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Os efeitos da modernidade na tradição religiosa

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1.1 A religião como instituição: Aspectos da sua reprodução

1.1.1 A tradição diante do desafio da modernidade

1.1.1.2 Os efeitos da modernidade na tradição religiosa

Nesta parte, apresento a teoria de Hervieu-Léger a respeito dos efeitos da modernidade sobre a tradição religiosa. A socióloga tece as suas reflexões a partir da realidade europeia, especificamente do contexto contemporâneo da França. Por isso, tenciono sua teoria com a modernidade urbana na periferia do Brasil acima elaborada, com a situação religiosa no Brasil, e com dados da pesquisa de campo.

Hervieu-Léger identifica três características da modernidade associadas ao apagamento social e cultural da religião: em primeiro lugar, o avanço da racionalidade que obriga a

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Lavalle (2003) elucida como análises sociológicas dos anos 90 celebravam inicialmente a emergência de novos atores civis autônomos, para depois abandonar concepções tão idealizadas da sociedade civil, dando lugar a leituras mais nuançadas que salientam o potencial de sinergia nas relações Estado-sociedade e discutindo espaços em vez de atores.

adaptar os meios aos fins. Como consequência, no plano das relações sociais, o status social é mantido pela competência e não por herança. Apesar do processo da racionalização estar longe de se complementar, ele constitui a referência mobilizadora das sociedades modernas.- A segunda característica da modernidade é a autonomia do sujeito que constrói as significações que dão sentido à sua existência.18 Liberto da tradição cujo código global de sentido se impõe do exterior a todos, o sujeito moderno funda ele mesmo a história, a verdade, a lei e o sentido dos seus atos.- O terceiro traço da modernidade é a diferenciação das instituições na organização social. Cada uma das distintas esferas funciona conforme uma lógica própria, sem precisar de um fundamento em comum, como era a tutela da tradição religiosa.

Por laicização das sociedades modernas se entende justamente este processo de emancipação da tradição religiosa: a pretensão da religião de reger a sociedade inteira e governar a vida dos indivíduos até nos últimos detalhes se tornou ilegítima. Nas sociedades modernas, a crença e a participação religiosa não se impõem, mas o indivíduo opta por (ou contra) elas.

Olhando a história, pode-se dizer que o Estado moderno laico nasce como ponto final das longas e sangrentas guerras civis de religião na Europa: Na Paz de Westphalia, as propriedades religiosas são passadas para mãos seculares laicas que agora irão governar o Estado moderno com soberania “intramundana”, emprestando esta palavra de Weber (cf. Marramao 1994:17). A separação do Estado moderno da igreja faz que aquele saia da tutela desta. O Estado moderno não se preocupa com a salvação dos que a ele pertencem, mas se ocupa dos seus interesses comuns terrenos ou, de novo, “intramundanos”, e não se considera competente para impor qualquer doutrina religiosa.

Bauberot interpreta o processo da laicização francesa baseado em três limiares de laicização. O primeiro limiar é caracterizado pela fragmentação institucional (a religião deixa

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A questão da autonomia ou liberdade do sujeito religioso diante da instituição religiosa foi amplamente pesquisada por autores brasileiros e é apontada por eles como tendência da religiosidade moderna brasileira contemporânea. Assim afirma Negrão (2006:53s) para o caso de adeptos do Candomblé: “Estes clientes, contudo, embora apelem para os serviços mágicos e divinatórios, resistem a permanecer sob a autoridade de orixás e pais-de-santo. Preservam sua liberdade frente a eles, a quem buscam somente quando querem ou necessitam. A prática de rituais afrobrasileiros e a crença em seu universo simbólico não conduzem necessariamente à adesão a um de seus grupos.” A vinculação às instituições religiosas e o exclusivismo religioso estão diminuindo. Os sujeitos vivem sua religiosidade “de forma mais transitiva e menos fiel a sistemas

