3. Os direitos fundamentais da criança e do adolescente
3.1 Apontamentos a respeito dos direitos fundamentais
3.1.2 Análise dos direitos fundamentais da criança e do adolescente à luz da Doutrina
3.1.2.7 Direito à educação
Segundo preceitua o artigo 1º, da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases - LDB, "a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais".
Nina Ranieri registra que:
"Educação (...) constitui o ato ou efeito de educar-se; o processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano, visando a sua melhor integração individual e social. Significa também os conhecimentos ou as aptidões resultantes de tal processo, ou o cabedal científico e os métodos empregados na obtenção de tais resultados. E, ainda, instrução, ensino.”87
Acrescente-se que a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, em seu artigo 29, preconiza que a educação da criança e do adolescente dos Estados-partes, deverá ser orientada no seguinte sentido:
“a) desenvolver a personalidade, as aptidões e a capacidade mental e física da criança em todo o seu potencial;
b) imbuir na criança o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, bem como aos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas;
c) imbuir na criança o respeito aos seus pais, à sua própria identidade cultural, ao seu idioma e seus valores, aos valores nacionais do país em que reside, aos do eventual país de origem, e aos das civilizações diferentes da sua;
d) preparar a criança para assumir uma vida responsável numa sociedade livre, com espírito de compreensão, paz, tolerância,
87 Nina Ranieri. Educação Superior, Direito e Estado: Na Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/96).
igualdade de sexos e amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e pessoas de origem indígena;
e) imbuir na criança o respeito ao meio ambiente.”
Está na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente o detalhamento do conteúdo material do direito à educação no Brasil. A Lei de Diretrizes e Bases - LDB trata especialmente da oferta e da regulação dos sistemas de ensino.
O Estado e a família, com a colaboração da sociedade, têm a obrigação de garantir a formação intelectual das crianças e dos adolescentes que estão em peculiar condição de desenvolvimento.
A Constituição Federal prevê que o direito à educação tem como finalidade o pleno desenvolvimento da pessoa, de modo a prepará-la para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. E traz como princípios: - a igualdade para o acesso e permanência na escola; - a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; - o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; - a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; - a valorização dos profissionais da educação escolar; - a gestão democrática do ensino público; - a garantia de padrão de qualidade e - o piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.88
O Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 53 a 59 reproduz, quase que literalmente os artigos 205 a 214, da Constituição Federal. Assim, podemos resumir direito à educação no Brasil nos seguintes pontos relevantes:
a) Universalidade do acesso e da permanência;
b) Gratuidade e obrigatoriedade do ensino;
c) Atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos;
d) Atendimento especializado aos portadores de deficiência;
e) Oferta de ensino noturno regular e adequado às condições do adolescente trabalhador;
f) Acesso à escola próxima da residência e
g) Ciência dos titulares do poder familiar do processo pedagógico e participação na definição da proposta educacional.
Para fins de melhor esclarecimento, passamos a discorrer sobre cada um dos pontos mencionados.
a) Universalidade do acesso e da permanência:
O Estatuto da Criança e do Adolescente assegura a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e a Constituição Federal e Lei de Diretrizes e Bases prevêem essa universalidade do acesso e permanência como princípio da educação.
Com esse princípio, todo o sistema educacional brasileiro deve eliminar qualquer forma de discriminação para o ingresso e permanência na escola.
Assim, o direito à educação não é só o direito à vaga, mas é, também, o direito ao ingresso e à permanência.
b) Gratuidade e obrigatoriedade do ensino:
A educação deve ser oferecida de maneira obrigatória e gratuita pelo Poder Público e é um direito público subjetivo conforme preconiza o parágrafo primeiro, do artigo 208, da Constituição Federal. Sendo assim, pode ser exigida do Poder Público a qualquer tempo, já que é um direito líquido e certo de qualquer brasileiro.
A obrigatoriedade do ensino exige que os pais ou responsáveis efetuem a matrícula de seus filhos ou pupilos na escola. E, na falta dessa providência, poderá caracterizar-se a prática do crime de abandono intelectual previsto no artigo 246, do Código Penal. Com relação aos pais e ao responsável ainda podem ser aplicadas as medidas previstas no artigo 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como poderão eles responder pela infração administrativa capitulada no artigo 249 do referido diploma legal, pelo descumprimento de dever inerente ao poder familiar.
Poderá haver a aplicação das medidas de proteção definidas no artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente quando a criança e o adolescente não estiverem matriculados ou não frequentarem regularmente a escola, uma vez que estará configurada a situação de tutela especial.
Como se vê, é condição inerente ao direito à educação não só o dever da matrícula, mas também a regular frequência e o aproveitamento.
c) Atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos:
A educação infantil passou a ser obrigação do Poder Público e refere-se à creche e pré-escola. Alerte-se que não há a obrigatoriedade da matrícula, porém, sempre que os pais ou o responsável quiserem ou necessitarem do atendimento da educação infantil, sugira a correspondente obrigação da oferta.
