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Associativismo religioso

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1.3 Conceitos de uma antropologia e sociologia relacionais

1.3.4 Associativismo religioso

O Brasil, escreve Avritzer (2004), é considerado um país com baixa propensão associativa, razão pela qual a literatura sobre a sociedade brasileira se debruçou mais sobre fenômenos como o clientelismo e mandonismo. Medindo não a pertença formal, mas a participação efetiva em associações civis, o autor chega ao resultado que, de longe, a participação em grupos religiosos supera qualquer outro associativismo. Esta predominância do associativismo religioso se explica em boa parte por sua capacidade de mobilização de recursos. O autor afirma:

A associação a grupos vinculados às organizações religiosas corresponde à metade (51%) dos participantes ativos paulistanos. ... O restante da população associada (49% dos participantes ativos ...) está inserida (sic!) em grupos civis. (2004:19ss)

Esta citação revela dois problemas na conceituação do associativismo religioso de Avritzer, que encontrei também em outros autores: às vezes, o associativismo religioso é visto como uma forma do associativismo civil, sendo parte deste, e outras vezes como associativismo fora do associativismo civil: somente na segunda classificação podem se opor as porcentagens (51% e 49%). Outro deslize no conceito é a indefinição se o associativismo religioso diz respeito ao próprio grupo religioso, ou apenas a grupos religiosos vinculados às organizações religiosas. Apesar destes deslizes, Avritzer parece se inclinar mais para a segunda definição (associativismo religioso como associação a grupos vinculados às organizações religiosas), da mesma maneira como Doimo que estuda “o associativismo na cidade de São Paulo e suas interações com as instituições religiosas” (2004:123): as instituições religiosas, ou grupos religiosos, não são associativismo religioso, portanto. Avritzer e Doimo parecem entender por associativismo grupos formalizados em associações; especialmente Doimo analisa longamente associações formais da Igreja Católica.

Lavalle e Castello (2004) assim como Almeida e D’Andrea (2004) não definem com clareza o que entendem por práticas associativas religiosas. Esta ambiguidade nos conceitos dificulta a possibilidade de comparação de dados e o diálogo científico com outras pesquisas. Em todo caso, os autores parecem incluir nas práticas associativas religiosas o próprio culto religioso, compreendendo este como oportunidade de criar vínculos societários. Lavalle e Castello (2004) distinguem entre “prática associativa religiosa”, incluindo nela evidentemente a participação no culto religioso, e “atividades sociais da igreja”, das quais este não faz parte. Os autores, porém, não definem claramente as duas expressões utilizadas.

Almeida e D’Andrea distinguem práticas associativas religiosas de práticas associativas civis (2004:96) e afirmam para o caso da favela Paraisópolis:

As redes evangélicas trabalham em favor da valorização da pessoa e das relações pessoais, gerando aumento de auto-estima e impulso empreendedor no indivíduo, mas também fomentam a ajuda mútua por meio de laços de confiança e fidelidade. Nos templos há circuitos de trocas que envolvem dinheiro, alimentos, utensílios, informações, recomendações de trabalho etc. ... Trata-se de uma reciprocidade entre os próprios fiéis moradores da favela (pastores inclusive) que se pauta pelo princípio bíblico de ajudar primeiro os "irmãos na fé" (os frequentadores do mesmo templo). Estes se casam majoritariamente entre si; muitos parentes se evangelizam e se tornam assim "irmãos de fé". (2004:103)

Em outro artigo, os mesmos autores escrevem (2008:114):

Articulada às relações primárias, existe ainda uma forte rede associativa formada por laços religiosos, sobretudo evangélicos, que se destacam como o principal vínculo associativo na favela junto com a Igreja Católica. Estas relações se constituem como circuitos de reciprocidade pelos quais circulam benefícios materiais, afetivos e cívicos como ajuda mútua, empréstimos de dinheiro, cuidado dos filhos de mães que trabalham fora de casa, informações sobre emprego, solidariedade em situações de doença etc. Em resumo, diferentes favores que são prestados e variam conforme a qualidade dos laços entre as pessoas.

As minhas observações de campo indicam que a definição de associativismo religioso utilizada por Avritzer e Doimo, deve ser tencionada com os dados encontrados no estudo da Congregação Cristã, porque esta praticamente não criou no seu interior associações formalizadas. O associativismo e a sociabilidade nela praticados são informais e caracterizados pelos “circuitos de trocas que envolvem dinheiro, alimentos, utensílios, informações, recomendações de trabalho,” citados acima por Almeida e D’Andrea. Mesmo a “obra da piedade”, atividade assistencial que dirige recursos para os irmãos e irmãs mais necessitadas da Congregação, não é uma associação formalizada. As observações e entrevistas realizadas na pesquisa de campo indicam que as conversas informais, antes e depois do culto, no pátio da Casa de Oração, ou nos fundos, com o porteiro, assim como em ocasiões como ensaios de música, mutirões, encontros de jovens e menores e visitas, são as oportunidades nas quais se efetuam os circuitos de troca. Somente um conceito de associativismo religioso que não restringe este a associações formalizadas, é capaz de levantar estes circuitos de troca.