únicos.” (ALMEIDA 2004:3; cf. ALMEIDA; MONTEIRO 2001) Para Pierucci, é a própria “forma elementar da

modernidade religiosa” que “fabrica,do membro do grupo,um indivíduo” (2006:126) e age como solvente e não como cola, fator de coesão social, como Durkheim pensava.- Não se pode esquecer, porém, que as instituições religiosas, mesmo aquelas que têm fama de não criar comunidades estáveis e duráveis, como a Igreja Universal, criam mecanismos (como correntes de oração, semelhantes às novenas católicas) para criar vínculos mais fortes entre os sujeitos e a instituição.

de ser uma instituição englobante; Estado e sociedade possuem uma consistência além de qualquer referência religiosa), pelo reconhecimento da legitimidade (instituições religiosas se ocupam das necessidades religiosas, e os cultos são reconhecidos), e pela pluralidade de cultos reconhecidos (todos os cultos são juridicamente iguais). O segundo umbral, datado entre 1880 e 1905, é marcado pela dissociação institucional (a religião tende a se converter de instituição pública em associação privada), uma ausência de legitimidade social (tornando-se a religião privada, outras instâncias preenchem o vácuo deixado como instância de socialização), e a liberdade de consciência e de culto é reconhecida como liberdade pública. O terceiro limiar traz como marca um processo de desinstitucionalização (as próprias instituições laicas, portadoras de utopias seculares, e que limitaram e desestabilizaram as instituições religiosas, são afetadas pelo declínio das instituições), a crise da moral (perda de referências), e uma nova situação pluralista frente aos problemas de mundialização e globalização (o simbólico se desterritorializa e as próprias fronteiras entre o religioso e o não religioso que a modernidade construiu, se desestruturam. (2005:11s)

Influenciado pelo pensamento francês, o Decreto n. 119ª, de 7 de janeiro de 1890, de autoria de Rui Barbosa, separou a Igreja Católica do Estado, extinguiu o padroado, proibiu os órgãos e autoridades públicos de expedir leis, regulamentos ou atos administrativos que estabelecessem religião ou a vedassem e instituiu plena liberdade de culto e religião para os indivíduos e todas as confissões, igrejas e agremiações religiosas.

Inscritas na Constituição de 1891, a separação da Igreja Católica do Estado e a instituição da plena liberdade religiosa e de culto para todos os indivíduos e credos religiosos propiciariam, no decorrer do século XX, a ascensão de um mercado aberto no campo religioso brasileiro. Isto é, a laicização do Estado brasileiro possibilitou a dilatação do pluralismo religioso, ou o ingresso, a criação e a expansão de novas religiões, e, com isso, deu ensejo à efetivação da livre concorrência entre os diferentes agentes e instituições religiosos. Ao resultar em liberdade, diversificação e competição religiosas, a separação entre Igreja Católica e Estado permitiu o ingresso e a formação de novos grupos religiosos, concedeu plena liberdade à maioria das associações religiosas e, com isso, não só permitiu a constituição de um verdadeiro mercado religioso em solo nacional como abriu passagem para que, no limite, a hegemonia do catolicismo viesse futuramente a ser posta em xeque pela eficiência do proselitismo dos concorrentes. Influenciada pelo liberalismo da Constituição norte-americana, a Constituição brasileira de 1891 manteve as resoluções do decreto 119A, que tornou laico o recém-criado Estado republicano, desvinculando-o legalmente da Igreja Católica. (MARIANO 2002)

Na realidade, as coisas não eram bem assim. “Em nosso regime de 'separação' pululavam os vínculos, compromissos, contatos, cumplicidades entre autoridades e aparatos

estatais e representantes e instituições católicas”, afirma Giumbelli (2000:155; cf. também MICELI 1988 e PIERUCCI 1990), e Della Cava (1975:10) escreve:

Com exceção do período da República Velha (1889/1930), o Estado brasileiro - a despeito de sua ideologia - aceitou esse arranjo [a manutenção do catolicismo como religião oficial] e garantiu à Igreja Católica Romana um conjunto de privilégios (especialmente em assuntos educacionais e sociais) de que nenhuma instituição brasileira particular, religiosa ou de qualquer outro tipo, gozou.

Este poder da Igreja Católica está desmoronando, porém, em função do seu declínio. O Brasil está se tornando definitiva e religiosamente plural, mesmo se este pluralismo se restrinja a 90% ao interior do cristianismo. No contexto do pluralismo religioso das sociedades modernas, como já vimos, a religião não consegue mais se impor, a religião não se impõe, mas é assunto da escolha individual.

