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3. Os direitos fundamentais da criança e do adolescente

3.1 Apontamentos a respeito dos direitos fundamentais

3.1.2 Análise dos direitos fundamentais da criança e do adolescente à luz da Doutrina

3.1.2.2 Direito à saúde

A saúde também se encontra entre os bens mais preciosos do ser humano e se consubstancia numa característica indissociável do direito à vida. O direito constitucional à absoluta prioridade na efetivação do direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em norma constitucional reproduzida nos artigos 7º e 11, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

A Organização Mundial as Saúde – OMS definiu a saúde como o completo bem-estar físico, mental e social. Assim, a saúde é uma questão boa qualidade de vida.

O direito à saúde da criança e do adolescente refere-se à preservação de sua integridade física e psíquica, levando-se em consideração a sua condição de pessoas em desenvolvimento.

A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil, no artigo 24, item 1º, preconiza que:

“Os Estados Partes reconhecem o direito da criança de gozar do melhor padrão possível de saúde e dos destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde. Os Estados Partes envidarão esforços no sentido de assegurar que nenhuma criança se veja privada de seu direito de usufruir desses serviços sanitários.”

O direito à saúde, à luz da Doutrina da Proteção Integral, deve ser entendido como um direito fundamental, que deve ser buscado na sua maior otimização possível, bem como com prioridade absoluta.

A prioridade do direito à saúde da população infanto-juvenil consiste na primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias, a preferência de atendimento nos serviços públicos, a preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas, bem como o privilégio na destinação de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à criança e ao adolescente.

O direito da criança e do adolescente à saúde também deve ser voltado para o desenvolvimento integral do seu ser. Assim, as políticas públicas devem ser específicas e condizentes com a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. No nosso ordenamento jurídico a legislação preocupou-se em prever esse tratamento especial a ser dispensado nos artigos 10 a 14, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Para assegurar o desenvolvimento saudável de recém-nascidos, bem como para evitar a troca destes, o artigo 10, do ECA prevê cuidados essenciais que deverão ser adotados nos hospitais e unidades de saúde públicos e particulares.

Segundo a melhor doutrina da Medicina Legal, será considerado recém-nascida a pessoa até 7 (sete) dias de vida.

Obrigatoriamente os hospitais e demais estabelecimentos de saúde, deverão garantir aos recém-nascidos:

- a manutenção, por dezoito anos, do registro das atividades desenvolvidas, por meio de prontuários individuais;

- a identificação do recém-nascido por meio do registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente;

- a realização de exames visando ao diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo do recém-nascido, bem como prestar orientação aos pais;

- o fornecimento de declaração de nascimento onde constem necessariamente as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato;

- a manutenção de alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a permanência junto à mãe.

O artigo 11, do Estatuto da Criança e do Adolescente assegurou o “atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.”

Também fará parte desse atendimento integral à saúde a garantia de atendimento especializado para crianças e adolescentes com deficiência, bem como a obrigação do Poder Público de fornecer gratuitamente medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação de crianças e adolescentes que necessitarem.

A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança no seu artigo 23, item 2º também destina proteção especial às crianças e adolescentes com deficiência ao prever que:

“Os Estados Partes reconhecem o direito da criança deficiente de receber cuidados especiais e, de acordo com os recursos disponíveis e sempre que a criança ou seus responsáveis reúnam as condições requeridas, estimularão e assegurarão a prestação da assistência

solicitada que seja adequada ao estado da criança e às circunstâncias de seus pais ou das pessoas encarregadas de seus cuidados.”

E, no item 3º do mesmo artigo, a Convenção acrescenta que se os pais ou responsáveis não tiverem condições financeiras, será gratuita a assistência à saúde da criança e adolescente com deficiência.

Importante destacar que o artigo 12, do Estatuto ao tratar da saúde infanto-juvenil, prevê a relevante garantia da permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável nos estabelecimentos de saúde, quando crianças e adolescentes estiverem internados.

Ainda no tocante ao direito à saúde infanto-juvenil, deve ser garantido um processo sistêmico que objetive a prevenção e cura de doenças e que vise à melhor qualidade de vida possível. Prevenir contra prováveis males que venham a atingir crianças e adolescentes na questão da saúde, é preservar a vida.

Esse processo preventivo se dá por meio das campanhas de vacinação, geralmente direcionadas às crianças e pela informação dada aos pais a respeito das maneiras de contagio das doenças e as suas formas de prevenção.

Nesse sentido temos o artigo 14 do ECA, que em seu parágrafo único prevê a obrigatoriedade da “vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.”

O caput do referido artigo 14 ainda acrescenta que:

“O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos.”

Somando-se a isso temos também a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança que preconiza expressamente no artigo 24, item 2º, letras “e” e “f” que os Estados Partes garantirão a plena aplicação do direito à saúde por meio de medidas apropriadas que visam a:

“Assegurar que todos os setores da sociedade, e em especial os pais e as crianças, conheçam os princípios básicos de saúde e nutrição das crianças, as vantagens da amamentação, da higiene e do saneamento ambiental e das medidas de prevenção de acidentes, e tenham acesso à educação pertinente e recebam apoio para a aplicação desses conhecimentos;”

e

“Desenvolver a assistência médica preventiva, a orientação aos pais e a educação e serviços de planejamento familiar.”

