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2.2 ENFERMAGEM DE FAMÍLIA

O desenvolvimento da enfermagem leva a que se torne fundamental uma procura constante de conhecimentos, de reflexões com vista à compreensão do cuidar numa perspectiva cada vez mais enriquecedora quer para a enfermeira, quer para o doente, neste sentido procuramos compreender a importância que tem a tendência actual de não limitar a intervenção dos enfermeiros aos indivíduos, mas investir a enfermagem de saberes para a sua intervenção nas pessoas e no seu meio.

WATSON (1999: 65) defende que "cuidar requer elevada consideração e reverência

pela pessoa e pela vida humana, valores não paternalistas que estão relacionados com a autonomia humana e liberdade de escolha". Neste processo é dada particular

importância à ajuda fornecida pela enfermeira no sentido de possibilitar ao doente a aquisição dos conhecimentos necessários para um maior conhecimento de si próprio, das suas capacidades e limitações, agindo assim em parceria em todo o processo de cuidar.

O "cuidar transpessoal", referido por WATSON (1999: 106) caracteriza-se pela

"intersubjectividade, na qual ambas as pessoas estão envolvidas". Isto é, tanto a

enfermeira como o doente partilham as suas experiências, os conhecimentos, valores e ideias de cada um são valorizáveis, em todo o processo do cuidar. Neste tipo de relação dá-se particular importância à pessoa como um todo, à sua dignidade e forma de estar no mundo.

Na perspectiva de WATSON, a prática de Enfermagem deve ter por base alguns factores essenciais, nomeadamente:

- um sistema de valores humanista-altruísta, o qual permite ver o doente como uma pessoa, com toda a sua dignidade e singularidade;

- fé e esperança, no sentido de promover o bem-estar da pessoa, ajudando-a a adoptar atitudes que lhe possibilitem a procura e manutenção da saúde;

- sensibilidade para consigo e para com os outros, reconhecendo e aceitando os seus próprios sentimentos;

- relação de ajuda e confiança, a qual só é possível através da empatia, congruência e comunicação efectiva;

- expressão de sentimentos positivos e negativos, facilitando assim a partilha das diferentes experiências e uma melhor compreensão das diferentes interpretações de determinadas situações;

- método científico de resolução de problemas, pois através da sua utilização é possível dar credibilidade às decisões tomadas pela enfermeira, abandonando a prática tradicional, na qual a enfermeira executava determinado procedimento de forma rotineira e pouco concisa;

- meio ambiente de apoio e de protecção, que atenda a todas as dimensões da pessoa (física, sociocultural e espiritual), promovendo aspectos como comodidade, segurança, intimidade e limpeza;

- satisfação das necessidades humanas, sendo necessário que a enfermeira identifique quais as necessidades a satisfazer, tendo em conta que se deve atender às necessidades mais elementares e só posteriormente passar ao nível seguinte;

- ensino e aprendizagem interpessoal, através do qual a enfermeira vai possibilitar ao doente o conhecimento necessário para que ele possa cuidar de si próprio, optar de forma consciente, determinar as suas próprias necessidades e promover o seu crescimento pessoal.

Sem dúvida que as enfermeiras que orientam a sua prática diária tendo por base os aspectos atrás referidos, vivenciam uma experiência muito enriquecedora do cuidar, não só para elas próprias mas também e principalmente para o doente. Somos de opinião que é neste sentido que os profissionais de Enfermagem devem orientar a sua prática, de forma a que cada vez mais sejam reconhecidos e valorizados, não só pelos doentes que cuidam mas também pela família e sociedade em geral.

Cada família cuida dos seus elementos, ao longo de toda uma trajectória de vida. Cuidados esses que apenas são interrompidos quando um dos seus elementos se vê confrontado com uma situação de doença que implique o recurso á assistência de saúde.

E é nesta situação desagradável, de dor e de pânico pelo desconhecido, de separação do meio familiar, que se quebra o "cuidar" da família relativamente ao familiar.

Durante séculos a pessoa doente foi tratada no seu ambiente familiar, era aí que recebia os cuidados de que necessitava para se restabelecer. No entanto com a evolução da sociedade e do conhecimento científico, este cuidar do doente foi transferido de casa para o hospital, excluindo as famílias não só dos cuidados ao familiar doente, como também de todos os acontecimentos significativos como o nascimento e a morte (WRIGHT E LEAHEY, 2000).

Lentamente esta situação foi-se alterando e assim a família é cada vez mais solicitada a colaborar no planeamento dos cuidados aos seus membros. Contudo esta realidade encontra ainda obstáculos por parte de alguns profissionais de Enfermagem, que acreditam que a presença dos familiares junto do doente significa que o seu trabalho está a ser observado e avaliado, sentindo-se por isso ameaçados pelos referidos familiares.