Nos tempos de crise da modernidade, caracterizados pela inadequação duradoura entre a utopia moderna e o espaço esvaziado pelo processo de mudança e sentidos como ameaça e perturbação pelos indivíduos, “os sistemas religiosos tradicionais, formidáveis reservatórios da contestação simbólica contra o “non-sens”, reencontram, sob formas novas, um grande poder de atração sobre os indivíduos e sobre a sociedade.” (HERVIEU-LÉGER 1999:41) Mesmo assim, o desenvolvimento dos novos movimentos espirituais, o crescimento das correntes carismáticas e as outras formas de revigoramento do religioso não reatam estas às antigas tradições. A modernidade continua minando a credibilidade dos sistemas religiosos e ao mesmo tempo faz surgir novas formas de crença.

Não é, portanto, a indiferença religiosa que caracteriza a modernidade, mas a capacidade diminuída das instituições religiosas de controlar as crenças dos seus fiéis. A tendência à individualização e subjetivação das crenças religiosas continua em pleno vigor. As instituições religiosas, enfraquecidas pela desarticulação entre a crença e a prática dos seus fiéis, não conseguem impedir que estes recomponham seu próprio sistema crente, escolhendo as crenças e práticas que lhes convêm. Como consequência, as crenças não desaparecem, mas multiplicam-se e diversificam-se.

O modo como os sujeitos produzem estas recomposições ou bricolagens depende do seu lugar social, econômico e cultural na sociedade. Enquanto membros das camadas mais favorecidas parecem tender a uma metaforização das crenças tradicionais, indivíduos de camadas desfavorecidas preferem a “dessimbolização” das crenças (HERVIEU-LÉGER 1999:49). Assim, a crença no diabo é disseminada mais entre “pessoas em situação de vulnerabilidade psicológica, mas igualmente de precariedade social extrema, desprovidas

quase sempre de meios econômicos e culturais para enfrentar uma condição que as esmaga”. Condição esta que remete a “um mundo onde não encontram as suas referências, onde experimentam o sentimento de serem dominados por forças que os ultrapassam e sobre as quais não têm qualquer influência”, sentida mais ainda pelo contraste com a promessa, transmitida pela mídia, de um mundo que garante consumo, saúde, bem-estar e a realização de si a todos. (HERVIEU-LÉGER 1999:51)

Esta individualização das crenças pode esvaziar19 as instituições religiosas que já não mais as controlam, mas não anula a necessidade de expressar esta crença num grupo no qual o indivíduo faz experiência da confirmação das suas crenças pessoais. Assim, o esvaziamento das grandes instituições religiosas pode ser acompanhado por uma “multiplicação das pequenas comunidades fundadas nas afinidades sociais, culturais e espirituais dos seus membros”, comunidades às quais os indivíduos aderem por empenho voluntário e pessoal (HERVIEU-LÉGER 1999:54) A força dos laços entre estas pequenas comunidades e as grandes instituições religiosas, entre as identidades crentes e identidades confessionais, pode variar. As grandes instituições religiosas, na modernidade, estão perdendo plausibilidade e credibilidade não por causa de uma suposta irracionalidade de sua mensagem, mas porque a diferenciação das instituições fragmenta a experiência humana de uma maneira que os códigos globais de sentido que estas instituições propagam perdeu seu pressuposto, a experiência humana como totalidade. Assim Hervieu-Léger pensando o caso da França. Isto não quer dizer, porém, que pequenas comunidades não sejam capazes de fornecer códigos globais de sentido para o grupo dos seus membros, e exatamente isso me parece ser o caso da Congregação Cristã como veremos alhures.20 No nível destes grupos, não há esvaziamento nem perda de plausibilidade da religião. Lembro o que já Weber dizia, na tradução de Pierucci (1997:113s):

O destino do nosso tempo é caracterizado pela racionalização e pela intelectualização e, acima de tudo, pelo "desencantamento do mundo". Precisamente os valores últimos e mais sublimes se retiraram da vida pública e se refugiaram ou no reino transcendente da vida mística ou na fraternidade das relações humanas diretas e pessoais. [...] Nada há de acidental no fato de que, hoje em dia, só nos círculos mais pequenos e íntimos, nas situações humanas

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Entendo esta palavra aqui no sentido de um esvaziamento da capacidade controladora da instituição religiosa. Há um esvaziamento no sentido literal na Europa, mas não na América Latina. Os templos enchem na hora do culto, graças a muita propaganda e mídia, carências etc., mas as instituições de fato não controlam as pessoas que estão lá.

