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3. DIÁLOGOS ENTRE O CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO E A

3.2 CONSTRUINDO SOLUÇÕES POR MEIO DA INTERAÇÃO ENTRE EXPERIÊNCIAS

3.2.3 Perspectivas a partir do diálogo proposto

A partir de todos os elementos expostos até o momento, buscaremos, a seguir, indicar resultados possíveis de ser esperados a partir da interação e do aprendizado da ordem constitucional brasileira em relação a experiências externas.

Destacou-se, há pouco, o relevante papel dos tribunais na incorporação de sentidos normativos extraídos de outras ordens jurídicas, a fim de levar a efeito o diálogo transnormativo. Ainda que o Judiciário tenha um papel relevante na efetivação da interação proposta entre as diversas experiências constitucionais e outras ordens normativas, cabe aqui enfatizar que, para que a Constituição ambiental seja concretizada e possa oferecer melhores níveis de proteção, o que se exige do Judiciário não são atos de bondade interpretativa. No que se refere à hermenêutica ambiental, é preocupante o fato de, ao menos aparentemente, depender-se de uma confiança excessiva em atos de interpretação judicial.

De fato, a interpretação da norma ganha destaque quando se trata da aplicação dada pelos juízes e tribunais, que são, provavelmente, aqueles que lidam de maneira mais próxima e frequente com o deslinde de problemas jurídicos que dependem de desvendar o sentido da norma, ou de propor a coordenação entre soluções advindas de outras ordens para compor uma resposta que ofereça, no âmbito nacional, melhores níveis de proteção normativa.

Assim, mais do que voluntarismo judicial, a premissa que orienta que o compromisso estatal se torne realidade é a de que o meio ambiente – considerando um conceito amplo e integrativo – é um valor relevante, em um conjunto de realidades existenciais, para a garantia de dignidade de vida e da durabilidade das bases naturais da vida.

Nesse sentido, não se pode conferir todo o protagonismo do processo ao Judiciário; o juiz é um elemento pontual e subsidiário (embora importante) nesse processo, que é muito mais amplo e que envolve compromissos compartilhados. Para alcançar a finalidade pretendida, exige-se (ou deve-se exigir) que as instituições de maneira geral sejam capazes de compreender o problema em decisões estruturais – desde o planejamento estratégico e a tomada de decisão.

Esses atos interpretativos não devem se resumir, portanto, aos atos praticados pelos juízes, mas também pela sociedade e pelas instituições em geral. Trata-se de aperfeiçoar a proteção do meio ambiente por uma via hermenêutica alargada, que não se restringe à interpretação judicial. É nesse sentido que Häberle fala de uma sociedade aberta de intérpretes. O processo de interpretação não deve resumir o ato de interpretar à interpretação que é feita pelo juiz; tal processo é (ou deveria ser) muito mais plural e aberto. É preciso

exigir da sociedade e das instituições compromissos com comportamentos, sendo o meio ambiente um fator relevante e merecedor de consideração.

Afinal, o bem estar constitui uma manifestação complexa e alargada, incapaz de ser usufruída sem que nela esteja integrada uma realidade existencial ecológica. Uma vez que a dignidade da vida constitui um vetor de ordenação e limite para os processos de tomada de decisão públicos ou privados, não é possível reconhecer que um projeto existencial definido nesse sentido possa desconsiderar a tarefa pública e social de proteção do meio ambiente como exercício de todos os direitos fundamentais, pois todos eles, de alguma forma, estabelecem relações com a garantia das bases naturais da vida364.

Uma Constituição que não dialoga é, portanto, uma Constituição incompleta. É possível obter dos textos constitucionais leituras que favoreçam um reforço nos níveis de proteção atualmente conferidos – especialmente no que se refere ao meio ambiente e a projetos de vida coletivos, culturalmente diversos –, mas exige-se, para tanto, uma leitura melhor coordenada e a troca de experiências entre ordens diferentes.

O objetivo dessa construção é que a Constituição ambiental brasileira se aproxime cada vez mais da referência de um Estado ambiental (e pluricultural), que consiste no que se poderia denominar de um Estado de proteção integral – ou seja, um Estado que protege todos os mínimos existenciais (social, ecológico, cultural, econômico...).

