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3. O MEGAEVENTO COPA DO MUNDO FIFA BRASIL 2014

3.1. Breve histórico do uso político do futebol e dos eventos esportivos no Brasil

3.1.2. O Futebol se profissionaliza: da fase de popularização à Copa do Mundo FIFA 1950

O ano de 1930 entraria para a história dos eventos esportivos mundiais pela realização, naquele ano, da primeira Copa do Mundo FIFA, sediada no Uruguai, país que havia conquistado duas medalhas de ouro olímpicas e, naquele ano, estava interessado em realizar um grande evento esportivo de futebol para comemorar o centenário de sua independência, assim como haviam feito os vizinhos Argentina e Brasil. Entre as garantias dadas pelo Uruguai à FIFA para ser sede do evento, foi estabelecido que a Associação Uruguaia de Futebol (AUF) ficaria responsável por pagar todas as despesas do torneio relativas a deslocamento e estadia de atletas. Além disso, o país também se propôs a construir um novo e grandioso estádio, e garantiu à FIFA participação nos lucros da competição (BRASIL, 2006, p. 09). Naquele torneio ocorreria a estreia do a seleção brasileira de futebol em Copas do Mundo FIFA, que seria até hoje a única equipe nacional a disputar todas as edições do torneio.

Nos anos 1930, o governo de Getúlio Vargas implementaria diversas mudanças no tocante à organização do esporte brasileiro. Santos (2002 p. 19) estabelece que o governo instalado passou a realizar as mais diversas formas de intervenção na sociedade da época, incluindo a cultura e o esporte. Assim, reformas foram feitas no sentido de profissionalizar e burocratizar o futebol e as demais modalidades esportivas brasileiras.

Foi assim que Getúlio Vargas pôs em prática o seu projeto restruturação do esporte nacional, objetivando especialmente uma organização centralizada, de modo que o governo federal exercesse de perto o controle de cada modalidade esportiva. Tais interferências foram legitimadas através da edição de leis específicas para o esporte nacional, o que pode ser exemplificado com a edição, no ano de 1939, do pelo Decreto-Lei 1.056, através do qual foi criada a Comissão Nacional dos Esportes (CNE), composta por cinco membros que eram

diretamente nomeados pelo presidente da República, que teriam o dever de elaborar um plano geral para a regulamentação da gestão das atividades esportivas no Brasil.

Outro instrumento normativo criado durante o governo Vargas e que teve influências nas mais diversas modalidades esportivas brasileiras, incluindo o futebol, foi o Decreto-Lei 3.199, de 14 de abril de 1941, considerado um marco na regulação das atividades esportivas no Brasil.

Dispondo sobre as mudanças estabelecidas por Vargas na sociedade brasileira, Delgado e Schuffne (2007)44 discorrem sobre a Reforma de Francisco Campos (1931), que introduziu a

obrigatoriedade da prática de exercícios físicos no ensino secundário, além da criação da Divisão de Educação Física, subordinada ao Ministério da Educação e Saúde.

No período do Estado Novo foi criado o Conselho Nacional de Desportos (CND), entidade subordinada ao Ministério da Educação, com o objetivo de, através do esporte, implementar influências na educação brasileira de modo favorável ao atingimento dos objetivos políticos da ditadura varguista. Nesse sentido, Delgado e Schuffne trazem que a própria Constituição de 1937 determinou a educação física obrigatória em escolas primárias, normais e secundárias.

Atuando de modo interventivo na legislação brasileira no sentido de disciplinar o esporte nacional, Getúlio Vargas pretendeu, em seu projeto de país urbano e industrial, disciplinar os futuros operários das fábricas do Brasil, incutindo neles a obediência e a disciplina que tanto interessavam ao governo ditatorial instalado em 1937.

Getúlio Vargas, ao interferir diretamente nas mais diversas atividades esportivas brasileiras, também objetivou reforçar o nacionalismo e o amor à pátria, imprimindo no futebol o sentimento ufanista e unificador que era pretendido por seu governo populista.