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A Congregação Cristã, com seus hoje provavelmente mais do que três milhões de membros, não é um grupo religioso pequeno. Mas a transmissão da tradição e dos códigos globais de sentido nela embutidos se dirige especificamente à comunidade do culto reunida, e é ela que é mantida coesa (e separada do “mundo” ao qual os códigos de sentido transmitidos não se dirigem).

pessoais, em pianissimo, é que pulsa algo que corresponde ao pneuma profético que nos tempos passados abrasava grandes comunidades e as mantinha coesas (Weber 1922 [2001]:612).

Neste contexto do enfraquecimento das instituições religiosas e da simultânea disseminação das crenças, a questão da transmissão religiosa condensa todos os aspectos do devir das religiões históricas na modernidade, por ser a condição da sua sobrevivência no tempo.

Como já foi visto, mesmo em sociedades tradicionais, a transmissão de geração em geração garante continuidade, mas não significa imutabilidade: “em todas as sociedades, a continuidade assegura-se sempre na e pela mudança.” (HERVIEU-LÉGER 1999:62)21 Nas sociedades modernas, há verdadeiras fraturas culturais entre uma geração e outra, levando a novos arranjos globais das referências coletivas, rupturas de memória e reorganização dos valores, de maneira que “a organização e a representação da continuidade das gerações encontram-se radicalmente transformadas.” (HERVIEU-LÉGER 1999:63) A religião à escolha gira em torno da experiência pessoal, e não mais em torno da conformidade com as verdades religiosas guardadas e garantidas por uma instituição, comprometendo a continuidade da memória que a funda. Para mobilizar a memória religiosa coletiva, esta precisa ser permanentemente reelaborada, de tal modo que o passado inaugurado pelo evento histórico da fundação possa ser apreendido, a todo momento, como uma totalidade de sentido. Na medida em que toda significação da experiência do presente está supostamente contida (pelo menos potencialmente) no evento fundador, o passado é constituído simbolicamente como uma referência imutável. Em relação constante com este passado, os crentes se constituem num grupo “religioso”, por sustentar e manter a crença na continuidade de uma linhagem de crentes, ao preço de um trabalho de rememoração que é assim uma reinterpretação permanente da tradição em função das questões do presente. Esta elaboração contínua da identidade religiosa se efetua, por excelência, no ritual. (HERVIEU-LÉGER 1999:66)

A modernidade quebrou justamente a obrigatoriedade desta memória da tradição, e sua transmissão ocorre não simplesmente numa continuidade que opera mudanças, mas numa sociedade que vive sob o imperativo da mudança e que se torna cada vez mais incapaz de pensar a sua própria continuidade e inventar seu futuro, seja sob a forma da repetição tradicional, seja sob a da utopia. A instituição religiosa faz seu trabalho de memória no

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Sem citá-lo, a autora se apóia no pensamento de Halbwachs. Para este, a igreja consegue esconder a mudança por se apresentar como uma instituição permanente e se colocar fora do tempo, apresentando as verdades cristãs como históricas e eternas simultaneamente, como veremos mais abaixo.

contexto de uma sociedade incapaz “de fazer viver uma memória coletiva portadora de sentido para o presente e de orientações para o futuro”. (HERVIEU-LÉGER 1999:68)