Tal aproximação faz-se possível (ou pode ser facilitada) agregando referências externas, sejam elas normativas, jurisprudenciais ou culturais, a fim de permitir a ressignificação do próprio texto constitucional brasileiro e, por meio dela, uma compreensão do meio ambiente sob uma perspectiva integral e integradora. Destaca-se como interlocutor para tal finalidade o constitucionalismo latino-americano, especialmente por meio das Constituições do Equador e da Bolívia e seus pilares: plurinacionalidade/pluralismo, bem viver e direitos da natureza.

Por meio do bem viver, reforça-se o sentido de indivisibilidade entre natureza e cultura, destacando que a proteção da natureza não se limita a elementos ecológicos, mas envolve, dentre diversos outros aspectos, a garantia de desenvolvimento de projetos de vida (afinal, a Constituição não protege um projeto de vida, mas projetos de vida – no plural) e de relações culturalmente, socialmente e espiritualmente diferenciadas das pessoas para com a natureza.

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AYALA, Patryck de Araújo; RODRIGUES, Eveline de Magalhães Werner. Constitucionalismo e proteção ambiental na América Latina: é possível proteger melhor? In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, p. 516 (no prelo).

Os direitos da natureza no constitucionalismo latino-americano contribuem para a proteção dos elementos naturais reconhecidos como detentores de valor intrínseco365. Partindo desse pressuposto, a natureza é detentora de direito à existência e à restauração, de modo que torna-se bastante mais difícil justificar uma supressão.

Diante da dinâmica proposta pelo constitucionalismo latino-americano, Ayala entende que “a ordem constitucional brasileira tem condições de veicular uma semântica para o desenvolvimento que é, ao mesmo tempo, plural e monológica”. Para o autor, a ordem é plural porque identidades são protegidas e devem ser respeitadas (leitura que decorre especialmente do artigo 231 da Constituição). E é monológica no sentido de que, mesmo na pluralidade, há um ponto de convergência incapaz de ser ameaçado, qual seja, a responsabilidade para com a conservação daquilo que é indispensável para o desenvolvimento da vida. Trata-se, então, do desenvolvimento de projetos de vida plurais e também do desenvolvimento de todas as formas de vida366.

Nota-se que é possível e necessário agregar as referências, uma vez que elas não se excluem, e sim, se complementam. A dignidade continua a ser um valor relevante, mas, ao seu lado, outros valores devem merecer consideração, sendo talvez o de maior destaque a proteção da vida de maneira geral, que abrange um sentido alargado e integral de meio ambiente, na forma proposta nesta investigação. Dessa maneira, o conjunto de experiências entre os diversos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos, em conjunto com um sentido reforçado proposto pelas Constituições equatoriana e boliviana, tendem a propor um caminho para uma cultura jurídica de direitos fundamentais pautada na integridade ecológica.

É desse modo que entende-se ser possível desenvolver a afirmação dos direitos da natureza e do direito ao bem viver presentes nas experiências do terceiro ciclo do constitucionalismo latino-americano como partes de um direito fundamental ao meio ambiente culturalmente plural367 e, assim, justificar a afirmação, em outras experiências

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Convém registrar a ressalva de que mesmo que Equador e Bolívia tenham reconhecido direitos à natureza, levando-a à condição de sujeito de direitos, há algumas tensões que, na prática, continuam sem ser resolvidas. Isso porque, se o valor dignidade tem como pressuposto “não reduzir o sujeito à condição de objeto”, e se a natureza está agora na condição de sujeito, se os Estados continuam pautando-se em uma ordem econômica de mercado, então há aí uma contradição entre o mandamento de “não reduzir a natureza à condição de objeto” e o regime capitalista. Enquanto esse regime permanecer, a contradição também permanecerá.

366 AYALA, Patryck de Araújo; RODRIGUES, Eveline de Magalhães Werner. Constitucionalismo e proteção

ambiental na América Latina: é possível proteger melhor? In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, p. 514 (no prelo).

jurídicas (para além do contexto latino-americano), de um direito fundamental completo e integral ao meio ambiente.