Durante os anos 1930 o futebol passara por um grande processo de popularização, para o qual de grande importância foram os meios de comunicação da época, notadamente o rádio, que também foi usado de forma intensa pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) para promover os feitos políticos de Vargas.

No tocante às Copas do Mundo FIFA ocorridas na Era Vargas (1930-1945), se o mundial de 1934, no período do Governo Constitucional (1934-1937), não obteve tanto apelo popular ou entusiasmo da população brasileira, na edição de 1938, durante o Estado Novo (1937-1945)

44DELGADO E SCHUFFNE. Esporte, Trabalho e Juventude no Estado Novo: O Caso do Minas Tênis Clube. Revista de História, Juiz de Fora, v. 13, n. 2, p. 215-226, 2007. Disponível em: <http://www.ufjf.br/locus/files/

ocorreu o inverso, com ampla cobertura da mídia brasileira e acompanhamento direto por parte do governo brasileiro. Carrara (2012, p. 163)45, comenta a participação direta de Getúlio Vargas

no embarque da seleção nacional de futebol para a Itália, proferindo um inflamado discurso no qual dizia que o papel dos jogadores brasileiros ia muito além do esporte, mas era uma espécie de dever de representação cívica do Brasil no exterior.

A derrota da seleção de futebol para a Itália foi motivo de grande comoção popular, tendo havido uma intensa repercussão na mídia da época, o que na prática demonstrava que o futebol e o evento Copa do Mundo já tinham grande relevância no país. Na Itália, como dissemos no Capítulo anterior, realização do mundial e a vitória do campeonato foram intensamente explorados pelo regime fascista de Benito Mussolini.

No início da década de 1940, devido à emergência da Segunda Guerra Mundial (1939- 1945) e à intensificação do nacionalismo varguista na opinião pública brasileira, bem como ao posicionamento político-militar do governo do Brasil ao lado dos Aliados, diversas repercussões foram imprimidas na sociedade da época, incluindo na própria mudança de nomes de alguns times de futebol nacionais que faziam referência a países inimigos do Brasil. Dessa forma, segundo apresenta Santos, (2002, p. 44-45), o Palestra Itália foi transformado em Sociedade Esportiva Palmeiras; o Germânia se tornou Pinheiros; e o Espéria foi convertido em Floresta, de modo que, com as mudanças imprimidas nos nomes dos clubes fossem afastadas alusões aos países do Eixo contra os quais o Brasil lutava na Europa46.

No contexto do pós-guerra e da queda da ditadura de Vargas, o ano de 1948 seria bastante importante para o país no tocante à realização de eventos esportivos. Naquele ano, representantes dos países filiados à FIFA decidiram que a IV Copa do Mundo FIFA, que ocorreria em 1950, seria sediada no Brasil. Tal fato representou um importante ganho político para o governo brasileiro da época, presidido por Eurico Gaspar Dutra que tinha o interesse de vender uma imagem de um Brasil moderno e aberto ao mercado econômico mundial.

45CARRARA, Cibele. Usos políticos das copas do mundo de futebol no governo Vargas. Cad. Pesq. Cdhis,

Uberlândia, v.25, n.1, jan./jun. 2012. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/cdhis/article/view/ 14726/11206>. Acesso em: 16 de novembro de 2013.

46 Tal fato está relacionado ao posicionamento do Brasil na Segunda Guerra Mundial, que ocorreu entre os anos de

1939-1945, na qual, apesar de relutar bastante até decidir que lado apoiaria, tendendo ora a escolher os países Aliados, que tinham entre suas principais forças Estados Unidos da América, Reino Unido, França e União Soviética; ora os países do Eixo, que compreendiam Alemanha, Itália e Império do Japão. Por fim, o governo brasileiro decidiu apoiar os Aliados, em função da influência norte-americana sobre o país e de promessas de benefícios econômicos em caso de uma decisão de lutar contra o Eixo e após ataques alemães a navios nacionais.