A Lei de Diretrizes e Bases, em seu artigo 11, inciso V, incumbiu os Municípios a responsabilidade pela oferta de creches e pré-escolas, transferindo esse encargo para o sistema educacional e retirando do âmbito das políticas de proteção especial. Assim, a creche e a pré-escola passaram a se constituir em política social básica de educação e não são mais consideradas
uma espécie dos programas de apoio sócio-familiar89, nem integram as políticas de assistência social de caráter supletivo.
d) Atendimento especializado aos portadores de deficiência:
A inclusão social da pessoa com deficiência também se refere à inclusão escolar. O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 54, inciso III preconiza que é dever do Estado assegurar o “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.”
A Lei de Diretrizes e Bases também disciplina nos artigos 58 a 60 esse atendimento especializado às crianças e adolescentes com deficiência.
Na ausência do estabelecimento de educação adequado para receber crianças e adolescentes com deficiência haverá a responsabilização do Poder Público, que como acabamos de verificar na legislação brasileira, tem o dever de garantir o acesso e a permanência dos jovens nessa situação, em escolas que atendam a sua situação especial.
e) Oferta de ensino noturno regular e adequado às condições do adolescente trabalhador:
O ingresso do adolescente no mercado de trabalho faz parte da realidade de muitos brasileiros, por isso, a nossa legislação traz dispositivos que compatibilizam o trabalho com a frequência à escola.
Assim o artigo 54, inciso VI, do Estatuto e o artigo 4º, incisos VI e VII, da Lei de Diretrizes e Bases, deixa evidente a obrigação da oferta do ensino fundamental noturno para o atendimento dos jovens inseridos no mercado de trabalho.
f) Acesso à escola próxima da residência:
O artigo 53, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescente deixa evidente a imposição aos sistemas de ensino de que deverão ser estabelecidos critérios objetivos para a organização da matrícula de modo que a criança e o adolescente estudem em escolas próximas a sua residência. Esse dispositivo visa à manutenção da frequência escolar da infância e adolescência.
g) Ciência dos titulares do poder familiar do processo pedagógico e participação na definição da proposta educacional:
Os pais, na qualidade de detentores do poder familiar são os principais responsáveis pela educação de seus filhos. Assim, também devem participar da educação escolar dos filhos. O Estatuto da Criança e do Adolescente previu no artigo 53, parágrafo único essa participação. Referido dispositivo trouxe a previsão da participação dos genitores na responsabilidade pela definição da proposta educacional e, de terem a plena ciência do processo pedagógico adotado pela escola, com a finalidade de proporcionar a integração entre os pais e a escola.
A maneira de participação dos pais na escola e na ciência do processo pedagógico deve ser objeto de regulamentação pelos respectivos sistemas.
Vistos esses relevantes pontos do direito à educação da criança e do adolescente, nas palavras de Wilson Donizetti Liberati encontramos a síntese do significado desse direito:
“Na verdade, quando o Estatuto assegura à criança e ao adolescente igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, o direito de ser respeitado por seus educadores, o direito de contestar critérios de avaliação, o direito de organização e participação em atividades estudantis e o acesso à escola pública e próxima à sua residência, nada mais está fazendo que regulamentar a necessidade de
a criança alfabetizar-se de forma digna, o que a levará a ter uma convivência sadia e equilibrada na comunidade.”90
Por fim, acrescente-se que criança ou adolescente excluídos da escola, com faltas injustificadas e sem o adequado aproveitamento escolar, são crianças e adolescentes em situação de risco. E, por consequência, estão em situação de tutela.
Nessa situação surge a figura do Conselho Tutelar que não possui a atribuição de controle sobre a atuação da escola, mas tem legitimidade para verificar o aproveitamento escolar de determinada criança ou adolescente, para impor aos pais as providências para a correção. O Conselho Tutelar é o auxiliar da escola na superação das dificuldades individuais da criança e do adolescente com fins de permanência e sucesso escolar.
Assim nos casos de maus-tratos, reiteração de faltas, de evasão e dos elevados níveis de repetência, a escola é obrigatória a comunicação ao Conselho Tutelar, conforme preceitua o artigo 56, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Se mesmo assim, persistir a falta da atuação adequada dos pais e a impossibilidade de solução pela escola, o Poder Judiciário solucionará o problema garantindo os direitos da infância e adolescência.
A educação, portanto, deve destinar-se à promoção do desenvolvimento da personalidade da criança e do adolescente, bem como dos seus dons e aptidões físicas e mentais, na medida das suas potencialidades. Deve também preparar a criança e o adolescente para uma vida adulta ativa na sociedade e transmitir o respeito pelos pais, pela sua identidade, pela sua língua e valores culturais, bem como pelas culturas e valores diferentes dos seus.