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Discussão dos dados e conclusão

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O capítulo estudou, num primeiro momento, dados geográficos, demográficos e econômicos a respeito do município de São Bernardo do Campo. O município, como todo ABC, durante décadas a locomotiva da industrialização do país, está passando por um processo de desconcentração industrial, especialmente das áreas de proteção aos mananciais e muito acentuada em torno dos braços da Represa Billings. Não há, porém, um decréscimo

populacional correspondente; ao contrário, verificou-se uma acentuada piora em vários indicadores econômicos e sociais, e confirmou-se uma forte desigualdade social no município. Ambiguidades na literatura a respeito da atribuição municipal da região foram resolvidas no sentido que se mostrou que a região faz parte do município de São Bernardo do Campo. Divergências a respeito do nível de vulnerabilidade social da região me levaram a elaborar estatísticas com respeito a vários indicadores que constituem este índice, como cor, rendimento, anos de estudo e migração. Além da confirmação de alto nível de vulnerabilidade, esta pesquisa revelou também que entre os grupos pesquisados, a desigualdade entre homens e mulheres sempre é maior na Congregação Cristã.

Mais do que nos índices estatísticos levantados, a vulnerabilidade social dos moradores da Vila Moraes consiste na questão da posse da terra. Todo o terreno está situado em área de proteção aos mananciais; por isso, toda a população da Vila Moraes está constantemente ameaçada de ser removida para outro local. A situação periférica específica da Vila Moraes consiste na insegurança com respeito da posse da terra, no fato de que o bairro está situado em área de proteção aos mananciais, na ilegalidade da sua ocupação, na completa falta de infraestrutura, e na precariedade de transporte e de oportunidades de emprego e na baixa qualidade de construção (barracos de madeira e madeirite em vez de casas de alvenaria).

Esta produção clandestina do espaço nas áreas dos mananciais, sem as condições mínimas ambientais, socialmente necessárias à subsistência dos trabalhadores, se configura dentro de um modelo de proteção ambiental aos mananciais que consiste em tornar disponíveis grandes lotes para chácaras de recreio, que garante baixa densidade de população. O terreno no qual foi construída a casa da Congregação Cristã estudada, foi doado por um destes donos de sítio e é situado ao lado de uma chácara nobre com piscina. No caso da Vila Moraes, é a população dos próprios municípios que entra num processo de periferização e ocupa as áreas dos mananciais do município. A proibição de instalação de sistemas públicos de água e de esgotos sanitários, é aplicada apenas para o caso de moradores espoliados como os da Vila Moraes, mas não para os habitantes mais afluentes de condomínios nobres. Pode-se falar de um processo de dualização urbana, marcada pelos fenômenos brutais de exclusão social e de marginalização. A Vila Moraes seria uma tradução deste processo de dualização social, configurando-se em ilha de exclusão social.

Os moradores da Vila Moraes não têm laços suficientemente fortes para constituir um ator social coletivo além de mobilizações raras e ocasionais. Uma das causas possíveis deste quadro de uma ampla fragmentação social pode ser a presença pouco duradoura e apenas transitória de muitas famílias. Os grupos religiosos estabelecidos não têm força suficiente para

se impor aos seus membros como “comunidade imaginada”. Eles talvez consigam isso para os membros mais integrados, mas membros menos centrais e situados mais na periferia da comunidade religiosa podem perceber como o próprio grupo religioso reproduz no seu interior a desigualdade social. Afinidades para fora do próprio grupo religioso, como a categoria de “crentes”, parecem possuir mais força como “comunidade imaginada”. Ela é ativada quando membros com afinidade efetivamente se reúnem e fazem coisas juntos. No discurso produzido em conversas particulares, ao contrário, prevalecem interpretações de experiências e vivências de fraturas dentro do próprio grupo religioso.

4 Capítulo IV:

O culto da Congregação Cristã: etnografia e análise

Este capítulo se propõe elaborar uma etnografia do culto da Congregação Cristã. Começo apresentando o que considero um culto típico da Congregação na casa de oração do Jandaia, descrevendo o espaço do culto e seus usos (4.1) e em seguida o tempo do culto (4.2). Procedo com a análise do culto (4.3), examinando primeiro os atores nos espaços físicos e hierárquicos diferenciados que ocupam (4.3.1), e em seguida o processo ritual. (4.3.2). Será analisado como o culto da Congregação tenta formar a identidade religiosa projetada, pelas duas correntes da memória na Congregação Cristã, e como ele alimenta ou sustenta os quatro lados da identidade religiosa, apresentados no capítulo primeiro (4.3.3).

Começo apresentando o que considero um culto típico da Congregação Cristã na casa de oração do Jandaia. Trata-se de uma descrição construída a partir de elementos que aconteceram em diversos cultos88, mas não na sequência de um único culto. Uso o conceito de “culto típico”, portanto, no sentido do “tipo ideal” de Weber:

A Sociologia constrói ... conceitos de tipos e procura regras gerais dos acontecimentos. ... A Sociologia ... deve delinear tipos “puros” (“ideais”) dessas configurações, os quais mostram em si a unidade consequente de uma adequação de sentido mais plena possível, mas que, precisamente, por isso, talvez sejam tão pouco frequentes na realidade quanto uma reação física calculada sob o pressuposto de um espaço absolutamente vazio. (1991:12)

O conceito de “culto típico” talvez seja complicado. Na casa de oração do Jandaia há três cultos por semana, além do culto de jovens e menores que acontece aos domingos, às 14hs30. Estes três cultos reúnem comunidades diferenciadas: o culto do domingo à noite (18hs30) é o que menos pessoas reúne: entre 80 e 110 irmãos e irmãs (média de 90), com uma leve supremacia de irmãs. Neste dia, vêm praticamente só as irmãs e os irmãos que têm a casa de oração do Jandaia como sua “comum congregação” – aquela onde se toma também a Ceia anual. A razão é que quase todas as casas de oração têm culto no domingo à noite, e a Congregação aconselha seus fiéis a darem preferência, sempre quando possível, à sua “comum congregação”.- Já nas segundas-feiras (19hs30), pouquíssimas casas de oração da Congregação Cristã têm culto: por isso, o Jandaia enche de visitantes, e a igreja fica quase cheia; contei entre 210 e 260 irmãos e irmãs (média de 235), sendo que neste dia o número de

88

irmãos e irmãs chegou várias vezes a empatar.- Nas quintas-feiras (19hs30), um número razoável de casas de oração faz culto, apesar de as casas de oração vizinhas se combinarem para colocar os dias de culto durante a semana em dias diferentes, para favorecer visitas dos fiéis a casas de oração próximas nos dias que não têm culto na própria “comum congregação”; por isso, vêm menos visitantes, sendo a média em torno de 120 fiéis. Em geral, a proporção de irmãs e irmãos é de 55-60% a 40-45%.

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