Evidencia-se, então, uma passagem de direitos compartimentados, antropocêntricos e etnocêntricos (ocidentalizados), para um Direito Ambiental de integridade, por meio do qual a existência da vida é um imperativo estatal e social. Essa é a consequência mais importante que decorre do diálogo com a referência do direito ao bem viver, e é também um compromisso com um projeto (plural) de futuro. Se esse compromisso parte de uma realidade cultural fundada em uma cosmovisão que não tem origem e não faz parte do constitucionalismo ocidental na forma que conhecemos, as experiências se aproximam por meio de canais que permitem esse diálogo, sendo um exemplo relevante, no texto constitucional pátrio, o imperativo de preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I).

Tem-se, portanto, compromissos complementares. Ao mesmo tempo em que o Estado ainda deve ser capaz de proteger as pessoas, delineia-se aqui um projeto que tem um compromisso adicional: a responsabilidade do homem pela existência da vida.

Para alcançar tal objetivo, a fórmula “direitos fundamentais” não é a única forma de assegurar proteção, especialmente ao meio ambiente. O êxito dessa tarefa dependerá cada vez mais da capacidade desse Estado de mediar soluções para conflitos com base na abertura, aprendizado e humildade constitucional.

É da capacidade que o Estado tem de dialogar (e aprender) com os diversos instrumentos à sua disposição que decorrerá mais ou menos proteção para o meio ambiente, de modo que somente um Estado que se relacione por meio de interações normativas mais complexas poderá oferecer proteção integral para os bens e valores que de fato importam para a existência de sua comunidade política e para a continuidade da vida em todas as suas formas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho apresentou como contexto para o seu desenvolvimento um cenário que demonstra que a consideração destinada ao meio ambiente e à sua proteção na cultura jurídica ocidental não foi o suficiente para atenuar as crises múltiplas vivenciadas, as quais se refletem em riscos existenciais para a própria humanidade e para a durabilidade da vida em geral.

Nesse sentido, foi apontada a necessidade de repensar a pretensa proteção que se esperar obter com a destinação de dispositivos constitucionais ou legais que protejam elementos naturais isolados, ou que considerem o direito do ambiente como relevante tão somente enquanto condição para o bem estar e a qualidade de vida dos seres humanos, especialmente sob uma perspectiva individualista e determinada culturalmente conforme o pensamento hegemônico ocidental.

Viver dignamente constitui um projeto existencial complexo, que somente pode ser concretizado a partir da integração entre elementos econômicos, sociais e culturais, do qual faz parte também uma realidade ecológica. Esse elemento ecológico deve ser compreendido de maneira alargada e integradora, enfatizando a proteção da natureza por seu próprio valor intrínseco e assegurando o livre desenvolvimento de projetos de vida distintos – tais como os projetos existenciais coletivos dos povos indígenas –, de sua identidade e das relações culturalmente, socialmente e espiritualmente distintas que são estabelecidas para com a natureza.

Semelhante objetivo somente pode ser alcançado por meio de uma experiência constitucional aberta ao diálogo com outras ordens jurídicas, a fim de que seja favorecida uma interpretação capaz de melhorar os níveis de proteção normativa conferidos ao direito fundamental ao meio ambiente, a fim de que a vida seja protegida de forma completa e integral.

Assim, a Constituição ainda tem um papel relevante enquanto instrumento de mediação e solução de conflitos, mas, para que possa atender aos novos desafios, deve ser entendida como uma Constituição incompleta e imperfeita, que somente poderá ser concretizada se estiver aberta e predisposta ao aprendizado com outras experiências constitucionais.

Para fundamentar essa abertura ao diálogo, foram expostas as teorias do constitucionalismo societal, constitucionalismo multinível, interconstitucionalidade e transconstitucionalismo. A ideia de fundo em cada uma dessas teorias é que, por meio da interação entre experiências normativas, sejam oferecidas melhores condições de concretização dos direitos fundamentais – e, no sentido proposto por esta pesquisa, do direito

fundamental ao meio ambiente –, a partir de um processo de aprendizagem constitucional desenvolvido no âmbito de um constitucionalismo global.