Estamos convictos que a família tem um papel fundamental na recuperação do doente, e que a sua participação nos cuidados significa efectivamente uma melhoria no bem-estar do seu doente. Partilhamos assim a opinião de WRIGHT E LEAHEY (2000: 13) que referem que "a enfermagem tem o compromisso e obrigação de incluir as famílias nos

cuidados de saúde. A evidência teórica, prática e da investigação do significado que a família dá para o bem-estar e a saúde dos seus membros, bem como a influência sobre a doença, obriga as enfermeiras a considerar o cuidado centrado na família como parte integrante da prática de enfermagem'". Nesta perspectiva, é necessário que a

enfermeira adapte os seus conhecimentos às capacidades e necessidades dos doentes, elaborando em conjunto o seu plano de acção, promovendo assim a parceria nos cuidados.

Com a participação da família nos cuidados vemos essencialmente dois aspectos muito importantes: por um lado o doente sente uma maior ligação com o seu ambiente familiar, pois tem a percepção da manutenção do mesmo; por outro lado a família tem maior acesso à informação do que se passa com o seu familiar, de como evolui o seu estado de saúde, pode continuar a cuidar dele como faria se não estivesse hospitalizado, o que contribui para diminuir a ansiedade e o stress, que acompanha as situações de hospitalização.

Em 1997, MONTIGNY E DUMAS, referiram-se à necessidade actual que as enfermeiras têm de envolver não só o doente como também a sua família. Quando a

pessoa que necessita de cuidados não é a pessoa individual mas toda a família, a enfermeira focaliza a família como um sistema e aprende a relacionar-se e a intervir com um grupo de pessoas que estão ligadas por complexas relações interpessoais. Segundo as autoras é necessário desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes para proporcionar à família competências para o seu funcionamento adequado, para a sua organização e desenvolvimento harmonioso visando a aquisição de condições para cuidar dos seus membros.

Certamente que o cuidar da família é diferente do cuidar da enfermeira. O cuidar da família baseia-se no conhecimento que esta tem da pessoa doente, dos seus gostos, dos seus medos, é um cuidar mais simples que atende às "pequenas coisas" que tantas vezes as enfermeiras esquecem ou não têm tempo de atender, como seja o escutar, estar presente, segurar na mão. Podemos considerar estes cuidados, e reportando-nos à definição de COLLIÈRE (1999), como cuidados quotidianos e habituais. Seguindo ainda a mesma definição e no que se refere aos cuidados de enfermagem, apesar de estes se centrarem mais nos cuidados de reparação ou tratamento da doença, não devem no entanto focar-se apenas nesta dimensão, muito pelo contrário, devem ter como base da sua actuação os cuidados quotidianos e habituais.

MOMBAERTS E LANNERS (2000), referem que a parceria entre os Profissionais de Saúde e Família baseiam-se no respeito mútuo, na confiança, e caracteriza-se, além de outras coisas, pela tomada de decisão conjunta, respeito pela privacidade da família, empatia para com os membros da família e por uma aproximação positiva para resolver o problema, logo torna-se necessário um conhecimento preciso das famílias

Com a Enfermagem de família estamos numa mudança mais que das práticas das concepções sobre o cuidar, em causa está a defesa da ideia sistémica de assistência de saúde. Podemos afirmar que este é um desafio, no contexto das políticas de saúde actuais com a aplicação do Diploma que cria os Centros de Saúde de 3a geração (Dec.

Lei n° 157/99, 10 de Maio) e, num âmbito mais alargado com a Declaração de Munique (14 a 17 de Julho 2000) - Saúde XXI da OMS e subscrita pelo governo Português. A diversidade do tipo familiar encontradas, encaminhamos para a necessidade de ter encontrar estratégias que facilitem nas práticas e nos estudos, instrumentos facilitadores de avaliação familiar. WRIGHT (2002:3) refere "...reconhecemos ser de extrema

importância a obtenção, pelas enfermeiras, de uma avaliação familiar eficiente, e a aquisição de conhecimento e habilidades de intervenção afim de darem assistência ...".

Embora a metodologia central de avaliação familiar seja a entrevista encontramos medidas facilitadoras do trabalho junto dos familiares, entre outras , o genograma, o APEGAR, as cartas familiares e algumas escalas já estudadas, para poderem compreender o funcionamento e estrutura da família em tempo útil.

A dinâmica familiar, dos recursos da família e da pessoa significante para o doente são dados fundamentais para o desenvolvimento do trabalho com as famílias.