Com a finalidade de possibilitar relacionar a situação social dos membros da Congregação Cristã num bairro de alta vulnerabilidade social com aspectos da religião, apresento e discuto primeiro no próximo capítulo o perfil social da Congregação Cristã a partir de dados do Censo 2000, para em seguida (no capítulo 3) mostrar e analisar a realidade social de um bairro localizado nas proximidades da casa de oração na qual observei o culto da Congregação e onde membros desta congregação moram.

2 Capítulo II:

Dimensões Sociais da Congregação Cristã. Um olhar estatístico do campo pentecostal brasileiro

A Congregação Cristã no Brasil se entende como “Comunidade Civil-Religiosa” (2008:3) e constitui, como toda comunidade religiosa, uma rede social. Por isso, uma visão panorâmica global ajuda muito para entender aspectos da realidade das pequenas comunidades da periferia. Visando este objetivo, elaboro neste capítulo o perfil social da Congregação Cristã a partir de dados do Censo 2000. Comparo o perfil da Congregação Cristã com outros grupos pentecostais, como a Assembleia de Deus, Deus é Amor e Igreja Universal36, e também com os sem-religião, uma vez que estes são, como Jacob et al. mostraram (2006), vizinhos dos pentecostais nas capitais brasileiras. Desta maneira, situo o estudo local na periferia de São Bernardo do Campo dentro do campo pentecostal brasileiro. Este procedimento possibilita, pelo menos em larga escala – não me era possível observar as igrejas pentecostais comparadas em nível local – uma visão comparativa destas igrejas. Um estudo comparativo da Congregação Cristã e da Assembleia de Deus dos anos 70 (Nelson 1979) permite pelo menos esboçar uma análise longitudinal destas duas igrejas que constituem o pentecostalismo mais antigo no Brasil.

Após uma breve apresentação da sua presença relativa nos Estados do Brasil, comparo os indicadores sociais dos grupos citados acima. Escolhi indicadores frequentemente utilizados na construção de índices de vulnerabilidade social. São eles: a cor, os anos de estudo, os rendimentos pelo trabalho, e a questão da migração (UF de nascimento e UF da última residência). Em seguida, apresento a localização das casas de oração da Congregação

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Escolhi estas igrejas porque a Assembleia de Deus chegou pouco tempo depois da Congregação Cristã no Brasil; as duas igrejas eram durante décadas as únicas pentecostais no país. Por isso, acredito que uma leitura comparativa de pelo menos alguns aspectos possa ser útil. A Igreja Pentecostal Deus é Amor é tida como possuindo um rigor semelhante à CCB, enquanto a Igreja Universal serve como contraponto. O conjunto das três igrejas corresponde à classificação dos grupos pentecostais em três ondas: a Assembleia de Deus, junto com a

Congregação Cristã, forma o pentecostalismo da primeira onda; a Igreja Pentecostal Deus é Amor faz parte do

pentecostalismo da segunda onda; e a Igreja Universal do Reino de Deus, representa um exemplo do pentecostalismo da terceira onda. Esta classificação de Freston tem sua utilidade do ponto de vista histórico, uma vez que liga as ondas a profundas mudanças na sociedade brasileira, especialmente de sua dinâmica de urbanização: A primeira onda chega na fase da emergência das cidades industriais, a segunda onda durante o acelerado processo de urbanização, e a terceira onda na fase da metrópole atual na qual se observa uma certa desconcentração industrial e pode se falar até de desurbanização. De outro lado, sob o ângulo das Ciências Sociais, pode-se argumentar p. ex. que a Assembleia de Deus foi muito afetada pelo estilo das outras ondas; várias de suas igrejas assumiram no bairro onde moro um estilo que se diferencia pouco da Universal.

Cristã em São Bernardo do Campo (bairros urbanos), conforme a classificação das áreas de vulnerabilidade social do SEADE. Finalmente, comparo padrões de migração entre as duas Igrejas Pentecostais mais antigas do Brasil, Congregação Cristã no Brasil e Assembleia de Deus. Elas são também as duas igrejas pentecostais que marcam presença na Vila Moraes, bairro de alta vulnerabilidade social, no qual fiz entrevistas, observei parte do dia a dia das pessoas e que será apresentado no capítulo seguinte, bairro este que fica nas proximidades da Casa de Oração na qual fiz a observação de culto.

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