Como cidades-sede da Copa do Mundo FIFA de 1950 foram escolhidas Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Para o evento, diversas modificações na infraestrutura nacional tiveram que ser realizadas, incluindo a construção de grandes arenas esportivas para a realização das partidas. A esse respeito, Franzini (2010)47, destacou uma notícia

veiculada na época pelo jornal O Estado de São Paulo, na qual se discutiam as necessárias modificações na infraestrutura nacional a fim de receber o grandioso evento:

Importante reunião realizou-se ontem na sede do Flamengo, por iniciativa do Sr. Hilton Santos. Dirigiu os trabalhos o Chefe da Casa Civil da Presidência da República, tomando parte na mesa os presidentes da Confederação Brasileira de Esportes, da Federação Metropolitana de Futebol e da Confederação Brasileira de Pugilismo e um representante da crônica esportiva. O assunto tratado foi a construção de estádios em todo o Brasil. Foi lido ao microfone, pelo locutor Gagliano Neto, o plano elaborado pelo Sr. Hilton Santos, visando a imediata construção de grandes estádios no Rio, em Porto Alegre, em Salvador e em Recife, em face do próximo campeonato mundial de futebol. [...] Em face de opiniões divergentes, o Sr. Gabriel Monteiro da Silva se prontificou a levar o plano, sob a forma de memorial, ao presidente da República, inclusive encaminhando as opiniões dos clubes e da imprensa (O ESTADO DE SÃO PAULO, apud Franzini 2010, p. 248-249).

Para o mundial de 1950 foi especialmente construído o estádio Jornalista Mário Filho, popularmente conhecido por Maracanã, a maior arena esportiva do mundo da época em capacidade de espectadores, erguida com o objetivo de mostrar ao mundo a capacidade do Brasil organizar um evento de tal porte. Na realização da Copa do Mundo FIFA de 1950, verificamos uma concentração dos eventos esportivos nas cidades de Rio de Janeiro, com 08 (oito) jogos, e São Paulo, com 06 (seis) jogos, ocorrida devido às dificuldades de deslocamento na época dos jogadores e jornalista para as outras cidades-sede, repercutindo numa Copa bastante restrita ao eixo Rio-São Paulo48.

De acordo com o Portal Brasil (2010)49, os resultados econômicos do evento FIFA

incluíram no total da arrecadação das bilheterias o valor de Cr$ 36.200.000,00 (trinta e seis

47 FRANZINI. Da expectativa fremente à decepção amarga: o Brasil e a Copa do Mundo de 1950. Revista de História, São Paulo, n. 163, p. 243-274, jul./dez. 2010. Disponível em: <http://revhistoria.usp.br/images

/stories/revistas/163/RH_163_-_11_-_Fabio_Franzini.pdf>. Acesso em: 16 de novembro de 2013.

48 BRASIL repete para a Copa de 2014 os erros de mais de 60 anos atrás. Estadão, São Paulo, 26 de dezembro de

2012. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,brasil-repete-para-a-copa-de-2014-os-erros-de- mais-de-60-anos-atras,977720,0.htm>. Acesso em: 16 de novembro de 2013.

49 BRASIL. Esporte – Copa de 1950 (Brasil). Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/esporte/2010/04/brasil-

milhões e duzentos mil cruzeiros)50 e o total das despesas com sua realização em Cr$

16.000.000,00 (dezesseis milhões de cruzeiros)51, destacando o Portal (2010) o prejuízo de

aproximadamente Cr$ 800.000,00 (oitocentos mil cruzeiros)52 pela prefeitura da cidade-sede

Belo Horizonte. No total, mais de um milhão de pessoas acompanharam os jogos nos estádios brasileiros na edição de 1950, além de jornalistas do mundo todo.

Ao final do evento, apesar da consternação nacional causada pela derrota da seleção brasileira na final no histórico Maracanazo, em que a equipe do Uruguai venceu de virada o Brasil em pleno Maracanã, a CBD havia tido excelentes resultados econômicos e políticos, com um excelente faturamento e com a aquisição de uma nova sede na cidade do Rio de Janeiro, além do prestígio internacional decorrente do sucesso da organização do evento.

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