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2 ASSISTÊNCIA EM ENFERMAGEM

A temática em estudo tem contornos específicos para a actividade da Enfermagem. Esta é, aliás, a razão de se fazer uma abordagem à assistência de Enfermagem, pois só assim compreenderemos as razões que levam os enfermeiros tomarem atitudes, a favor ou contra a parceria.

O interesse pelos modelos em enfermagem é uma ideia relativamente recente, mas o pensamento sobre a Enfermagem já não é novo. Já em 1859, Florence Nightingale referiu que lamentava que a enfermagem fosse considerada como pouco mais do que a administração de medicamentos e a aplicação de cataplasmas. E curioso ainda hoje haver muitas pessoas que querem reduzir a enfermagem a uma actividade cujos profissionais desempenham um conjunto de tarefas, tendo em conta apenas alguns dos aspectos observáveis de entre outros que desenvolvem.

Atrevo-me a perguntar: esta ideia é só dos outros, ou também é partilhada por muitos enfermeiros ?

Na Enfermagem, como em quase todas as profissões, os seus profissionais têm, desde há muito tempo, procurado certezas, desligando-se de um "saber fazer" quase empírico e intuitivo para se basearem cada vez mais num saber lógico e científico. Assim, baseado na experiência profissional ou em trabalhos de investigação, têm surgido várias correntes teóricas que procuram encontrar essa certeza, ao traçarem directrizes sobre o que, e como fazer, em Enfermagem.

Os conceitos chave em que todas as teorias assentam, denominados paradigmas da enfermagem, são : Cliente; Enfermagem; Saúde; Ambiente.

As diferentes teorias têm a ver com a ênfase colocada pelas mesmas, num ou mais conceitos e na maneira como as suas inter-relações são visualizadas. Apesar de não haver uma linguagem única e clara sobre teorias, adopta-se um conceito de teoria como um conjunto de preposições inter-relacionadas duma forma sistemática.

A um desenvolvimento detalhado duma teoria, segue-se geralmente a construção de um modelo. No entanto, é muitas vezes a partir de um modelo que se chega a uma melhor compreensão da teoria.

Segundo ADAM (1982:6), um "Modelo Conceptual é uma imagem mental, uma

maneira de representar a realidade'". Poderá dizer-se que o modelo representa a

Os modelos conceptuais são as apresentações formais de algumas imagens privadas de enfermeiros, sobre a enfermagem. Estes mostram o relacionamento entre os conceitos e podem introduzir teorias já estabelecidas de outras disciplinas que são aplicadas numa situação de enfermagem.

O interesse da utilização de um modelo numa instituição reside na necessidade de que todos os enfermeiros pratiquem e tenham uma linguagem comum. Hoje, mais do que por razões institucionais, surge a necessidade de se generalizar ainda mais esta linguagem e, por isso, assistimos recentemente à divulgação de uma classificação internacional para a prática de enfermagem (ICNP/CIPE) (MORTENSEN et ali 1996:5). Além disso, é cada vez mais necessário que a organização apresente objectivos comuns e, para isso, é imprescindível que o espaço cultural de cada grupo profissional esteja bem delimitado e seja claro; não só para cada actor desse grupo profissional, mas também para os outros participantes da organização.

As diferentes linguagens usadas têm dificultado a comunicação entre os enfermeiros que prestam cuidados directos, ensinam ou gerem cuidados de enfermagem.

Torna-se, portanto, essencial que a forma de comunicar, as mudanças na profissão e a necessidade de dinamizar novos conhecimentos sejam idênticas, para diminuir a desarticulação entre os enfermeiros.

O Modelo Teórico explica o que é a enfermagem, o que é ser enfermeiro e qual a relação Enfermeiro/Pessoa.

Quando o adoptarmos na nossa prática, teremos vantagens que se reflectirão não só nos cuidados prestados à pessoa, mas também na própria equipa de Enfermagem. Deste modo será, pois, possível:

- uniformizar os cuidados prestados ao cliente, valorizando-o como Ser Único; - padronizar a qualidade desses mesmos cuidados;

- servir de guia à tomada de decisões do cliente e da equipa, quanto ao planeamento dos cuidados;

- encontrar um espaço comum entre o exercício de Enfermagem.

Assim, por um lado, a equipa de saúde terá uma percepção mais correcta dos cuidados prestados pelos Enfermeiros e, por outro lado, conseguiremos diminuir os conflitos existentes na própria equipa de enfermagem, surgidos em consequência de cada enfermeiro pensar a Enfermagem à sua maneira.