Ainda sobre o direito à saúde de crianças e adolescentes, importante ressaltar conforme preconiza o artigo 13, do ECA, os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente deverão ser, obrigatoriamente, comunicados ao Conselho Tutelar local, bem como deverão ser tomadas outras providências legais, sempre no sentido de preservar a integridade física e mental de petizes e jovens.

Ressalte-se que o direito à saúde infanto-juvenil tem ligação direta com a questão da mortalidade infantil.

A exemplo disso temos a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, que ao prever o direito à saúde, também se preocupou com a mortalidade infantil preconizando em seu artigo 24, item 2º, letra “a” que “Os Estados Partes garantirão a plena aplicação desse direito e, em especial, adotarão as medidas apropriadas com vistas a: a) reduzir a mortalidade infantil.”

A mortalidade infantil consiste na morte de crianças durante o seu primeiro ano de vida. Assim, para calcular essa taxa é observada durante um ano o índice de nascidos que morrem em comparação com o número de nascidos vivos, do mesmo período.

Para a comparação da taxa de mortalidade infantil entre os diferentes países ou regiões é feita a análise pelo número de óbitos de crianças com menos de um ano, a cada mil nascidos vivos. O índice considerado aceitável

pela Organização Mundial da Saúde - OMS é de 10 (dez) mortes para cada mil nascimentos.70

Da análise dos índices, é possível verificar que no Brasil a taxa de mortalidade infantil começou a cair a partir dos anos 90 (noventa), época em que a Constituição já havia consolidado os direitos fundamentais da criança e do adolescente e que o ECA já os havia disciplinado sob o enfoque da Doutrina da Proteção Integral. Daí se conclui que, a queda dessa taxa deu-se, em grande parte, em virtude da ruptura que houve com o sistema anterior e a transformação do Direito da Criança e do Adolescente no Brasil.

No plano constitucional, o direito à saúde está previsto no artigo 6º, como um direito social.

Como se pode observar, o Estado tem a responsabilidade de assegurar o direito à saúde da criança e do adolescente de maneira ampla mediante a prevenção e o combate de moléstias; o fornecimento de medicamentos; pela estruturação de serviços hospitalares e por meio do atendimento especializado para petizes e jovens com deficiência.

Dessa forma, a atenção à saúde de crianças e adolescentes constitui um direito social fundamental e um dever do Estado, que deve estar

70 O Fundo das Nações Unidas para a infância - UNICEF mantém uma ordenação dos países por

taxa de mortalidade. E, há poucos anos, o Brasil aparecia como um dos líderes no ranking dos países com maior taxa de mortalidade infantil da Organização das Nações Unidas. Contudo, hoje o Brasil está em 90º (nonagésimo) lugar no ranking, com número bem mais alto de mortes na faixa etária de 0 (zero) a 5 (cinco) anos do que o encontrado nos países desenvolvidos. A taxa de mortalidade infantil no Brasil caiu 61,7% (sessenta e um vírgula sete porcento) entre 1990 e 2010. Em 1990, eram de 52,04 (cinquenta e dois vírgula quatro porcento) mortes por mil nascimentos e hoje, em 2010 são 19,88/mil (dezenove vírgula oitenta e oito por mil), de acordo com um estudo publicado na última edição da revista médica “The Lancet”. Segundo o estudo, a mortalidade infantil caiu no Brasil a uma taxa anual de 4,8% (quatro vírgula oito porcento) de 1970 a 2010. Entretanto, nossos números ainda são muito superiores em relação aos países com o menor índice de mortalidade infantil, tais como, Islândia - 2,6 (dois vírgula seis); Suécia - 2,7 (dois vírgula sete) e Chipre - 2,8 (dois vírgula oito). Na Itália, o número é de 3,3 (três vírgula três); na Noruega de 3,4 (três vírgula quatro) e na França de 3,8 (três vírgula oito). O Brasil também perde em comparação com outros países em desenvolvimento, como o Chile - 6,48 (seis vírgula quarenta e oito); Cuba - 5,25 (cinco vírgula vinte e cinco); China - 15,4 (quinze vírgula quatro); México - 16,5 (dezesseis vírgula cinco); Colômbia - 15,3 (quinze vírgula três) e Argentina - 12,8 (doze vírgula oito). Os países com maior índice de mortalidade do mundo são a Nigéria - 168,7 (cento e sessenta e oito vírgula sete); Guiné-Bissau - 158,6 (cento e cinquenta e oito vírgula seis); Niger – 161 (cento e sessenta e um); Máli – 161 (cento e sessenta e um) e Chade - 114,4 (cento e quatorze vírgula quatro). Obtido em: http://veja.abril.com.br/noticia/saude/mortalidade-infantil-cai- 61-7-20anos. Página visitada em 19/03/2011.

plenamente integrado às políticas públicas governamentais. Importante a ser lembrado é que o Poder Público, em todas as suas esferas (Municipal, Estadual e Federal) tem o dever de assegurar o bem-estar das crianças e adolescentes, proporcionando-lhes o desenvolvimento com saúde.

E, caso o Poder Público não cumpra ou falhe no cumprimento dessa obrigação de assegurar o direito à saúde de crianças e adolescentes, nos moldes que acabamos de discorrer, há a possibilidade de se cobrar o seu cumprimento por meio do Poder Judiciário. O artigo 208, inciso VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê expressamente essa possibilidade de “ações de

responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular: de acesso às ações e serviços de saúde”.