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5 Percepção dos Enfermeiros sobre a parceria de cuidados

O acompanhamento dos doentes no hospital é talvez, também, e antes de tudo, um meio de promoção da saúde Neste sentido, talvez esta questão da parceria tenha um valor incalculável que merece ser reflectida não apenas na expressão da opinião dos enfermeiros mas também pelos restantes actores que intervêm no processo. No entanto, por questões de limitação do problema, centramos o estudo nos enfermeiros.

Os cuidados com os membros mais velhos, doentes e deficientes/inválidos são aceites, por algumas famílias e em algumas sociedades, como uma função universal da família. Actualmente, a problemática dos idosos, doentes e dos deficientes/inválidos dentro da família constitui assunto de debate e pesquisa tanto para teóricos como para técnicos. Longe dos consensos, os vários intervenientes (entre os quais incluímos a família, os idosos, doentes e os deficientes/inválidos) deixam transparecer, nos seus discursos e tomadas de posição, elementos da natureza científica e interesses e valores morais e pessoais. Pontos de vista divergentes afastam, por vezes de forma conflitual, indivíduos, utentes, profissionais e instituições.

Estudos antropológicos mostram que a relação dos doentes e inválidos com a família tem tido evoluções diversas, havendo sociedades que aliviam a família desse encargo, ao matarem estes membros. De acordo com LINTON (1981:157), em Fidji, era dever de um bom filho observar o seu pai e matá-lo quando apresentasse sinais de aproximação de senilidade ou de extrema decrepitude. Outras sociedades, porém, têm valores opostos a estes, considerando ser dever da família acompanhar e cuidar dos idosos e deficientes/inválidos, mesmo que para tal tenham que se sacrificar gerações futuras. Entre estes dois extremos surgem as sociedades onde a tendência é aliviar a família, através do internamento institucional permanente dos idosos, doentes e dos incapacitados ou do apoio à família, para que esta tenha condições para manter os seus membros (BUNGERE cit. in LESEMANN, 1992).

A prevalência da família nuclear sobre outras formas de organização familiar faz com que, frequentemente, seja difícil a permanência dos doentes e incapacitados no seu meio. As fontes de suporte familiar são exíguas e a comunidade/sociedade tem

dificuldade em oferecer-se (eventualmente em ser aceite) como alternativa válida de suporte.

Um caso particular desta problemática é ilustrado pela ausência da família durante o internamento e o pedido ( quase obrigação) de, no momento da alta, a família ter que retomar as suas funções, mesmo que o seu membro tenha incapacidades e esta tenha que aprender a dar respostas adaptativas às funções sem suporte de conhecimento.

A motivação para este estudo surge, então, como resultado das nossas inquietações pessoais, da nossa experiência adquirida ao longo de anos de prática em serviços de saúde onde diariamente nos confrontavam, os técnicos sobre a facilidade ou não da presença de um acompanhante junto do doente e os doentes e familiares das possibilidade de poder ou não permanecer.

Partindo da vivência que temos em meio hospitalar, questionámo-nos sobre o tipo de variáveis que estariam relacionadas com a aceitação, por parte dos enfermeiros, de familiares junto do doente. Dado o seu nível de dependência física e a importância do apoio relacional para a sua recuperação, considerámos ser não só interessante como útil avaliar, de forma tão exaustiva quanto possível, o peso da variável presença de familiares junto do doente. Estará a aceitação/rejeição da presença de familiares durante o internamento relacionada com experiências vivênciadas pelos enfermeiros? No contexto do ser enfermeiro será que a formação ou intervenções específicas junto dos doentes são aspectos determinantes?

Estas foram as questões que, pelas suas implicações práticas e pelo nosso interesse particular pela problemática da presença de familiares em internamento hospitalar, mais nos mobilizaram para a realização desta investigação.

5.1 - OBJECTIVOS

Atendendo ao objectivo geral que deixámos já enunciado, de analisar as possíveis variáveis relacionadas com a aceitação/rejeição da presença de familiares durante o internamento hospitalar por parte dos Enfermeiros, propusemo-nos avaliar:

• a importância do sexo, idade, estado civil e situação familiar do enfermeiro, na determinação da aceitação da presença de familiares durante o internamento;

• a importância da situação profissional ( categoria experiência profissional, horário praticado e método de trabalho), na determinação da aceitação da presença de familiares durante o internamento;

• a importância da situação de formação dos enfermeiros na determinação da aceitação da presença de familiares durante o internamento;

• a importância da situação de cuidados específicos na determinação da aceitação da presença de familiares durante o internamento;

• a importância da vivência anticipatória da presença de familiares na determinação da aceitação da presença de familiares durante o internamento;

• a importância da situação das visitas e contexto institucional na determinação da aceitação da presença de familiares durante o internamento.

