - Comitê Organizador Brasileiro Ltda. (COL): pessoa jurídica de direito privado, reconhecida pela FIFA, constituída sob as leis brasileiras com o objetivo de promover a Copa das Confederações FIFA 2013 e a Copa do Mundo FIFA 2014, bem como os eventos relacionados;

[...]

V - Competições: a Copa das Confederações FIFA 2013 e a Copa do Mundo FIFA 2014;

[...]

XIV - Locais Oficiais de Competição: locais oficialmente relacionados às Competições, tais como estádios, centros de treinamento, centros de mídia, centros de credenciamento, áreas de estacionamento, áreas para a transmissão de Partidas, áreas oficialmente designadas para atividades de lazer destinadas aos fãs, localizados ou não nas cidades que irão sediar as Competições, bem como qualquer local no qual o acesso seja restrito aos portadores de credenciais emitidas pela FIFA ou de Ingressos;

XV - Partida: jogo de futebol realizado como parte das Competições;

XVI - Períodos de Competição: espaço de tempo compreendido entre o 20o (vigésimo) dia anterior à realização da primeira Partida e o 5o (quinto) dia após a realização da última Partida de cada uma das Competições;

[...]

XVIII - Símbolos Oficiais: sinais visivelmente distintivos, emblemas, marcas, logomarcas, mascotes, lemas, hinos e qualquer outro símbolo de titularidade da FIFA; e XIX - Ingressos: documentos ou produtos emitidos pela FIFA que possibilitam o ingresso em um Evento, inclusive pacotes de hospitalidade e similares (Grifos nossos).

Também incluímos no presente grupo de disposições gerais contidas na Lei Geral da Copa alguns artigos que determinam a aplicação de forma subsidiária de outras leis brasileiras. O artigo 19 da referida lei, ao dispor sobre a concessão de vistos de entrada e de permissões de trabalho, determina a aplicação subsidiária da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, conhecida como Estatuto do Estrangeiro.

Por sua vez, o artigo 66 da lei em estudo dispõe sobre a aplicação das Leis nº 9.279 /1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, da Lei nº 9.609/1998, que contém normas sobre a proteção da propriedade intelectual de programas de computador, e da Lei nº 9.610/1998, que regula os direitos autorais no Brasil. Como veremos adiante, as modificações nos direitos de propriedade intelectual foram realizadas com o objetivo de atender os compromissos assumidos com a FIFA de modo a serem evitadas a ocorrência de violações ao uso

não autorizado de produtos e de imagens da FIFA durante a realização dos eventos FIFA no Brasil.

O artigo 67 da Lei Geral da Copa estabelece que durante a Copa do Mundo FIFA 2014 e a Copa das Confederações FIFA 2013 deve ocorrer a aplicação subsidiária da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, que contém as disposições gerais sobre o esporte no Brasil. No entanto, tal dispositivo contém uma inusitada ressalva, pois, segundo a redação do artigo, a aplicação da referida lei deve se dar de forma subsidiária e exclusivamente em relação a pessoas físicas ou jurídicas brasileiras, o que na prática exclui do âmbito de incidência da Lei Geral da Copa a própria FIFA no que tange aos dispositivos gerais que regulam o esporte brasileiro.

Por sua vez, o artigo 68 determina a aplicação, também de forma subsidiária, da Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003, o Estatuto de Defesa do Torcedor. No entanto, as ressalvas nos dois parágrafos do artigo mostram a limitação também existente no alcance dessa norma em mais um caso em que é evidenciada a excepcionalidade da Lei Geral da Copa:

Art. 68. Aplicam-se a essas Competições, no que couberem, as disposições da Lei no

10.671, de 15 de maio de 2003.

§ 1º Excetua-se da aplicação supletiva constante do caput deste artigo o disposto

nos arts. 13-A a 17, 19 a 22, 24 e 27, no § 2º do art. 28, nos arts. 31-A, 32 e 37 e nas

disposições constantes dos Capítulos II, III, VIII, IX e X da referida Lei.

§ 2º Para fins da realização das Competições, a aplicação do disposto nos arts. 2º-A, 39- A e 39-B da Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003, fica restrita às pessoas jurídicas de direito privado ou existentes de fato, constituídas ou sediadas no Brasil. (Grifos nossos)

Os artigos do Estatuto do Torcedor que tiveram sua aplicação excluída durante a ocorrência dos eventos esportivos FIFA tratam da segurança do torcedor espectador de eventos esportivos (arts. 13-A103 a 17), da responsabilidade civil de entidades organizadoras de

competições (art. 19), da organização, emissão e venda de ingressos para as partidas (arts. 19 a 22 e art. 24), do fornecimento de transporte pela entidade que organiza eventos esportivos (art. 27), das limitações aos preços de produtos comercializados nos estádios (art. 28, § 2º), de disposições sobre arbitragem (arts. 31-A e 32), e de penalidades impostas às organizações esportivas em caso de violações ao Estatuto do Torcedor (art. 37).

103 Trataremos em tópico posterior (As alterações nas relações consumeristas) de forma mais detalhada uma das

principais alterações da Lei Geral da Copa no ordenamento jurídico brasileiro, que foi a não aplicação, durante os eventos esportivos FIFA de 2013 e 2014 sediados no Brasil, do artigo 13-A do Estatuto do Torcedor, o que significou na prática a liberação da venda de bebidas alcoólicas nos estádios brasileiros para atender os interesses comerciais da FIFA e de seus parceiros comerciais.

O final da redação do primeiro parágrafo do art. 68, ao excluir da incidência da Lei Geral da Copa diversos dispositivos contidos no Estatuto do Torcedor que dispunham sobre a transparência na organização (Capítulo II), a regulamentação das competições (Capítulo III), as relações com a arbitragem esportiva (Capítulo VIII), as relações com a entidade de prática esportiva (Capítulo IX) e as relações com a própria justiça desportiva (Capítulo X), ao impedir a incidência de 15 artigos de fundamental importância ao torcedor que frequenta os estádios brasileiros para assistir às competições esportivas, corrobora com o que dispusemos sobre o estado de exceção instalado no Brasil durante os eventos FIFA, uma vez que tais dispositivos normalmente produziriam seus efeitos, protegendo o torcedor brasileiro em circunstâncias de normalidade institucional.

O artigo 69, o último que incluímos no presente grupo de artigos sobre as disposições gerais da Lei Geral da Copa, estabelece a aplicação das disposições contidas na lei às subsidiárias da FIFA estabelecidas no Brasil. Assim, já nesse primeiro grupo de artigos percebemos que diversas alterações foram feitas de modo a, sistematicamente, restringir o âmbito de algumas leis brasileiras para garantir a logística do evento, a proteção aos direitos intelectuais do evento e, especialmente, os privilégios econômicos da “família FIFA” e de seus igualmente poderosos parceiros comerciais.

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