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4.7 A família, um suporte ao cuidar

Ao abordarmos o conceito sistémico de família e o ciclo vital da mesma, sublinhámos o equilíbrio dinâmico que o sistema familiar tem de operar, em termos sincrónicos e diacrónicos, entre momentos de maior abertura e momentos de maior fecho ao exterior. Acentuámos, igualmente, o papel auto-organizativo da família e a dimensão crítica que as mudanças inerentes ao seu normal desenvolvimento provocam. Por várias vezes, deixámos entrever a importância de um papel suporte, por parte da família de origem ou extensa. Abrimos, igualmente, a via para a consideração da importância dos restantes sistemas envolventes como fontes de suporte e/ou de stress, no evoluir de cada família. Analisemos, agora um pouco mais detalhadamente, este tópico.

Há mudanças com que a família tem que contar, tais como as resultantes da evolução do seu ciclo vital. Embora estas reorganizações internas sejam previsíveis, elas constituem sempre momentos de stress e, naturalmente, de crise. As pressões internas da família podem gerar-se a partir dos momentos de mudança desta, ou simplesmente a partir de um problema de um dos seus membros, ou ainda de um dos seus sub-sistemas. Mas a família está ainda sujeita a outro tipo de pressão. O envolvimento da família com o meio em que está inserida leva a que haja, por parte deste, uma pressão externa que muitas vezes será também uma fonte de stress.

Os processos de adaptação a novas situações, sejam elas internas ou externas, a fim de assegurar a mudança e continuidade da família, serão, pois, sempre revestidos de mais ou menos stress.

SALVADOR MINUCHIN (1990:23), considera quatro fontes de stress para uma família:

-"um contacto stressante de um membro da família com forças extra- familiares, como é o caso de um problema profissional;

-um contacto stressante de toda a família com forças extra-familiares, como por exemplo uma situação de guerra, de cataclismo físico, de reordenação urbanística, de depressão económica;

-o stress provocado por momentos de transição da família; -o stress em torno de problemas idiossincrásicos".

Estas duas últimas situações são aquelas que mais nos interessam. Com efeito, a doença constitui uma clara fonte de stress, não apenas para o indivíduo, mas também para a sua família. As perturbações originadas e as sequelas mais ou menos prolongadas implicam importantes mudanças, de natureza qualitativa, que inevitavelmente geram ansiedade, necessidade de adaptação e, eventualmente, resistência. O carácter acidental da crise, e a concomitância muito provável com outras fontes de stress estão ligadas ao ciclo vital, aumentando o potencial stressante da situação.

Quando a família não consegue utilizar os seus recursos para responder a estas situações de stress, perturba-se e inibe a sua capacidade auto-organizadora, necessitando de ajuda externa, algumas vezes para delimitar fronteiras, ou para dosear o stress ou, simplesmente, para reorganizar tarefas. Daí que seja importante analisar as fontes de

stress e, em cada família, analisar as fontes de suporte.

A família tem como principal função apoiar os seus membros. Neste sentido, quando um dos seus membros sofre stress provocado por forças externas, os outros membros sentem necessidade de se ajustarem à nova situação . O reajuste pode ser mais visível para um dos sistemas familiares, embora seja sempre necessária a reorganização de toda a família. A intervenção mais ou menos activa dos diferentes elementos e sub-sistemas depende da singularidade do problema e da própria família. A capacidade que cada membro tem, individualmente e em conjunto, para se organizar e lidar com a situação de stress é, sem dúvida, uma fonte de suporte, de recurso da própria família.

Os momentos de stress podem existir e isso não será necessariamente prejudicial para a família. O importante é que esta resolva o conflito ou crie condições de apoio e de resolução da crise.

As intervenções terapêuticas em situação de stress de um dos membros da família, por causas externas, passam pela orientação para a flexibilidade. Quando a família consegue

utilizar as suas fontes de suporte para mudanças adaptativas e, mesmo assim, não se resolve o problema, pode haver necessidade de uma intervenção dirigida ao membro em causa, tendo por base o agente stressante.