Com base nos resultados obtidos procuraremos retirar alguma implicação para a prática hospitalar do acompanhamento e comunicação com os familiares dos doentes internados.

5.2- Metodologia

Sobre o investigador recai a responsabilidade de levar a bom porto o projecto global de investigação. É importante que seja capaz de pôr em prática um método de trabalho que permita chegar a conclusões elucidativas e reais. Grande número de dificuldades que se colocam prendem-se com as razões metodológicas. FRAGATA (1980:17) é de opinião que "... a metodologia do trabalho científico: - É o conjunto de ensinamentos práticos,

em ordem à confecção de um trabalho científico, isto é, tal que contribui para o avanço das ciências, ou aquisição de novas verdades científicas."

Definido o objecto geral do nosso estudo e equacionadas as questões para as quais gostaríamos de encontrar resposta, iniciámos a pesquisa que se orientou da seguinte forma:

A experiência de doença em internamento hospitalar Tratamento / Análise dos dados A concepção sobre os cuidados de Enfermagem T As práticas sobre o acompanhamento / visitas dos doentes

Figura 18- Desenvolvimento da pesquisa centrada nos enfermeiros

Partindo da prática de cuidados em serviços de internamento surgem as seguintes questões de reflexão:

- que atitudes desenvolvem os Enfermeiros para com os familiares dos doentes?

- que instrumentos utilizam para avaliação familiar?

- que preocupações têm os enfermeiros para com os familiares dos doentes? - que familiares os enfermeiros chamam a participar nos cuidados?

- que tipo de participação proporcionam aos familiares dos doentes?

- que atitude têm os enfermeiros quando os familiares negam a participação nos ensinos?

- que atitude têm os enfermeiros quando os familiares negam a alta do doente?

- como reagem os enfermeiros quando os familiares não comparecem no hospital?

- que fontes de stress identificam os enfermeiros nas famílias? - como identificam as fontes de suporte familiar?

- será que os enfermeiros, durante a sua formação, desenvolvem competências para acompanhar os familiares na vivência da doença ?

Depois da pesquisa delimitamos as várias questões à seguinte pergunta de partida :

"Qual a relação entre a opinião dos enfermeiros sobre o acompanhamento de doentes e os recursos individuais e institucionais?"

Diríamos que a metodologia utilizada passou por quatro fases. Na primeira, reflectimos sobre a experiência e questionámos o resultado da investigação que relizámos sobre a aceitação da alta do doente com Acidente Vascular Cerebral. Neste trabalho a principal conclusão foi que " família é mais importante que a situação de deficiência"e, assim, passamos à determinação do problema, começando por seleccionar o assunto, formular o problema, reunir e seleccionar a documentação. Fizemos entrevistas a alguns peritos, quer da área da família quer da enfermeiros. Terminámos esta fase com uma primeira análise qualitativa de actividades onde se observou a presença de familiares.

Na segunda fase, reflectimos sobre o modelo de estudo, vindo a optar, depois de leituras sobre as metodologias de investigação, por uma metodologia de tipo qualitativo e quantitativo pelo que recordamos POLIT (1993:277): "... acreditam que muitas áreas

de indagação podem ser enriquecidas, através da mistura de dados qualitativos e quantitativos - a saber, a realização de pesquisas multimétodos. Existem muitas vantagens notáveis na combinação de vários tipos de dados em uma única investigação.''''

Identificadas as variáveis a estudar, tentámos encontrar os instrumentos mais ajustados, pois partilhámos a opinião de que "... A introdução de controlos rígidos faz com que os

estudos quantitativos não consigam apreender o contexto total de uma situação...''''

investigação conduziram-nos à elaboração de algum material para colher dados, a fim de compreender o fenómeno em estudo.

Numa terceira parte, partimos para a colheita de dados no terreno em duas fases: uma em que fizemos observação e outra no lançamento de questionários.

Por último, procedemos ao tratamento dos dados. Da reflexão subsequente surgiram as conclusões com que finalizámos este trabalho.

O estudo que desenvolvemos é de caracter exploratório, descritivo e transversal. Segundo GIL (1988), este tipo de estudo tem como finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos, com vista à formação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores.

Pretende-se, deste modo, esclarecer melhor a problemática posta em evidência no sentido de encontrar os factores que podem levar à liberalização dos acompanhantes dentro do sistema hospitalar e assim assegurar as funções familiares mesmo que de forma limitada.

5.2.1 - Definição das variáveis

Pelas entrevistas exploratórias a peritos na área da família e a Enfermeiros procedemos à selecção das variáveis a estudar e à construção do instrumento que posteriormente utilizámos.