Segundo ADAM (1982), os componentes essenciais duma concepção completa e explícita são os postulados, que sustentam o todo, os valores, que justificam o todo, e os

elementos, o "quê" da conceptualização ou seja: a finalidade; o alvo da actividade profissional; o papel do profissional; a fonte de dificuldade; a intervenção do profissional; a consequência da actividade profissional.

Os Postulados (ou suposições), que formam o suporte teórico e científico do Modelo Teórico, são reconhecidos, ou pelo menos verificáveis, e aceites, pelos utilizadores do modelo. Constituindo o Como da conceptualização, os postulados são o fundamento teórico em que o Todo assenta.

Os valores ou crenças constituem o porquê do modelo; não estão sujeitos aos critérios de verdade, mas estão necessariamente de acordo com os valores da sociedade que a profissão serve. O sistema de valores, tornado explícito pelo autor do modelo, é obrigatoriamente partilhado pelos membros da profissão, que querem utilizar o modelo porque, de outra forma, escolheriam um outro Quadro Conceptual que apresentasse um sistema de valores mais aceitáveis.

Os elementos são "o quê" da conceptualização, representam o âmago e animam assim as actividades profissionais dos que partilham esta concepção, qualquer que seja o local da actividade profissional e qualquer que seja o momento. Estes elementos (seis) dão sentido à vida profissional.

- A finalidade da profissão é o fim para o qual tendem, em conjunto, com algumas das suas actividades, os membros de uma profissão. Os membros tendem para um ideal, mesmo que nem sempre possam atingi-lo. Não procuram fazer tudo, simultaneamente, mas aceitam de forma realista exercer uma acção limitada. A finalidade seguida pela profissão de enfermagem é especificada, de acordo com a finalidade comum a toda a equipa de saúde, mas suficientemente distinta desta para justificar a presença do enfermeiro. Pelas suas actividades profissionais, o enfermeiro tende para um ideal, sendo, todavia, realista.

- O alvo da actividade profissional é o objecto sobre o qual se exerce determinada actividade. Nas profissões de ajuda, o alvo é o beneficiário, a pessoa ou o grupo a quem o profissional dirige as suas actividades. Essa pessoa ( cliente actual ou potencial do serviço em questão) é visto duma certa forma pelo profissional. A imagem que o profissional tem do seu cliente explicita-se neste elemento. O enfermeiro deve precisar como considera o seu cliente: doente ou saudável. Se um outro membro da equipa multidisciplinar considera o cliente como um sistema anatomo-bio-fisiológico, contendo subsistemas, poderá perguntar-se se o enfermeiro vê o cliente com os mesmos olhos ou de outra forma, em função do seu próprio esquema conceptual.

- O papel do profissional indica o papel social de uma actividade exercida pelos seus profissionais. Este papel é necessariamente reconhecido e aceite pela sociedade. De outra forma, o serviço oferecido pela actividade profissional não existiria.

Este elemento diz respeito ao papel que o enfermeiro desempenha junto do público. - A fonte de dificuldade indica a origem provável das dificuldades sentidas pelo cliente, de quem o profissional pode e deve ocupar-se. Este elemento corresponde, de certa forma, ao leque de actividades profissionais. As dificuldades que o beneficiário encontra não incidem todas no mesmo profissional. É portanto necessário distinguir as que pertencem à actividade em causa. Este elemento refere-se à causa provável das dificuldades do cliente que dizem respeito à competência do enfermeiro.

- A intervenção do profissional inclui o centro ou local da intervenção. Este quinto elemento diz respeito ao local (no sentido abstracto) da atenção dispensada pelo enfermeiro ao seu cliente, quando intervém. É neste centro ou local de intervenção que se concentra a atenção.

Em geral, o beneficiário é visto como uma pessoa muito complexa mas, apesar desta complexidade, só um aspecto da sua personalidade requer a atenção do profissional no momento da intervenção. Ninguém pode fazer tudo ao mesmo tempo. A acção deve ser dada necessariamente a uma só parte de cada vez, mesmo que o todo não se perca de vista.

Os modos de intervenção são os meios de que o profissional dispõe para intervir ou agir. A intervenção ou acção, propriamente ditas, não são indicadas pelo modo, que é uma abstracção, um conjunto de directivas respeitantes à acção concreta. Os actos relativos a cada modo não são precisados pelo modelo teórico. O esquema de referência indica ao enfermeiro os meios de que dispõe no momento de intervir, na qualidade de profissional de saúde.

