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Redes sociais

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1.3 Conceitos de uma antropologia e sociologia relacionais

1.3.2 Redes sociais

Entendo uma rede social como um “padrão articulado de conexões nas relações sociais de indivíduos, grupos e outras coletividades. As respectivas relações podem ser relações interpessoais, econômicas, políticas ou outras relações sociais.” (SCOTT 1999:794), ou ainda, com Emirbayer e Goodwin (1994:1449), como “conjunto de relações ou ligações sociais entre um conjunto de atores (e também os atores ligados entre si).” O conceito de redes é tributário de um conflito permanente nas ciências sociais entre diferentes correntes, que criam os pares dicotômicos como indivíduo e sociedade, ou ator e estrutura. Já Mauss tenta superar o esquema dicotômico durkheimiano entre indivíduo e sociedade, entre o sagrado e o profano pelo conceito da sociedade como fato social total. No Ensaio sobre a dádiva (2003), publicado pela primeira vez em 1924, Mauss sistematiza a teoria das reciprocidades não simétricas. Nesse texto, Mauss admite a existência de uma obrigação social coletiva que se impõe sobre as diferenças individuais nas interações concretas (trocas diretas) entre pessoas, mas a considera relativa e passível de ser modificada no curso da troca de bens entre os indivíduos. Escreve o autor sobre as formas de trocas e de contratos na antiga Escandinávia:

De todos esses temas muito complexos e dessa multiplicidade de coisas sociais em movimento, queremos considerar aqui apenas um dos traços, profundo mas isolado: o caráter voluntário, por assim dizer, aparentemente livre e gratuito, e no entanto obrigatório e interessado, dessas prestações. ... Constataremos que essa moral e essa economia funcionam ainda em nossas sociedades de forma

segregação urbana, tem como resultado que “morar em áreas segregadas implica acesso a escolas que têm alta concentração de negros e pobres, o que, por sua vez, implica pior desempenho escolar.” (2005:138) O dado não

é novo: já o famoso Coleman-Report (1966, citado em DIEKMAN 1998:36ss) comprovou que a causa principal

da diferença de sucesso escolar entre brancos e negros, nos EUA, não era nem o equipamento das escolas nem fatores familiares, mas a segregação racial. O isolamento estatístico indicou como principal fator o fato de que as exigências ao alunado branco e sua motivação eram maiores, criando um clima de aprendizagem mais estimulante. Forçou-se a dessegregação e integração social escolar por escolas racialmente mistas; o projeto, porém, teve como efeito colateral a saída de famílias brancas das áreas com estas escolas.- Do outro lado, não se pode esquecer que um grupo social sem maiores vantagens econômicas, mas que se considera de elite (por exemplo, por serem moradores mais antigos), pode via coesão social, estigmatização e discriminação dos vizinhos, excluídos da comunidade imaginada supostamente mais nobre, produzir “efeitos de vizinhanças” negativos, como mostraram Elias e Scotson (2000). A pertença a um grupo religioso que põe em destaque sua segregação de outros grupos sociais vizinhos, característica de muitos grupos religiosos e também estratégia da Congregação Cristã, pode produzir “efeitos de vizinhanças” negativos.

constante e, por assim dizer, subjacente ... Acreditamos ter aqui encontrado uma das rochas humanas sobre as quais são construídas nossas sociedades. (2003:187s).

“Rochas humanas” sobre as quais são construídas não somente sociedades tradicionais arcaicas, mas também “nossas sociedades modernas”. As trocas são efetuadas não com fins econômicos, mas com fins sociais; pelas trocas se constrói sociedade:

É a hierarquia que se estabelece por essas dávidas. Dar é manifestar

superioridade, é ser mais, mais elevado, magister; aceitar sem retribuir, ou sem retribuir mais, é subordinar-se, tornar-se cliente e servidor, ser pequeno, ficar mais abaixo (minister). ... Símbolos ... demonstram que o futuro contratante busca antes de tudo esse proveito: a superioridade social. (2003:305)

Mesmo os fatos mais ínfimos (como simples trocas de coisas que têm economicamente pouco valor), são, portanto, complexos e, por isso, o social é um sistema no qual o mais simples símbolo aparece como uma totalidade complexa.

Assim, já se revelam em Mauss aspectos característicos de redes sociais e da sua análise. Comportamentos ou as opiniões dos indivíduos dependem das estruturas nas quais eles se inserem, e para estudá-los, a unidade básica de análise não são os atributos individuais (classe, sexo, idade, gênero), mas o conjunto de relações que os indivíduos estabelecem através das suas interações uns com os outros. A estrutura é apreendida concretamente como uma rede de relações e de limitações que pesa sobre as escolhas, as orientações, os comportamentos, as opiniões dos indivíduos.

Numa rede social, alguns elos podem manter relações mais estreitas ou mais íntimas. É o que se denomina cliques, que Emirbayer e Goodwin definem como “grupo de atores no qual cada um está direta e fortemente ligado a todos os outros” (1994:1449). Num conjunto maior de pessoas, grupos religiosos podem assumir a forma de cliques.

Outra questão a ser analisada em redes sociais é a da centralidade de seus atores. A centralidade indica a posição em que o ator se encontra em relação às trocas e à comunicação na rede. Não é uma posição fixa, hierarquicamente determinada, mas móvel, passível de mudar; mesmo assim, ela traz consigo a ideia de poder. Quanto mais central é um ator, mais bem posicionado ele está em relação às trocas e à comunicação, o que aumenta seu poder na rede. Decisivo para a centralidade de um ator na rede não é a quantidade dos seus elos, mas a qualidade destes. Um ator que mantêm muitas relações com pessoas de pouco prestígio na rede possui pouca centralidade; um ator com poucos contatos, mas numa posição em que a rede social possui uma abertura estrutural pode estar muito bem posicionado na rede.

Abertura estrutural se chama a posição que faz ponte para um outro grupo que possui informações ou outro capital social importante; se a abertura estrutural não fosse ocupada por este ator, existiria um “buraco estrutural” (“structural hole”, BURT 1992).

As relações numa dada rede social podem ser ainda formais ou informais. Regiões de alta vulnerabilidade social podem ser caracterizadas por uma densa rede de relações informais, com uma rede de laços formais pouco desenvolvida; neste caso, estudar somente a rede de relações formais pode levar a resultados errôneos. O presente estudo trabalha com a hipótese que na Congregação Cristã, as redes de relações informais sejam particularmente densas e tenham uma importância elevada, e por isso a observação e análise das redes de relações informais é considerada sumamente importante.34 Ele não recorre, porém, a medições e cálculos matemáticos para analisar o mundo social e quantificar a centralidade da pessoa, a fraqueza ou força dos laços que possui etc., mas procede por análise qualitativa, mesmo correndo o risco da compreensão subjetiva de fenômenos sociais.

O alcance da rede social, e a sua capacidade de mobilizar recursos, são indicadores do seu valor como capital social, conceito analisado a seguir.

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