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O espaço do culto e seus usos

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A casa de oração do Jandaia encontra-se no distrito do Alvarenga, não longe do cemitério “Vale da Paz” de Diadema, seguindo a Avenida Alvarenga. Quando esta Avenida faz uma curva acentuada à esquerda, uma rua de terra segue reto: ela é o limite de município Diadema – São Bernardo do Campo, de maneira que as casas à sua direita pertencem ao município de Diadema, e as casas à sua esquerda ao município de São Bernardo do Campo. A casa de oração do Jandaia fica praticamente na esquina do lado esquerdo, com um matagal na sua frente e uma chácara com piscina ao lado. O terreno da casa de oração foi, conforme um membro da igreja, doado por um dono de chácara, é grande e possui espaço para estacionamento dos dois lados, além do material ser doado por membros donos de depósitos da igreja e esta ser construída por membros em regime de autoconstrução. Se a tese da “dualização urbana” nestas áreas dos mananciais for correta, então a Congregação teria construído a sua Casa de Oração do lado afluente da cidade dual, enquanto as duas Assembleias e a Igreja Católica da Vila Moraes teriam inserido suas comunidades do lado urbano pauperizado. A construção generosa desta Casa de Oração, mais majestosa até do que a igreja Diadema Central, com janelas esverdeadas maiores do que o antigo padrão das igrejas da Congregação, pode confirmar esta impressão (veja as fotos 4.1 a 4.3). Evidentemente, ela não foi construída pensando nas populações que habitam as ilhas de exclusão social entre as chácaras afluentes, mas para os moradores destas e das regiões adjacentes, uma vez que as Casas de Oração vizinhas, do Jardim Laura e do Jardim Transilvânia, não estavam mais suportando o número dos seus fiéis: No Jardim Laura não cabem mais do que cem pessoas sentadas, e a igreja do Jardim Transilvânia está sendo reformada e ampliada.

Foto 4.1: Frente da casa de oração “Parque Jandaia” da Congregação Cristã Fotos 4.2 e 4.3:

Do lado esquerdo da casa de oração, uma ampla área arbori- zada, formando um parque; do lado di- reito, estacionamento para até 40 carros.

A própria Casa de Oração do Jandaia tem forma aproximadamente quadrada e deve medir em torno de 600 m2, com uma extensão de sete a oito metros atrás da parede da fronteira, e ter uma altura acima de oito metros, tendo quatro filas de quinze bancos cada de frente para o púlpito mais seis bancos de ambos os lados deste, num ângulo de 90º. A tribuna no púlpito é de madeira, e nele está escrito: “Em nome do Senhor Jesus”. A mesma frase se encontra na parede da frente, em letra preta e bem grande. Esta parede possui uma sinuosidade de uns cinco metros atrás do púlpito, enfeitada por duas colunas que lembram a arquitetura de antigos templos, lugares da presença de Deus. Duas cadeiras do tipo colonial, de madeira e estofadas, estão posicionadas na parede da frente, ao lado do púlpito, uma de

cada lado, mas em nenhum culto vi alguém sentado numa delas desde o início do culto (em todas as casas de oração que visitei); somente uma vez, quando um ancião visitou a irmandade do Jandaia e outro visitante (um cooperador de jovens e menores da Bahia) levantou para ler e pregar a palavra, o ancião sentou numa delas na hora da palavra. Há um microfone na tribuna que fica no centro do púlpito, um ao lado dela para os momentos em que o dirigente do culto ora ajoelhado, de frente para a comunidade, e um de cada lado para o momento dos testemunhos. Um corrimão de madeira acompanha os degraus laterais que levam ao púlpito, ajudando a delimitar o espaço deste.

As janelas desta casa de oração são esverdeadas e mais largas do que em outras casas da Congregação, mas mantêm o arco ogival, característica de estilo gótico. Elas permitem entrada de mais luz e uma comunicação – e com isso também possibilidade de desvio de atenção - maior entre o “fora” (o mundo) e o “dentro” (a igreja), praticamente impedida nas construções mais antigas. Além das portas de fundo, cada lado possui uma entrada lateral, enfeitadas com gesso e cortinas presas ao lado; perto da porta lateral direito (lado dos homens) e da porta dos fundos esquerda (lado das mulheres), encontra-se um pequeno cofre portátil para receber as ofertas. Nas paredes laterais, se alteram cinco ventiladores com quatro de caixas de som a cada lado, sendo todos da cor da parede (brancos). No hall do fundo, há ainda, do lado direito (entrada dos homens) um pequeno armarinho branco onde se vende Bíblias, um livrinho pequeno com textos da história da Congregação, e o relatório.

Nesta casa de oração, os homens sentam nas duas filas de banco do lado direito e as mulheres nas duas do lado esquerdo.89 A segunda fila da direita é reservada para os músicos, com cinco suportes por banco para os hinários. O órgão eletrônico, tocado por uma mulher, fica na segunda fila do lado esquerdo, próximo dos músicos, na altura do terceiro ao quinto banco, num espaço quadrado elevado, forrado com madeira e delimitado, nos quatro lados, por um corrimão.

Dominam as cores branca, da luz, das paredes, das cortinas das entradas, do piso e até dos auto-falantes e dos ventiladores, e marrom, dos bancos, do púlpito, dos corrimãos, do órgão e das cadeiras estofadas. A cor preta está em destaque na frase “Em nome do Senhor Jesus”, estampada em letras grandes na parede fronteira da igreja.