Definimos a aceitação/não aceitação da presença de familiares como variável dependente, tendo-a operacionalizado de forma dicotómica de acordo com o seguinte quadro.

DIMENSÃO COMPONENTES INDICADORES

Aceitação da presença de

familiares Opinião sobre a oportunidade dos familiares acompanharem continuamente os doentes internados

Sim Aceitação da presença de

familiares Opinião sobre a oportunidade dos familiares acompanharem continuamente os doentes

internados Não

O estudo desta variável foi feito a partir da opinião expressa pelos Enfermeiros, como veremos nos questionários, e tendo como referência os conceitos de Homem/ doente e família. Considerámos esta a variável dependente tendo em conta o que referem Lakatos et ali. (1991:138): "a variável dependente consiste naqueles valores a serem explicados em virtude de serem influenciados, determinados ou afectados pela variável independente". Para melhor compreender o comportamento desta variável acrescentamos a possibilidade de ouvir a expressão justificativa dos Enfermeiros ao optar por o sim ou não.

"Tomando a variável independente como a que influencia, determina ou afecta outra variável, isto é, um factor manipulado pelo investigador na tentativa de assegurar a relação de factores com um fenómeno " (Lakatos et ai. 1991), as variáveis

independentes do estudo serão:

- relacionadas com dados pessoais dos Enfermeiros ( Sexo, Idade e Estado Civil, Tipo de Família, Experiência de familiares directos internados );

- relacionadas com o trabalho (Local de trabalho, Categoria profissional, Tempo de exercício na profissão, Tempo na unidade, Horário praticado, Método de trabalho);

- relacionadas com a formação ( Formação durante o Curso de Bacharelato, Formação obtida em formação contínua, Formação em serviço);

- relacionadas com a experiência profissional (participação de familiares nos cuidados, experiências negativas com familiares, a comunicação com familiares).

Dimensão Componentes Indicadores Condições pessoais Idade Anos de vida Condições pessoais

Sexo Feminino; Masculino Condições pessoais

Estado civil Solteiro; Casado; Viúvo; Divorciado Condições pessoais

Constituição da família Marido e mulher

Marido e mulher e filhos Marido e mulher filhos e avós Marido e mulher filhos e outros Mãe e filhos

Sozinha

Mãe/Pai com Padrasto / madrasta e filhos

Com duas pessoas do mesmo sexo Condições pessoais

Experiência de familiares internados

Sim; Não

Condições de

trabalho Hospital Geral ; Nível 1 1

Condições de

trabalho Categoria profissional Enfermeiro; Enfermeiro graduado ;Enfermeiro Especialista

Condições de trabalho

Tempo de exercício na

profissão Anos na profissão Condições de

trabalho

Tempo na unidade Anos no serviço actual Condições de

trabalho

Horário praticado Manhã tarde e noites Manhã e tarde ; Manhã Condições de

trabalho

Método de trabalho Individual; Misto; Equipa; Tarefa Formação Conteúdos durante o

Curso de Bacharelato / CESEE

Unidade curricular sobre a família Sem unidade curricular sobre a família Com conteúdos sobre a família

Sem conteúdo sobre a família Formação

Conteúdos Formação

continua Acções de formação da família Sem acções de formação sobre a família Acções de formação com conteúdos sobre a família

Sem Acções de formação com conteúdos sobre a família

Formação

Conteúdos Formação em

serviço Acções de formação da família Sem acções de formação sobre a família Acções de formação com conteúdos sobre a família

Sem Acções de formação com conteúdos sobre a família

Experiência profissional

Participação de familiares nos cuidados Sim; Não Experiência profissional Experiências negativas com familiares Sim; Não Experiência profissional Comunicação com familiares Positiva; negativa Experiência profissional Experiência negativa com familiares Sim; Não

As variáveis relacionadas com a natureza das intervenções (Acolhimento, higiene, alimentação, entubação, algaliação, preparação para a alta, acompanhamento em exames, tratamentos, ensino, lazer).

Este conjunto de dimensões surge após observação, durante um mês, de um serviço de medicina onde, aliatoriamente, foram observadas situações em que os familiares, por razões diferentes, estiveram presentes.

Nesta fase do estudo foi realizada registo de vivências do doente onde os Enfermeiros permitiam a presença de familiares.