Para analisar as informações levantadas pela observação e pelas entrevistas, aproveito elementos da hipótese de Hervieu-Léger sobre o lugar da religião na modernidade contemporânea. Para ela os processos de identificação religiosa passam pela combinação de quatro dimensões típicas da identificação: são estas as dimensões comunitária, ética, cultural e emocional. A dimensão comunitária concerne ao conjunto das marcas sociais e simbólicas do grupo religioso, que permitem distinguir os que pertencem ao grupo dos que não pertencem a ele: as obrigações e práticas formais.- A dimensão ética diz respeito à aceitação pelo indivíduo dos valores implicados na mensagem da tradição particular. Estes valores costumam ter caráter universal, e frequentemente acabam se dissociando da própria tradição particular como lugar de sua origem.- A dimensão cultural se refere “ao conjunto dos elementos cognitivos, simbólicos e práticos que constituem o patrimônio de uma tradição particular: a doutrina, os livros, os saberes e suas interpretações, as práticas e códigos rituais.” (HERVIEU-LÉGER 1999:73) Apesar de constituir o enraizamento da tradição religiosa particular numa tradição de longa duração, a dimensão cultural, como a ética, pode se dissociar daquela como lugar de origem e ser apropriada pelo indivíduo sem qualquer referência a ela.- A dimensão emocional, finalmente, concerne à experiência afetiva associada à identificação, e compreende aquele sentimento de fusão das consciências que Durkheim considerou o impulso primeiro e fundador da experiência religiosa. A novidade, nas sociedades modernas, é a dissociação desta experiência emocional da pertença comunitária que a reativa ciclicamente nas festas religiosas.

Graficamente, estas quatro dimensões da identificação religiosa podem ser representadas da seguinte maneira (HERVIEU-LÉGER 1999:78):

Gráfico 1.1: As quatro dimensões da identificação religiosa

Nas diversas modalidades pentecostais de crer, o equilíbrio entre estes quatro polos pode estar em pontos diferentes. Pressuponho que, enquanto a maioria das modalidades pentecostais de crer se agrega próxima dos polos emocional e comunitário (e algumas quase exclusivamente), o ponto de equilíbrio da Congregação se desloca em direção dos polos ético e cultural sem, evidentemente, negligenciar os outros dois polos.

Só se pode falar de uma identificação com uma tradição religiosa particular, quando o ou a fiel aceita, na construção de sua identidade sócio-religiosa, as condições de identidade comunitária, cultural, ética e emocional fixadas pela instituição religiosa que se apresenta como seu garante.22 É tarefa e razão de ser da instituição religiosa articular e manter o equilíbrio entre estas dimensões que têm uma certa tensão entre si: tensão entre a singularidade identitária da comunidade e a universalidade ética da mensagem, e tensão entre a experiência imediata emocional e a continuidade legitimadora de uma tradição cultural. A instituição religiosa opera isto em primeiro lugar pelo rito, cuja função é “ligar a emoção coletiva que o ajuntamento comunitário suscita à evocação controlada da cadeia de memória que justifica justamente a existência da comunidade” (HERVIEU-LÉGER 1999:77), associando a experiência “quente” do sentimento afetivo do nós à anamnésia do tempo fundador da linhagem. O esforço de regulamento e equilíbrio da instituição religiosa vai

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Em decorrência da perda da força reguladora da instituição religiosa, esta aceitação não será mais um ato de pura obediência, mas resultado da habilidade da instituição para conseguir esta obediência.

justamente contra a dissociação centrífuga dos polos que, se autonomizando, constituem pontos de “saída da religião”.

Na trajetória de identificação religiosa dos sujeitos, ao contrário, cada um destes polos pode significar a porta de entrada a partir da qual se integra num grupo religioso, muitas vezes preservando elementos da identidade que abandonou ou da qual nunca tomou realmente posse. Estas trajetórias individuais não se diversificam até o infinito, mas “inscrevem-se em lógicas que correspondem às diferentes combinações possíveis das dimensões da identidade religiosa, combinações que desenham, no próprio seio de cada tradição, uma constelação de identidades religiosas possíveis.” (HERVIEU-LÉGER 1999:81) Assim, o quadro das quatro dimensões da identificação religiosa permite seis eixos de identificação possíveis, sempre articulados a partir de duas dimensões: comunitário – cultural; cultural – ético; ético – emocional; emocional – comunitário; comunitário – ético e emocional – cultural.

Gráfico 1.2: Os seis eixos de identificação religiosa

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