Situação diferente é aquela em que toda a família está a viver uma situação de stress por causas externas. Esta situação é difícil, pois todos os seus membros estão a sofrer. Se a família consegue organizar os seus recursos para superar esta fonte de stress, terá resolvido o seu problema, mesmo que este se arraste por algum tempo, ou ela passe por momentos de isolamento.

Caso contrário, terá que recorrer a uma ajuda externa que, por vezes, é difícil de encontrar, dada a natureza da ajuda necessária. Nesta situação estão algumas famílias de emigrantes; quando a natureza dos valores, usos e costumes das terras para onde emigram é muito diferentes das de origem. Por vezes, a família não resiste a tal agressão e entra em situação patológica. A resolução destas situações passa por adquirir apoios sociais e não apenas por uma intervenção específica com a família.

Um tipo diferente de stress é o causado por momentos de evolução natural da família. Como já vimos, ao longo da sua vida ela passa por momentos com características diferentes, momentos esses que exigem reorganizações das tarefas dos seus membros e mesmo negociação de novas regras familiares. O aparecimento de subsistemas leva a novas linhas de diferenciação e, por isso, surgem tensões e, eventualmente, conflitos. Os conflitos, no entanto, são momentos únicos para o crescimento de todos os membros da família, bem como para o seu desenvolvimento, desde que esta seja capaz de activar criativamente o seu potencial de mudança. De novo a família, que responde a estas situações com negociação e flexibilidade, se adapta com sucesso e consegue superar a crise. Neste seu provimento utilizou as fontes de suporte, familiar e/ou comunitário, disponíveis. Mas outras famílias há que não conseguem resolver estes conflitos e, por isso, manifestam situações problemáticas.

Por último, podem ainda ocorrer fontes de stress provocadas por um problema idiossincrásico. Esta situação é por vezes vivida por longos períodos de tempo em que a família consegue ter respostas de suporte suficientes, ou então em que não se apercebe da real extensão do problema.

A situação de doença grave, ou incapacitante é, como já dissemos, um caso de stress idiossincrásico. E pode passar por duas fases: na primeira, a família organiza-se para responder ao stress causado pela situação de doença, ou mesmo de ausência de um familiar; num segundo momento, a família tem que se reorganizar de novo quando o

elemento doente retoma a sua função na família. Neste caso,- a situação de resposta também será diferente se o elemento que regressa pode continuar com as suas tarefas anteriores, ou se fica limitado, podendo a sua circunstância de dependência também ser uma fonte de stress para a família e para o próprio. Embora as famílias possam, na primeira situação, ter suportes suficientes, eles tornam-se muitas vezes escassos quando esta se encontra na segunda posição.

Tomemos o exemplo de uma mãe de família em idade fértil, que seja acometida por uma patologia incapacitante e cujos filhos ainda se encontram a viver a adolescência. A ausência da mãe é, desde logo, uma situação de stress. A família terá que se organizar para dar respostas às tarefas que esta desempenhava diariamente. Aquando do seu regresso, e atendendo à situação incapacitante da doença, a família terá que se organizar não só para continuar a realizar as tarefas da mãe doente, como para lhe dar apoio, naturalmente perturbada pela sua doença e pelas sequelas que terá. Este último aspecto revela-se, então, como nova fonte de stress e os familiares uma fonte de suporte para a sobrevivência da família e seus membros.

Vimos já como muitas famílias conseguem lidar adequadamente com a(s) situação (ões) stressantes, ainda que possamos encontrar diferentes níveis da adaptação nesse processo. Num primeiro nível, a família tem suporte capaz para, através do tempo, se adaptar e se reestruturar de forma a funcionar. Mas esta mesma família pode, em situações idênticas de stress, mas em momentos diferentes da vida, responder inadequadamente. Num segundo nível, surgem as famílias com estruturas capazes de dar respostas eficazes a situações repetidas, mas que ficam abaladas perante novas situações quer de influência interna, quer externa. Por último, estão as famílias com suportes suficientes para responder pronta e eficazmente à situação stressante , não deixando de viver uma crise, mas com capacidade organizativa para a resposta.