Dimensão Componentes Indicadores

Actividades de vida

Comer e Beber Sim presença; Não presença

Sim participação; Não participação Actividades de

vida

Higiene pessoal Sim presença; Não presença

Sim participação; Não participação Actividades de

vida

Trabalho e divertir-se Sim presença; Não presença Sim participação; Não participação Técnicas Entubação Sim presença; Não presença

Sim participação; Não participação Técnicas

Algaliação Sim presença; Não presença Sim participação; Não participação Tratamentos Tratamentos dolorosos Sim presença; Não presença

Sim participação; Não participação Tratamentos

Todos os tratamentos Sim presença; Não presença Sim participação; Não participação Tratamentos

Tratamentos fora do serviço

Sim presença; Não presença

Sim participação; Não participação Horas de cuidados Durante o dia Sim presença; Não presença

Sim participação; Não participação Horas de cuidados

Durante o dia e a noite Sim presença; Não presença

Sim participação; Não participação Horas de cuidados

Na admissão Sim presença; Não presença Sim participação; Não participação Exames para

diagnóstico

Fora do serviço Sim presença; Não presença

Sim participação; Não participação Ensinos Em momentos de ensino Sim presença; Não presença

Sim participação; Não participação Ensinos

Ensino para a alta Sim presença; Não presença Sim participação; Não participação Quadro 6 - Variáveis sobre a opinião em relação à natureza da intervenção

A situação de permissão ocorria em situações diversas, desde a situação com autorização da hierarquia até à situação de esconder a presença de familiares.

Por últimoá consideramos ainda variáveis que se referem à opinião sobre as condições institucionais (condições físicas, normas de visitas).

A questão de partida ainda nos levou a outro grupo de variáveis, constituído pelas opiniões expressas sobre a situação das condições institucionais.

Poderíamos considerar este grupo de variáveis como intervenientes. Lakatos et ai. (1991:150) consideram variável interveniente aquela que, numa sequência causal, se coloca entre a variável independente e a dependente, tendo como função aumentar, diminuir ou anular a influência entre as duas.

Dimensão Componentes Indicadores

Comportamentos face às normas hospitalares sobre a presença de visitas

Segue as normas institucionais Sim Não Posição dos Enfermeiros sobre

as condições institucionais Opinião sobre as condições físicas do hospital para permitir a presença de familiares

Sim Não

Posição face à horas das visitas Opinião sobre o horário de

visitas praticado no hospital Não || Sim Quadro 7 - Variáveis sobre a opinião em relação às condições institucionais

Considerando ainda a opinião dos mesmos autores (op. cit.), todas as variáveis que podem interferir ou afectar o objecto em estudo devem não só ser levadas em consideração como devidamente controladas, de forma a impedir comprometimentos ou riscos de invalidação da pesquisa. Nesse sentido, tentámos descodificar os conceitos das várias variáveis que poderiam fazer parte do estudo. A partir destas variáveis iremos tentar as várias conexões existentes entre as variáveis estabelecidas e a aceitação da presença de familiares durante o internamento.

Após a definição destas variáveis elaborámos hipóteses orientadoras para o estudo: " A aceitação de familiares junto dos doentes, por parte dos Enfermeiros é influenciada pelas condições pessoais"

" A aceitação de familiares junto dos doentes, por parte dos Enfermeiros é influenciada pela formação"

" A aceitação de familiares junto dos doentes, por parte dos Enfermeiros é influenciada pelas condições de trabalho".

" A aceitação de familiares junto dos doentes, por parte dos Enfermeiros é influenciada pelas Experiências de trabalho"

" A aceitação de familiares junto dos doentes., por parte dos Enfermeiros é influenciada pela natureza dos cuidados"

5.2.2- Instrumentos de recolha de dados

O instrumento de recolha de dados ou a observação, segundo QUIVY e CAMPENHOUDT (1992:157), é " uma etapa intermediária entre a construção dos conceitos e das hipóteses, por um lado, e o exame dos dados utilizados para os testar, por outro".

No questionário elaborado conta com uma primeira parte avaliação socio demográficas seguidas de perguntas onde predominam as variáveis do estudo.

Para a construção deste questionário também utilizámos uma grelha de registo de cuidados que "... permite como principal vantagem, em relação a outras técnicas a de

que os factos são percebidos directamente, sem qualquer intermediação'"

(Gil; 1987:104) esta constituiu a base para as questões relacionadas com a natureza de cuidados

O questionário de avaliação sócio-demográfica teve como objectivo recolher informações com vista à caracterização da amostra em estudo e ainda obter dados de modo a analisar individualmente as variáveis e posteriormente relacioná-las.

No pré-teste o questionário foi aplicado a um grupo de 15 enfermeiros de dois Hospitais (um central e outro de nível 1), sofrendo as rectificações em relação aos cuidados seleccionados, com a finalidade de evidenciar possíveis falhas, tais como: complexidade das questões, imprecisão na redacção e ainda avaliarção, da complexidade das respostas e eventuais dificuldades no seu preenchimento.

Após análise do pré-teste concluiu-se que os enfermeiros escreveram pouco nas suas questões abertas mas, mesmo assim, entendemos que teríamos contributos que não estavam completos nas perguntas fechadas e, por isso, mantivemos as questões.