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Vulnerabilidade social

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1.3 Conceitos de uma antropologia e sociologia relacionais

1.3.1 Vulnerabilidade social

A ideia de vulnerabilidade está associada à existência de um risco potencial, como pobreza, insuficiência de renda e trabalho, precariedade de moradia, ausência do Estado, moradores sujeitos à violência e direitos de cidadania não garantidos, mas também à capacidade de resposta das famílias a estas situações. Esta capacidade depende do tipo de ativos existente e como este é mobilizado para se aproveitarem as oportunidades oferecidas pelo mercado, pelo Estado e pela sociedade em geral. Portanto, o conceito da vulnerabilidade leva em conta os recursos e ativos de que as pessoas mais carentes dispõem para enfrentar os

assim como o elétron, é uma Ausgeburt de Feldes. Um determinado intelectual ou um determinado artista existe

riscos impostos pelas privações vivenciadas, enquanto o enfoque da pobreza trabalha somente com suas necessidades. É evidente que as desvantagens, originadas de estruturas sociais maiores, tem relações diretas com a pobreza e a vulnerabilidade. Parte-se da hipótese que as desigualdades estão aumentando e as estruturas sociais urbanas endurecendo, devido a três processos interligados: segregação urbana, transformação familiar e destruição de vínculos dos setores populares urbanos com o mercado de trabalho. A vulnerabilidade ante a pobreza e a exclusão social é diferenciada devido às diferenciadas oportunidades de acesso a bens, serviços ou atividades que incidem sobre o bem-estar dos domicílios, sendo que “o acesso a determinados bens, serviços e oportunidades provê recursos que facilitam o acesso a outras oportunidades” (KAZTMAN; FILGUEIRA 2006:72), o conjunto formando a “estrutura de oportunidades”. As estruturas de oportunidades mais importantes para o acesso aos ativos têm três fontes: o funcionamento do Estado, o mercado e a comunidade. Referente à comunidade como provedor de estruturas de oportunidade dizem os autores (2006:78):

Quando as comunidades funcionam efetivamente como estruturas de oportunidades informais de acesso ao bem-estar, o capital social é seu recurso mais importante. Este capital localiza-se principalmente nas redes de relações interpessoais de apoio mútuo que, em geral, constroem-se com base em princípios de reciprocidade, como ocorre, por exemplo, nas redes de amizade, nas que se estabelecem com os vizinhos na comunidade local, comunidades

étnicas ou religiosas etc.

Fala-se de “cidadania vulnerabilizada” quando o cidadão tem dificuldade em conciliar sua vontade individual com um projeto coletivo. Sobre as várias dimensões da vulnerabilidade afirmam Hogan e Marandola (2006:29):

As vulnerabilidades socioeconômica, étnica e cultural mostram-se tragicamente associadas, estando as minorias étnicas afligidas por vulnerabilidades cruzadas, entre os grupos mais vulneráveis em termos de necessidades insatisfeitas, exclusão política, marginalidade social e discriminação cultural.

Moradores de alta vulnerabilidade sofrem, portanto, discriminação múltipla.

Outro fenômeno demográfico a ser levado em conta é a mobilidade populacional. Estes deslocamentos, em particular a migração intrametropolitana - fenômeno que os Censos do IBGE não medem - têm forte impacto sobre o processo de redistribuição espacial da população. Estratégia para resolver um problema (como habitação ou trabalho), ela pode contribuir para desfazer vínculos sociais preexistentes, aumentar o isolamento social ou até mesmo contribuir para estigmatizar certas regiões. De maneira semelhante, a mobilidade pendular (p. ex. caminho percorrido entre os locais de moradia e de trabalho) pode acirrar a

condição de pobreza, por novas formas de carência e riscos para os indivíduos, pelo aumento da duração das viagens e correspondente diminuição das horas de descanso e lazer, riscos intrínsecos aos meios de transportes etc.

Dinâmica demográfica e vulnerabilidade social têm nexos com outro fenômeno comum nas metrópoles: a segregação residencial. Faz-se necessário distinguir entre a segregação voluntária e a involuntária: alguns escolhem livremente viver em áreas segregadas, como mostra Caldeira (2003). A segregação involuntária, ao contrário, resulta, em termos sociais, num contingente de trabalhadores subempregados, extremamente mal remunerados, e, em termos espaciais, numa deterioração das condições habitacionais e no processo de “periferização”, entendendo esta como a localização das famílias em áreas mais acessíveis do ponto de vista econômico, mas, ao mesmo tempo, cada vez mais distantes, ou em áreas centrais deterioradas como favelas e cortiços.32 Percebe-se que a simples dicotomia centro versus periferia não dá conta das complexas dinâmicas urbanas. A questão da escala nos estudos sobre segregação e problemas urbanos passa a ser um dos elementos-chave para a análise. Isso na medida em que já não é mais fácil observar a homogeneidade ou heterogeneidade no complexo tecido urbano das grandes metrópoles. O presente estudo tenta articular as escalas (a global generaliza, enquanto a local particulariza), relacionando dados da pesquisa de campo local com escalas maiores (dados geográficos e sociológicos da prefeitura de São Bernardo do Campo, SEADE e do IBGE).

O “espaço importa”, portanto: os locais de moradia são muito mais do que um simples palco onde ocorrem as relações sociais. No caso da Vila Moraes por mim analisada, localizada na extrema periferia dos municípios São Bernardo do Campo e Diadema, área de proteção aos mananciais nas margens da represa Billings, isso leva a considerar que a condição de segregadas implica desvantagens para as famílias. Nas palavras de Pais (2003): “o espaço é o lugar onde inscrevemos a história”. De fato, o lugar da moradia afeta a possibilidade das famílias em ter acesso às estruturas de oportunidades existentes, como, por exemplo, disponibilidade de serviços públicos, ou melhores condições de aprendizado: afinal, a “geografia de oportunidades” ou os “efeitos de vizinhanças”33 são muito diferenciados,

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Em artigo recente (2008), Almeida, D’Andrea e De Lucca comparam três situações periféricas: a da Cidade Tiradentes, “depósito de gente” em condições de habitação precárias, mantido em longa distância da cidade; povo de rua vivendo em área central (centro de São Paulo), mas socialmente estigmatizado; e Paraisópolis, favela encravada em região altamente valorizada do Morumbi e desfrutando de uma ampla estrutura de oportunidades oferecida por esta proximidade.

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Por causa de “efeitos de vizinhanças”, um jovem pobre morador de periferia tem chances menores de concluir o ensino médio do que um jovem do mesmo nível social morador de uma área de elite, como mostram Torres, Ferreira e Gomes. A homogeneidade do perfil dos moradores das franjas pobres de periferia, causada pela

conforme a região na qual se mora; é minha hipótese que, no caso da Vila Moraes, a segregação residencial incrementa as condições de vulnerabilidade.

Em regiões de alta vulnerabilidade social, as redes sociais e o associativismo se tornam fatores importantes do capital social dos moradores. À elaboração destes conceitos se dedicam os próximos parágrafos do presente estudo.

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