- As consequências da actividade profissional são os resultados esperados; estes são pretendidos, desejados, e estão de acordo com a finalidade a atingir.

Analisando o desenvolvimento da enfermagem, podemos dizer que esta tem sido fortemente influenciada pelo modelo biomédico tradicional, com a sua perspectiva cartesiana de que o corpo é distinto do espírito/ alma (dualismo). Esta perspectiva teve uma influência determinante no desenvolvimento da abordagem científica da medicina, permitindo-lhe distinguir-se da religião. Os médicos, para estudarem a estrutura e funcionamento do corpo, dividiram-no em pequenos componentes (reducionismo). O

corpo foi-equiparado a uma máquina; a doença, a uma avaria da máquina; o tratamento, à sua reparação.

Até há bem pouco tempo, grande parte da formação teórica e clínica dos enfermeiros enfatizava a mesma perspectiva médica. De facto, os enfermeiros têm sido recompensados pela sua perícia, na utilização do modelo médico; especializaram a sua prática de acordo com as classificações do modelo médico e, deste modo, tenderam a assistir os doentes segundo os sistemas de órgãos, e a elaborar os planos de cuidados de enfermagem para as doenças.

Este quadro conceptual médico tem sido conveniente e clinicamente útil para os enfermeiros, que gastam uma parte considerável do seu tempo executando funções interdependentes como, por exemplo, vigiando sinais vitais, sintomas de doença e resposta do doente à terapêutica, administrando medicamentos, executando tratamentos prescritos, avaliando o cumprimento dos protocolos médicos.

Os enfermeiros têm necessidade de continuar a desenvolver e a manter a sua competência na execução destas funções. Contudo, é imperioso que também desenvolvam e valorizem o seu conhecimento e experiência nas áreas nucleares (específicas) da enfermagem, se querem que esta cumpra a sua responsabilidade profissional na sociedade.

Em contrapartida ao modelo biomédico, que se caracteriza por centralizar a sua acção no curar, surgem os modelos teóricos de enfermagem que colocam como conceitos fulcrais o cuidar e a Pessoa. O quadro conceptual está relacionado com a manutenção da qualidade de vida que o indivíduo pode atingir e a independência no seu dia a dia.

Os modelos de enfermagem rejeitam o reducionismo do modelo biomédico e tanto reconhecem claramente a interacção corpo - espírito, como a corpo-ambiente.

A utilização de um modelo aumenta a humanização dos cuidados prestados pois permite uma visão mais holística do cliente. Os fenómenos específicos, a que se dirigem os cuidados de enfermagem, são as respostas humanas específicas aos problemas de saúde reais ou potenciais. O enfermeiro colhe informação sobre estas respostas com o intuito de identificar um diagnóstico de enfermagem e determinar as suas intervenções. Em enfermagem, ao contrário do que acontece em medicina, o diagnóstico centra-se preferencialmente nas respostas da "pessoa total" aos problemas de saúde, mais do que na função/disfunção de um órgão ou sistema específico. O centro de atenção é o Homem como Pessoa, isto é, um Eu com tudo o que o envolve e define o nível biológico, sociológico e filosófico.

Os modelos de enfermagem parecem defini-la e organizá-la como um corpo de conhecimentos independentes. Usando estes modelos, o enfermeiro torna-se capaz de colher informação sobre o seu cliente, de diagnosticar e tratar diferentes problemas e de identificar os resultados por que tem primariamente responsabilidade.

Quando um cliente é admitido, faz pouco sentido que o estudante de medicina, o interno, o médico assistente, o estudante de enfermagem e o enfermeiro façam as mesmas perguntas. Os enfermeiros necessitam de informação diferente.

Um modelo de enfermagem é usado com (e não em vez de) um modelo médico. Os enfermeiros têm necessidade de continuar a usar um modelo médico para desempenharem as responsabilidades interdependentes - trabalhar com o médico no diagnóstico e tratamento da doença, mas necessitam de um modelo de enfermagem para centrarem a sua atenção e guiarem a sua colheita de dados, desenvolvendo o tratamento dos aspectos específicos da enfermagem.

Poderá dizer-se que o Processo de Enfermagem é um processo de interacção entre enfermeiros e clientes, de tal forma contínuo que necessita de um suporte logístico para se desenvolver e constituir uma reflexão com base científica.

O desenvolvimento de suportes logísticos escritos constitui não só uma base legal que justifica a intervenção dos enfermeiros, como também é um suporte fundamental ao

desenvolvimento da investigação em enfermagem, a partir das práticas efectivas dos enfermeiros.