As Cartas ou mapas familiares são registos que podemos fazer ao longo dos contactos com a família e pretendem essencialmente registar o funcionamento dos sub-sistemas parental conjugal e filiar e a forma como cada elemento individualmente exerce o seu espaço, por isso geralmente surge na forma de uma fracção ou de um triângulo usando- se os seguintes aspectos gráficos:

Fronteira rígida entre sistemas: há uma barreira intransponível em relação à comunicação

Fronteira nítida: indica uma delimitação clara entre os sistemas permitindo fazer-se a comunicação e exprimir Fronteira difusa: limites pouco demarcados entre os sistemas onde há uma interferência entre os indivíduos ou

AAAA

f Ou

Fronteira difusa: limites pouco demarcados entre os sistemas onde há uma interferência entre os indivíduos ou

AAAA

f Ou

AAAA

f Ou

Conflito entre indivíduos ou entre díades

AAAA

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( Coligação entre duas pessoas destinadas a excluii :erceira • uma

AAAA

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\ Superenvol nto

vime Associação \ Desvio

Superenvol nto vime Associação

y

Desvio Superenvol nto vime Associação

y

Desvio Superenvol nto vime 1

Figura 4 - Símbolos utilizados na construção de mapas ou cartas familiares

O APEGAR familiar é uma escala proposta por SMILKSTEIN (1978), com cinco perguntas que quantificam a percepção que o doente tem do funcionamento da sua família. As perguntas em causa têm três opções (quase sempre, algumas vezes e quase nunca), com uma valoração de, respectivamente, dois pontos, um ponto e zero. As

questões pretendem avaliar a adaptação intrafamiliar, a convivência e comunicação, o crescimento e desenvolvimento, o afecto e, por último, a dedicação à família. Com estes dados chegaremos a três tipos de famílias: as altamente funcionais (7al0 pontos), as moderadamente funcionais (4 a 6 pontos) e as famílias com disfunção acentuada (0 a 3 pontos).

Este teste, na opinião do autor, deve ser aplicado quando a família é chamada a cuidar, no domicílio, de um doente crónico ou terminal. WHINNEY (1981, cit. in AGOSTINHO 1988) considera também importante a sua aplicação em famílias em que existem doenças graves, crónicas ou incapacitantes em qualquer um dos seus elementos, seja adulto ou criança.

Este teste tem algumas limitações que o próprio autor reconhece, como seja a necessidade do doente estar consciente. Os estudos da validade e credibilidade deste teste garantem segurança na sua aplicação (AGOSTINHO; REBELO, 1988:13).

O Genograma é uma representação gráfica da estrutura e relações familiares. A sua utilidade no dia-a-dia do enfermeiro, deve-se ao facto de se poderem associar os nomes dos familiares e, assim, manter um diálogo sobre os membros mais chegados da família, utilizando os seus nomes, idades, profissões, doenças, relações e agregado familiar, sem esforço e com resultados para a relação com o doente.

A simbologia utilizada no genograma é a apresentada na seguinte figura:

Homem

Q

Homem doente Homem morto

O

Mulher Mulher doente Mulher morta

J

Casamento Divorcio

Gémios

_J

Gemias Abort

Relações

Fortes Fusionai Relações Relações indiferente

Figura 7 - Simbologia do genograma

Este tipo de comunicação gráfica é utilizado por vários técnicos da área da saúde, facto que enriquece este instrumento na prática clínica.

Para melhor compreendermos, de seguida apresentamos dois agregados familiares constituintes de uma família alargada.

Figura 8 - Exemplo de uma família alargada ( Uma família nuclear, Uma família Três Gerações)

A entrevista é uma técnica de base, utilizada na avaliação familiar. A sua importância vai desde o diagnóstico até à assistência, em continuidade, de cuidados "...necessita de

perícia na entrevista familiar para conseguir fornecer cuidados de saúde compreensivos e humanizados " E NELOW ( 1998:117)

A entrevista clínica tem algumas especificações que a tornam diferente de uma entrevista comum; por outro lado, como esta é feita à família, logo a um grupo de pessoas, torna-se uma entrevista especializada.

WRIGHT (2002:180) aponta como uma das competências necessárias à prática de enfermagem o domínio da técnica de entrevista familiar com recurso a instrumentos facilitadores da avaliação familiar já referidos.

