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2. O sistema de proteção à infância e à adolescência

2.1 O sistema brasileiro de proteção: a Doutrina da Proteção Integral

2.1.2 Princípios constitucionais

Como dito, a Constituição Federal de 1988 dispensou um tratamento especial à infância e adolescência, sendo previstos direitos fundamentais específicos, distintos dos direitos dos adultos. Este sistema especial baseia-se em dois princípios magnos que visam a alcançar e garantir a proteção integral da infância e adolescência.

21 Em análise aos Direitos Humanos, Bobbio comenta que a Declaração dos Direitos da Criança

refere-se em seu preâmbulo à Declaração Universal, porém apresenta o problema dos direitos da criança como uma especificação da solução dada ao problema dos direitos do homem e, afirma que: “Se se diz que „a criança, por causa de sua imaturidade física e intelectual, necessita de uma proteção particular e de cuidados especiais‟, deixa-se assim claro que os direitos da criança são considerados como um ius singulare com relação a um ius commune; o destaque que se dá a essa especificidade, através do novo documento, deriva de um processo de especificação do genérico, no qual se realiza o respeito à máxima suum cuique tribuere.”; in: A era dos direitos, p. 35.

Os princípios constitucionais do Direito da Criança e do Adolescente são: a) o respeito à condição peculiar de pessoa em processo de desenvolvimento e b) a prioridade absoluta.

A) Respeito à condição peculiar de pessoa em processo de desenvolvimento:

O reconhecimento de pessoa em condição peculiar de desenvolvimento é uma visão fruto de um humanismo profundo, de práticas educativas no mundo todo e das descobertas recentes.

A condição especial de pessoa em desenvolvimento que as crianças e os adolescentes possuem é um conceito universal, previsto na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e em toda a legislação internacional que trata do assunto.

Nesse mesmo diapasão tal princípio é fundante desse sistema especial de proteção da infância e adolescência no Brasil.

Quando encaramos a criança e o adolescente como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, é no sentido que, tanto em termos físicos, como cognitivos e emocionais estão em condição diferenciada em relação aos adultos. Assim, a compreensão do que consiste esta peculiar condição de pessoa em desenvolvimento é de suma importância.

A criança e o adolescente são diferentes dos adultos em relação ao físico e ao psíquico, pois vivem uma diferença biológica, no desenvolvimento do organismo, do seu corpo, dos seus órgãos e são psicologicamente diferentes dos adultos. Com as descobertas psicológicas das características próprias dessas fases houve o reconhecimento das peculiaridades do período de crescimento e da diversidade do comportamento

Assim, a criança e o adolescente estão em condição especial, qual seja, a de pessoas em desenvolvimento. Eles são seres incompletos em relação aos adultos, pois estão em constante transformação nos aspectos físico, mental, social e moral.

Portanto, para fins do Direito da Criança e do Adolescente, o significado de “pessoa em desenvolvimento”, por presunção legal é a pessoa humana que se encontra em fase de imaturidade biopsíquico-social pelo fato de ser menor de 18 (dezoito) anos de idade.

Essa característica de desenvolvimento dá uma série de direitos e garantias especiais à criança e ao adolescente, que veremos mais adiante. Esses direitos são direcionados para as características mutáveis da infância e adolescência.

B) Prioridade absoluta:

Em conformidade com a conceituação fornecida pelo Dicionário Aurélio, a prioridade a qual nos referimos aqui, significa a preferência dada a alguém relativamente ao tempo de realização de seu direito, com preterição do de outros. Seria a primazia.

O princípio da prioridade absoluta consiste em colocar em primeiro lugar os interesses da criança e do adolescente no mundo jurídico. A concretização desses direitos deve ser prioridade na hierarquia das realizações, antecedendo qualquer outro interesse dos adultos.

O artigo 4°, parágrafo único, do ECA traz uma medida do que seria a prioridade absoluta ao dispor que: “A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.”

De acordo com o pensamento de Dalmo de Abreu Dallari esse rol mencionado é meramente exemplificativo, pois não estão especificadas todas as situações de prioridade para crianças e adolescentes.22

O princípio da prioridade absoluta não anula os direitos fundamentais dos adultos, mas apenas coloca os interesses das crianças e adolescentes num patamar superior. Assim, no momento em que se aplica tal princípio deve-se utilizar da razoabilidade realizando-se uma interpretação sistemática da Constituição para que não haja a violação dos direitos fundamentais dos adultos.

Dalmo de Abreu Dallari exemplifica a necessidade de se aplicar a razoabilidade quando se fala na prioridade absoluta da infância e adolescência, na “situação em que uma criança seja levada a um pronto-socorro, para ser tratada de um pequeno ferimento, lá chegando ao mesmo tempo um adulto em estado muito grave. Se houver apenas um médico no local, ninguém há de pretender que a criança receba a assistência em primeiro lugar.” 23

Esse princípio justifica-se pelo fato dos direitos da criança e do adolescente serem transitórios, já que a fase da infância e da adolescência passa muito rápido, exigindo, dessa forma, que a realização dos interesses seja imediata.

Em comento ao artigo 4°, do ECA o mesmo autor refere que:

“O apoio e a proteção à infância e juventude devem figurar, obrigatoriamente, entre as prioridades dos governantes. Essa exigência constitucional demonstra o reconhecimento da necessidade de cuidar de modo especial das pessoas que, por sua fragilidade natural ou por estarem numa fase em que se completa sua formação, correm maiores riscos. A par disso, é importante assinalar que não ficou por conta de cada governante decidir se dará ou não apoio prioritário às crianças e adolescentes. Reconhecendo-se que eles são extremamente importantes para o futuro de qualquer povo, estabeleceu-se como obrigação legal de todos os governantes dispensar-lhes cuidados

22 Estatuto da Criança e do Adolescente comentado, Munir Cury, p. 26.

23 Dalmo de Abreu Dallari. Comentários ao artigo 4º do ECA. In: Munir Cury et al. Estatuto da

especiais. Essa exigência também se aplica à família, à comunidade e à sociedade (...) no âmbito de suas respectivas atribuições.”24