Contrariamente a esta situação, estão as famílias que não são capazes de se reestruturar e que necessitam de um acompanhamento específico.

MINUCHIN (1990) aponta as famílias extensas como aquelas que habitualmente têm boa capacidade de adaptação a situações de stress, e isto porque, geralmente, têm uma vasta rede de apoio.

Poderemos dizer que cada família poderá responder a fontes de stress iguais de forma diferente, porque também tem estruturas e suportes diferentes. Estes dependem da estrutura da família, do tipo de relações desenvolvidas e da natureza individual dos seus elementos.

DUVALL (1977) aponta como recursos da família as experiências anteriores, com acontecimentos de natureza semelhante, o comprometimento para com a família, a coesão entre os membros, a flexibilidade e ainda a capacidade da família para utilizar os recursos externos ao seu núcleo, incluindo os da comunidade. SKYNNER (1990), por outro lado, refere como fontes de apoio o afecto e o amor que se desenvolvem entre os membros da família ou mesmo vizinhos amigos, quer estes sejam adultos ou crianças.

Recordemos ainda que, durante o internamento, a família pode constituir um recurso fundamental na assistência ao doente. Muitos dos profissionais de saúde encaram os doentes como entidades únicas, mas também isoladas; por outro lado os doentes vêem- se a si próprios como membros de uma família.

Quando surge uma doença grave, tanto o doente como a família têm que lidar com as alterações de saúde. BURR e GOOD (cit. In ENELOW, 1998:122) referem que as famílias fazem um processo de vivência da doença seguindo uma trajectória, de onde surge o seguinte modelo:

Fases Tarefas Chave Comportamentos

familiares positivos Comportamentos problemáticos Início da doença Reconhecimento dos

limites de saúde, vontade de aceitar os cuidados

Questionário aberto Oferta de apoio

Negação das alterações Culpabilização da vítima

Impacto da

doença diagnóstico, adaptação Aceitação do às capacidades físicas, planeamento do tratamento Discussão aberta Partilharas tarefas Apoiar capacidades restantes Desestabilização de um meio disfuncional Comportamentos abusivos (alcoolismo)

Início da terapia Reorganização das responsabilidades, lidar com as implicações financeiras e outras Partilhar as responsabilidades Planear o futuro de forma realista

Recusa dos filhos

(especialmente se a doente for mãe de uma criança)

Recuperação precoce

Reintegração na família

e na sociedade expectativas Flexibilidade das Novos papéis no interior da família

Reacções tardias (particularmente comuns

quando a doença é súbita e traumática) Desejo de ganhos secundários Adaptação à permanência do desfecho Redefinição da auto- estima e significado Aceitação dos pacientes como eles são

Má vontade em aceitar ou adaptar-se às exigências da situação

Quadro 3 - A trajectória da doença

No início dá doença, mesmo antes do diagnóstico e em especial se 'a doença surge lentamente, a família poderá ser a primeira a identificar as alterações do doente, ou a sofrer com o seu comportamento, ou com a incerteza do que está a acontecer.

Numa segunda fase, o impacto da doença surge quando o diagnóstico é declarado; o doente pode ficar deprimido ou apático, e a família pode reagir a esta situação através da negação. A forma como a família reage pode contribuir significativamente para o estado do doente. ENELOW (1998:124) refere que "...algumas famílias encorajam a

discussão aberta dos sentimentos e dos planos para lidar com a doença. Estas famílias podem até tomar-se mais fortes em resultado da doença. Outras, geralmente, as que já tinham problemas antes da doença, tornam-se disfuncionais quando um membro adoece. "

Depois surge o tratamento, "fase terapêutica". Nesta fase, o membro que está hospitalizado é fundamental neste momento; não é indiferente ser a mãe, o pai, o filho ou avós, pois os seus papéis são diferentes na família e, por isso, os contributos para esta fase também são diferentes; pode mesmo haver rupturas que até então foram suportadas, a partir dos segredos da própria família e das suas coligações.