A entrevista é muitas vezes o ponto de partida no processo de cuidar, mas não pode ser confundida com uma simples colheita de dados. "É o processo pelo qual o entrevistador

tenta compreender todos os factores - biológicos, psicológicos e sociais - que desempenham um papel no aparecimento da doença e que vão afectar a recuperação

do doente... é a base do aspecto positivo dos cuidados de saúde, que os doentes procuram, muitas vezes em vão. " ENELOW (1998:15)

Este mesmo autor propõe três requisitos para desenvolver a perícia na entrevista: melhorar a capacidade de ouvir, praticar a técnica da entrevista e estabelecer uma relação com o paciente. Sobre este último aspecto, há a considerar a saudação cordial ao doente, o contacto visual, a utilização de comentários empáticos, tocar apropriadamente o doente, discutir assuntos pessoais e, por último, resumir o encontro de forma sensível. Ao utilizar a entrevista teremos que considerar os objectivos da mesma, utilizar sempre que possível "perguntas abertas, considerar o ambiente envolvente, especificamente a

individualidade, os ruídos, o conforto e o estado do doente," a vivência num hospital

tem à partida grandes probabilidades de ser desfavorável a uma entrevista eficaz. O paciente encontra-se quase sempre numa enfermaria ou num quarto partilhado, e o pessoal hospitalar ou as visitas podem interromper a entrevista. O paciente está geralmente deitado na sua cama, enquanto o entrevistador de pé, vestido e móvel. Nesta situação, alguns entrevistadores "ficam empe aos pés da cama, outros ao lado da cama

e outros ainda sentados na cama ou à cabeceira, enquanto falam com o paciente"

ENELOW (1998:26)

Mesmo com estas limitações, é importante que se realizem as entrevistas quer ao doente, quer a familiares, e há aspectos que não poderemos esquecer: a nossa apresentação; a facilidade que proporcionamos ao doente e familiares para se exprimirem; o silêncio atento; o aceno; o inclinar-se para a frente; a expressão facial e o olhar. Há comentários verbais que podem ser encorajadores para o doente, de entre outros: «sim»,«Estou a ver»,«Continue»,«conte-me lá isso muito bem»,«mais alguma

coisa?». O repetir das últimas palavras, o resumo do que foi dito são aspectos a ter em

conta e fundamentais para o sucesso da entrevista.

Envolver a família na definição e implementação das estratégias de tratamento maximiza a sua contribuição em todo o processo e ajuda a assegurar a sua validação social ( MOHR, 2000).

Podemos em síntese afirmar que se espera dos enfermeiros uma intervenção especifica na família tendo em vista a prevenção a promoção e o tratamento ou seja: "contribuir de

maneira muito útil nas actividades de promoção da saúde e prevenção da doença, para além das suas funções de tratamento. Ajudar os indivíduos e famílias a assumir a doença e a incapacidade crónica, e empregar uma grade parte do seu tempo junto dos doentes e famílias, no domicilio destes e em períodos de crise". (OMS, Saúde XXI)

O Trabalho dos enfermeiros toma particular especificidade se considerarmos que temos um alvo especifico de intervenção como é referido pela (OMS, SaúdeXXI) "Os

Enfermeiros deverão fazer aconselhamento sobre os modos de vida e factores de risco, ligados aos comportamentos, bem como ajudar as famílias em questões ligadas á Saúde". Ao detectar precocemente os problemas, podem favorecer a tomada de

consciência sobre os problemas de saúde familiar desde o seu início.

No percurso reflexivo sobre a formação dos enfermeiros, encontramos uma mais valia para poder afirmar que a enfermagem de família é um caminho potencializados dos saberes específicos "Com o seu conhecimento das questões sociais, institucionais e de

saúde pública, estão capacitadas para diagnosticar os efeitos dos factores socieconómicos sobre a saúde da família e de orientarem essa mesma família para a instituição adequada. Podem contribuir para o encurtamento das hospitalizações ao prestarem cuidados de enfermagem ás pessoas, nos seus domicílios e podem

desenvolver o papel de ligação entre a família e o médico, assumindo a responsabilidade, quando as necessidades identificadas, reclamam expressamente cuidados de enfermagem" (OMS, Saúde XXI)

O envolvimento da família nos cuidados, é uma experiência positiva que não se restringe apenas à família mas também é muito enriquecedora para as enfermeiras envolvidas, pois como verificou MONTIGNY (1998) no seu estudo, as enfermeiras referiram que a experiência de trabalhar com as famílias representou ganhos pessoais, estabelecimento de fortes ligações, sem esquecer que o "olhar individuar para aquela família é uma parte essencial no desenvolvimento e no conhecimento da influencia entre a família e elas próprias. Referem ainda que esta interacção permite-lhes ter maior respeito pelas opiniões e soluções apresentadas pela família proporcionando-lhes novas formas de fazer as coisas e de ver a realidade.