Dessa forma, para se falar em proteção do meio ambiente em uma perspectiva integral, deve-se ter como ponto de partida uma ordem jurídica materialmente aberta, que proponha transnormatividade e sincretismo entre as fontes, e não hierarquia. Níveis adequados de proteção pressupõem uma arquitetura em rede, onde todos os instrumentos dialoguem com a Constituição.

É da capacidade que o Estado tem de dialogar com os diversos instrumentos à disposição que decorrerá maior ou menor proteção para o meio ambiente. Se a experiência constitucional brasileira tem limitações em relação à proteção conferida à natureza e a projetos coletivos culturalmente diversos, ela pode ser aperfeiçoada por meio de um diálogo com outras experiências. A Constituição Federal brasileira permite essa abertura, com o objetivo de sempre avançar na proteção oferecida.

Como importante contribuição para o aperfeiçoamento da experiência constitucional pátria, a pesquisa enfatizou o diálogo com as experiências em curso na América Latina, notadamente aquelas que representam o terceiro ciclo do chamado novo constitucionalismo latino-americano, quais sejam, Equador e Bolívia. Por meio da ruptura promovida pelas recentes Constituições equatoriana e boliviana, especialmente no que se refere aos direitos da natureza ou da Mãe Terra e à retomada do ideal de bem viver (sumak kawasay / suma

qamaña), é possível visualizar um sentido de proteção que integra natureza e cultura de forma

indivisível.

O constitucionalismo latino-americano tem um grande potencial transformador para o Direito. Ao estudar seus pilares de sustentação, notadamente no que se refere ao bem viver e aos direitos da natureza, é possível percebê-lo como alternativa ao modelo de proteção então vigente na cultura jurídica ocidental, marcado pelo antropocentrismo e pelo etnocentrismo. Partindo das contribuições desse novo constitucionalismo, será possível viabilizar um diálogo que leve ao aprendizado constitucional, de modo que se tenha condições de propor muito mais a partir do texto constitucional brasileiro do que tem sido possível até o presente momento.

Deve-se destacar que, por sua origem étnica e cultural específica da realidade dos povos andinos, não é possível simplesmente aplicar tais institutos no Brasil, sem interpretá-los a partir de nossa realidade. No entanto, a partir da construção de um caminho de aprendizagem constitucional, que assume como ponto de partida um constitucionalismo global, capaz de reconhecer a necessidade de uma ordem jurídica aberta e em permanente diálogo que permita a ressignificação do âmbito de proteção dos direitos fundamentais

resguardados pelo ordenamento constitucional, é possível oferecer proteção muito mais consistente e ampla ao ambiente e aos direitos daqueles povos e comunidades que com ele possuem uma relação de indivisão.

O constitucionalismo latino-americano representa, portanto, uma contribuição de grande relevância para uma proteção mais fortalecida e integradora, de forma que natureza e cultura sejam tratadas sob uma perspectiva de indivisibilidade e integridade.

A interpretação do texto constitucional brasileiro neste momento recebe a influência direta de um paradigma essencialmente europeu, que delimita o que se compreende como “dignidade” e que, por mais que determine que sejam mantidos os processos ecológicos essenciais, as funções ecológicas da fauna e da flora, e situe a proteção do ambiente como condição para o exercício das liberdades econômicas, ainda encontra grandes dificuldades para visualizar a possibilidade de proteção de valores intrinsecamente considerados e para concretizar a proteção da identidade e o livre desenvolvimento de projetos de vida culturalmente distintos sob graus mais completos.

Nesse sentido, buscou-se identificar no trabalho quais os principais aspectos merecedores de atenção quando se trata da proteção constitucional do ambiente no Brasil. Para tanto, primeiramente enfatizou-se a insuficiência da ideia de “dignidade da pessoa humana” para a proteção da natureza e da vida em geral como valor intrínseco. Após, discutiu-se acerca da “invisibilidade” dos povos indígenas no Brasil, demonstrando a insuficiência nas respostas à proteção de projetos existenciais dos povos indígenas.

De fato, tal como foi demostrado em momento anterior nesta pesquisa, dignidade humana é um valor relevante, mas não é o único a ser considerado. Trabalhar somente com o conceito de dignidade (humana) resulta em uma perspectiva muito limitada para a proteção do meio ambiente.

