2. O sistema de proteção à infância e à adolescência
2.1 O sistema brasileiro de proteção: a Doutrina da Proteção Integral
2.1.3 A atuação do trinômio Estado/Família/Sociedade na efetivação dos direitos
EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E
ADOLESCENTE
No estudo da Doutrina da Proteção Integral analisamos como ela surgiu e a maneira que foi instituída no Brasil. Verificamos alguns de seus aspectos tais como princípios e direitos fundamentais que garante.
Restou falarmos a respeito das instituições que têm o dever de efetivar e garantir os interesses da infância e adolescência. Assim, dedicaremos este item para analisarmos estas instituições e como se dá a atuação de cada uma delas.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, que foi ratificada pelo Brasil pelo Decreto n° 678/72, e incorporou-se ao ordenamento jurídico brasileiro, prevê a proteção especial integral à infância e adolescência, em seu artigo 19 preconizando que “Toda criança tem direito às medidas de proteção que sua condição de menor requer, por parte da família, da sociedade e do Estado”.
Em 1988, a Constituição Federal reproduziu o referido artigo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos prevendo direitos fundamentais para a criança e o adolescente, ao dispor em seu artigo 227:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” 25
E em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente reproduziu no seu artigo 4º o disposto na Constituição:
“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
Da leitura desses dispositivos resta evidente que a garantia da proteção da infância e adolescência cabe a três instituições, quais sejam, a família, a sociedade e o Estado.
Paulo Afonso Garrido de Paula26 lembra:
“O Direito da Criança e do Adolescente, reiterando, tem por objeto a disciplina das relações jurídicas, formas qualificadas de relações interpessoais reguladas pelo Direito, entre crianças e adolescentes, de um lado, e de outro, família, sociedade e Estado.
O conjunto dessas relações integra o objeto formal do Direito da Criança e do Adolescente (...)”
A família é uma instituição social, caracterizada por uma relação hierarquizada que tem normas jurídicas que definem os direitos e os deveres de cada integrante.
Nesse sentido Sílvio de Salvo Venosa27 refere:
“...família é uma união associativa de pessoas, sendo uma instituição da qual se vale a sociedade para regular a procriação e educação dos filhos (...) Desse modo, como sociologicamente a família é sem dúvida uma instituição, o Direito, como ciência social, assim a reconhece e a
25 Com a redação dada pela EC nº 65, de 13 de julho de 2010.
26 Paulo Afonso Garrido de Paula. Direito da Criança e do Adolescente e tutela jurisdicional
diferenciada. p. 11.
regulamenta. (...) Não sem muita controvérsia, esse o sentido da família como instituição jurídica.”
A família possui um conjunto de elementos que interagem entre si, evoluindo e se organizando no tempo, de geração para geração, em função de suas finalidades e do ambiente.
Dentro do sistema familiar cada integrante tem por finalidade a realização de um projeto e atualização de identidade no exercício de papéis e funções. Assim, a criança e o adolescente representam um projeto de futuro, aspirações de desejo de continuidade, de perpetuação da espécie.
O que é vivido hoje pelas crianças e adolescentes irá refletir nas suas futuras famílias. Daí, a necessidade de melhorias e garantias no interesse da infância e adolescência, dado o papel de fundamental importância na sociedade.
A sociedade é o conjunto de pessoas que compõem o corpo social e tem um importante papel no Direito da Criança e do Adolescente. A sociedade possui o grande poder de exigir do Poder Público a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes, buscando a efetividade da proteção integral. A sociedade deve fiscalizar e participar das políticas públicas para garantir o efetivo cumprimento dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes.
Martha de Toledo Machado observa que a sociedade é chamada a:
“participar da defesa dos direitos de crianças e adolescentes, para reforçar a proteção integral. Com efeito, seja porque o interesse social na efetivação dos direitos de crianças e adolescentes é de particular magnitude na Constituição Federal, seja porque a Constituição impôs também à Sociedade e à Família o dever de asseguramento dos direitos fundamentais, a comunidade organizada, ou a sociedade civil para usar outro termo, foi chamada a participar tanto na esfera da tutela jurisdicional desses direitos como na esfera das políticas públicas necessárias à efetivação deles, participando direta-mente da
formulação, do controle e da execução das políticas públicas de atenção à infância e à juventude.”28
A participação da sociedade na defesa dos direitos da criança e do adolescente dá-se por meio da exigência na efetivação de políticas públicas que assegurem a proteção integral.