A fase de recuperação precoce surge à medida que o tratamento progride, e a família surge mais uma vez como chave fundamental nos resultados "o paciente pode aderir à

doença, particularmente se trata de uma criança, mesmo quando as melhoras são evidentes. O paciente pode estar a obter alguns ganhos secundários, tais como maior atenção'" ENELOW (1998:124). Nesta situação, a intervenção dos enfermeiros não

pode ficar limitada ao doente, mas terá que intervir na família, mesmo que seja simplesmente a orientar para terapia familiar.

Por último, surge a fase de adaptação à permanência do desfecho; nesta fase, a família é chamada com frequência a participar nos cuidados, pois há necessidade de dar alta ao doente e este continuar a ter alguns cuidados. É muitas vezes neste momento que a família, que esteve mais ou menos ausente da evolução da doença e das sequelas finais, entra em stress, pois terá que modificar o seu funcionamento e, algumas vezes, alterar os seus papéis.

Há no entanto situações em que os profissionais reconhecem a importância da participação das famílias ao longo do trajecto da doença. ENELOW (1998:118) aponta para a situação de doença grave dizendo que "...estão de acordo quanto ao valor das

conferências familiares quando um paciente está a morrer ou foi hospitalizado por doença grave"..Este mesmo autor refere um.estudo de DOHERTY e BAIRD (1989)

onde foram encontrados cinco níveis, em que o médico opta por um tratamento orientado para a família:

- hospitalização por doença grave; - diagnóstico recente de doença grave; - depressão;

- problemas conjugais ou de relação; - sintomas relacionados com o stress.

Poderemos ainda incluir aqui outras situações, por exemplo, quando os membros da família são muito jovens ou idosos, ou ainda nas situações terminais, ou nos momentos que antecedem a alta, a fim de haver continuidade de cuidados. " as mortes que ocorrem

no hospital são particularmente angustiantes. Criaram-se programas hospitalares que advogam o uso de grupos de apoio para ajudar as famílias a adaptarem-se à perda de um ente querido" ENELOW (1998:126)

Para se poder processar uma parceria com a família, ela deve estar próxima e não se deve perder a oportunidade de contactar com ela. " Elas vão estar à cabeceira dos

doentes hospitalizados, ao lado dos pacientes num consultório ou até podem recorrer ao médico antes do próprio paciente para se assegurarem que determinado assunto vai ser abordado ... se não conheceu nenhum familiar, provavelmente perdeu uma oportunidade de ficar a saber mais sobre o seu paciente" ENELOW (1998:117).

A família desempenha um papel fundamental na saúde e na doença de um indivíduo, daí que deva haver um lugar no contexto dos cuidados, de forma a que a família se mantenha ou mesmo adquira perícias para continuar a assistir os seus membros, "... dá-

Ihes também tempo antes de ir para casa e ter de responder a perguntas e fazer planos para o futuro. Os pacientes com ataques cardíacos, AVCs ou cancro, bem como as suas famílias, devem usufruir desta oportunidade. A maioria das famílias estão disponíveis para se reajustar... " ENELOW (1998:126)

Em síntese, estando a família inevitavelmente sujeita a diversas situações de stress, é importante que possa dispor de uma rede de suporte efectiva, na família e/ou na comunidade, que a auxilie nas transformações e adaptações que tem que operar; à semelhança de outras intervenções em saúde, a Enfermeira tem um lugar privilegiado para conseguir intervir nesta área.

Por outro lado, a própria família tem recursose competências,~que desenvolveu ao longo da sua vida, que não devem ser perdidos e podem constituir uma verdadeira fonte de suporte para o doente e cuidados.

Por último, é conhecido que a família pode facilitar ou retardar a recuperação do doente e, por isso, a intervenção do enfermeiro deverá ser ajustada ao tipo de família, mas não deverá perder a oportunidade de ajudar o doente através da sua família. Diríamos que, estando a família inevitavelmente sujeita a diversas situações de stress é importante que possa dispor de uma rede de suporte efectiva, na família e/ou na comunidade, que a auxilie nas transformações e adaptações que tem que operar.

5 - Percepção dos Enfermeiros sobre a parceria de