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Encontrei a mesma distribuição nas casas de oração do Jd. Míriam e de Cidade São Mateus; na Vila Mussolini (São Bernardo do Campo) e no Jardim Inamar (Diadema), as mulheres sentam do lado direito. Diz-se que os homens costumam sentar do lado onde mora o zelador, na casa vizinha à igreja.

Gráfico 4.1: A casa de oração do Parque Jandaia

Deve ser observada ainda a linha de segregação entre homens e mulheres: as mulheres não têm nenhum acesso ao espaço a partir do qual é dirigido o culto (púlpito). No fundo da igreja, elas podem circular até próximo à entrada dos homens, para alcançar o armário para vendas. De fato, observei que este é um ponto de encontro e conversa descontraída entre homens e mulheres. No início do culto, o dirigente e somente ele sobe ao púlpito e dele não sai antes do fim; só quando outro homem faz a pregação, o dirigente desce e se assenta no primeiro banco lateral, subindo de novo após a pregação, para finalizar o culto. Os primeiros dois bancos laterais do lado dos homens têm evidentemente função de “bancos da honra”: neles, sentam o cooperador e cooperador de jovens e menores, além de visitantes destacados, especialmente quando é um ancião visitante. O outro banco lateral não tem função diferenciada, nem os bancos laterais no lado das mulheres.

Com exceção da sinuosidade atrás do púlpito, enfeitada por duas colunas que lembram a arquitetura de antigos templos, lugares da presença de Deus, e das entradas laterais, enfeitadas

com gesso e cortinas presas ao lado, não há nenhum enfeite visível. Se Pellizzaro (2005:187) insiste, com razão, na presença de duas matrizes no sistema religioso da Congregação Cristã: “o pentecostalismo, com a comprovação imediata da santificação via experiência emocional do Espírito Santo; e o calvinismo, com ênfase na doutrina da predestinação e o exclusivismo de Deus na justificação co crente”90, deve-se afirmar que a arquitetura da Casa de Oração do Pq. Jandaia é, em sua quase ausência de enfeites, puramente calvinista, “fincada numa serenidade racional e orientada”, seguindo o ideal calvinista da “clareza de idéias.” (ABUMANSSUR 2004:70)

Do ponto de vista arquitetônico muito parecida com as outras casas de oração, pode-se afirmar que a Casa de Oração do Pq. Jandaia está mais próxima das igrejas protestantes do que dos templos pentecostais. “Entre os protestantes, o espaço sagrado, embora não dependente de uma hierofania, reserva uma relação com a vida da comunidade. A sacralidade do lugar se vincula à comunidade e é sua memória”, escreve Abumanssur (2004:18), lembrando que este laço com a memória da comunidade falta nos templos pentecostais. Sabe- se que nos templos da Congregação Cristã não há exorcismos nem curas de males encenados: o templo é o lugar do encontro com Deus, lugar em que Deus fala e onde o diabo não entra. Ao contrário, após entrar e alcançar o banco da igreja, homens e mulheres se ajoelham - estas não antes de se cobrir com o véu -, gestos corporais que ajudam a se colocar na presença de Deus. Confirma-se, no templo da Congregação Cristã, o que Abumanssur escreve (2004:104s):

Há uma atitude subjacente em relação ao templo o qual é percebido pelo conjunto de fiéis como um espaço diferenciado e usado com exclusividade para o culto. É uma posição para a qual não há defesa teológica aceita pelos próprios membros da igreja. É um comportamento subliminar, um hábito adquirido. Ao mesmo tempo em que elabora um discurso laicizante, o protestantismo mantém uma postura de reverência quando está no lugar de culto.

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Weber considera que a “doutrina da predestinação como o mais característico dos dogmas do calvinismo” (2004:92; a versão original em alemão foi publicada em 1904 e 1905, e a versão final em 1920), “o ‘decretum

horribile’ não é vivido [erlebt] como em Lutero, ele é cogitado [erdacht]. ... Para Calvino, não é Deus que existe

para os seres humanos, mas os seres humanos que existem para Deus. ... Ora, em sua desumanidade patética, essa doutrina não podia ter outro efeito ... senão este, antes de mais nada: um sentimento de inaudita solidão

interior do indivíduo. ... Esse isolamento íntimo do ser humano explica a posição absolutamente negativa do

puritanismo perante todos os elementos de ordem sensorial e sentimental na cultura e na religiosidade subjetiva – pelo fato de serem inúteis à salvação e fomentarem as ilusões do sentimento e a superstição divinizadora da criatura – e com isso fica explicada a recusa em princípio de toda a cultura dos sentidos em geral.” (2004:94ss) De certa maneira o ápice do Calvinismo, este sentimento de inaudita solidão interior do indivíduo não é mantido na Congregação Cristã, mas entra em seu lugar, em justaposição paradoxal com os elementos calvinistas, o elemento pentecostal da comprovação imediata da santificação via experiência emocional do Espírito Santo.

O espaço do culto na Casa de Oração do Pq. Jandaia, recentemente construída, mostra, portanto, alterações em relação às casas de oração mais antigas, especialmente no que diz respeito às janelas, mas preserva no seu interior a racionalidade objetiva e clara, quase sem enfeites e decorações, tipicamente calvinista.

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