É necessário deixar claro que não se propõe a substituição de modelos, uma vez que estes podem conviver de forma integrativa no mesmo espaço interno: a dignidade humana – integrando inclusive um aspecto coletivo, cultural e espiritual, como contribuição do bem viver – e a consideração do valor intrínseco do meio ambiente, como contribuição dos direitos da natureza.

A partir da identificação de onde é possível e necessário proteger melhor por meio do direito ao meio ambiente, foi possível apontar possíveis caminhos para que a experiência brasileira possa se conectar com as experiências constitucionais equatoriana e boliviana, de modo a obter experiências melhores de proteção de valores que até o momento estão ocultos ou invisibilizados. Nessa perspectiva, a utilização de instrumentos tais como a ideia de

constitucionalismo global para estabelecer o diálogo entre as diferentes experiências constitucionais perpassa por um passo primordial, qual seja, a identificação dos pontos de contato entre tais experiências.

Por meio do caminho traçado nesta investigação, a proposta foi oferecer contribuições para que seja garantido, no plano jurídico, um nível maior de proteção do meio ambiente, de modo que a experiência constitucional brasileira se aproxime cada vez mais dos objetivos de um Estado ambiental, compreendido como um Estado de proteção integral (um Estado que protege todos os mínimos existenciais – social, ecológico, econômico, cultural). Entende-se que um sentido completo de proteção do meio ambiente deve agregar a proteção às pessoas, ao valor ambiente e, ainda, à relação entre esses dois valores (por meio de um conceito integrativo, completo).

Nota-se, então, que, mesmo sem fazer uso de reformas constitucionais (nos moldes ocorridos no Equador e na Bolívia), é possível oferecer novas possibilidades interpretativas a partir do diálogo com a experiência latino-americana. Nesse contexto, enfatizou-se no trabalho que os atos interpretativos não devem se resumir aos atos praticados pelos juízes, mas pela sociedade em geral e pelas instituições em geral. Trata-se, no fundo, de aperfeiçoar a proteção do meio ambiente por uma via hermenêutica alargada, que não se restringe à interpretação judicial.

O efeito obtido a partir das interações entre as experiências constitucionais na forma proposta é o de proteção não de um ou de outro valor de maneira isolada, mas a proteção de uma relação. Assim, o ser humano não é deixado de lado na busca por direitos. Pelo contrário, a proteção é aperfeiçoada ao trazer, ao lado da ideia de dignidade, a proteção da vida de maneira geral. Os compromissos são complementares, de modo que o conjunto de experiências entre os diversos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos, em conjunto com um sentido reforçado proposto pelas Constituições equatoriana e boliviana, tendem a propor um caminho para uma cultura jurídica de direitos fundamentais pautada na integridade ecológica.

Dessa construção teórica decorre a afirmação dos direitos da natureza e do direito ao bem viver presentes nas experiências do terceiro ciclo do constitucionalismo latino-americano como partes de um direito fundamental ao meio ambiente culturalmente plural, o que contribui para que outras experiências jurídicas caminhem rumo a um direito fundamental completo e integral ao meio ambiente.

Evidencia-se, então, uma passagem de direitos compartimentados, antropocêntricos e etnocêntricos (ocidentalizados), para um Direito Ambiental de integridade, por meio do qual a

existência da vida é um imperativo estatal e social. Essa é a consequência mais importante que decorre do diálogo com a referência do direito ao bem viver, e é também um compromisso com um projeto (plural) de futuro.

É nesse sentido, portanto, que o constitucionalismo latino-americano destaca-se com a sua contribuição. É por meio de uma relação de harmonia, complementaridade, solidariedade e indivisão que os povos que historicamente ficaram à margem do movimento hegemônico de construção da ciência e do direito conseguem oferecer respostas para aqueles pontos onde até o momento o constitucionalismo ocidental falha, onde ele é incompleto, ao não reconhecer alguns valores, alguns sujeitos, que precisam ser reconhecidos. Esta é a contribuição do Sul para os movimentos constitucionalistas. Este é o momento em que nós colaboramos para o aperfeiçoamento desse processo a princípio etnocêntrico e homogeneizador, reforçando a proteção da natureza e de projetos de vida coletivos sob um ponto de vista culturalmente