A sociedade está legitimada a provocar a prestação jurisdicional. Assim, a sua participação permite a utilização da tutela jurisdicional diferenciada.
A participação da sociedade na defesa dos direitos da criança e do adolescente também pode dar-se por meio de organizações representativas, que atuarão na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. No tocante as políticas públicas, a participação da sociedade veio expressa no artigo 227, § 7º, da Constituição Federal, que remete ao artigo 204, do mesmo diploma legal.
Podemos definir o Estado como sendo uma instituição organizada, política, social e juridicamente, em que o povo ocupa um território definido e, é dirigida por um governo que possui soberania. Resumidamente, o Estado é a organização político-jurídica de uma sociedade com governo próprio e território determinado.
Um Estado soberano é sintetizado pela máxima "Povo, Território e Governo.”
O Estado deve promover o desenvolvimento digno de crianças e adolescentes, por meio da efetivação de políticas públicas.
José Joaquim Gomes Canotilho29 afirma que:
“Os direitos sociais realizam-se através de políticas públicas („política da segurança social‟, „política da saúde‟, „política do ensino‟) orientados segundo o princípio básico e estruturante da solidariedade social.
28 Martha de Toledo Machado. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos
Humanos. p. 413.
29José Joaquim Gomes Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.7ª Ed. 2003. p.
Designa-se, por isso, política de solidariedade social o conjunto de dinâmicas político-sociais através das quais a comunidade política (Estado, organizações sociais, instituições particulares de solidariedade social e, agora, a Comunidade Europeia) gera, cria e implementa protecções institucionalizadas no âmbito econômico, social e cultural, como por exemplo, o sistema de segurança social, o sistema de pensões de velhice e invalidez, o sistema de creches e jardins de infância, o sistema de apoio à terceira idade, o sistema de protecção da juventude, o sistema de protecção de deficientes e incapacitados."
Optamos por denominar as três instituições que atuam em prol de garantir os interesses da infância e adolescência de Trinômio: Família/Sociedade/Estado. Pois podemos assim afirmar que há uma solidariedade entre elas no asseguramento de um ambiente adequado para o regular desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Entendemos que todas as instituições integrantes do Trinômio são responsáveis e possuem obrigações concorrentes. E, da interpretação do artigo 18 do ECA, depreende-se que a atuação de uma instituição não irá excluir a atuação da outra.
Nessa dinâmica da atuação solidária de Família/Sociedade/Estado observe-se que, por conta da interpretação do artigo 226, da Constituição Federal que dispõe ser a família a base da sociedade, entendemos que ocorre na família a atuação inicial na busca da satisfação dos interesses da criança e do adolescente.
A família tem papel fundamental na formação das crianças e adolescentes, pois as prepara para a vida em sociedade. Assim, cremos que é na família que há o início da busca de satisfação das necessidades fundamentais da criança e do adolescente.
Quando a satisfação dos interesses de petizes e jovens fugir do alcance da família, aí entra em cena a sociedade e o Estado, que deverão agir na concretização desses direitos.
A sociedade e o Estado agem de maneira a complementar a atuação da família, que foi insuficiente.
A sociedade também complementa a atuação do Estado. A sociedade atua por meio das suas organizações não governamentais. E o Estado por meio de seus entes. Ambos devem agir na implementação de políticas públicas voltadas especificamente para crianças e adolescentes de modo a efetivar os seus direitos fundamentais. Nos casos em que o Estado não consegue sozinho concretizar as políticas públicas, ele pode pedir o auxílio da sociedade.
Se o Estado não efetivar essas políticas públicas de interesse da infância e adolescência há a possibilidade de acionar-se o Poder Judiciário para obrigá-lo a fazê-lo, mediante ordem judicial, como veremos no capítulo 5.
2.2 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS