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3. Os direitos fundamentais da criança e do adolescente

3.1 Apontamentos a respeito dos direitos fundamentais

3.1.2 Análise dos direitos fundamentais da criança e do adolescente à luz da Doutrina

3.1.2.6 Direito à liberdade

O direito à liberdade de crianças e adolescentes é complexo e de suma relevância, fato que o leva a ser tutelado em sua integralidade.

O Estatuto menciona em vários dispositivos o direito à liberdade da criança e do adolescente. E, no seu artigo 16, traz um rol dos aspectos que são compreendidos pelo direito à liberdade de crianças e adolescentes, ressaltando que esse rol não é exaustivo, mas somente exemplificativo, servindo, assim, de orientação para a garantia de outros direitos que possam surgir e que também deverão ser protegidos pelo Estado.

E, partindo da análise desses aspectos do direito à liberdade de crianças e adolescentes podemos dividir esse direito em:

a) Liberdade de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvados as restrições legais;

b) Liberdade de opinião e expressão;

c) Liberdade de crença e culto religioso;

d) Liberdade de brincar, praticar esportes e divertir-se;

e) Liberdade de participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;

f) Liberdade de participar da vida política, na forma da lei e

g) Liberdade de buscar refúgio, auxílio e orientação.

Antes de analisarmos cada uma dessas liberdades, importante destacar a liberdade de ação, que não está expressa nos incisos do artigo 16, do Estatuto, mas deve ser garantido, por se tratar do direito à liberdade geral.

O direito à liberdade de ação está previsto no artigo 5º, II, da Constituição Federal, que preconiza: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” Aqui temos o direito à liberdade geral que é vinculado com o princípio da legalidade. É a liberdade de fazer ou não fazer o que bem entender, até que surja uma lei que proíba. E esse direito à liberdade também se aplica às crianças e adolescentes.

José Afonso da Silva observa que se trata da “liberdade-matriz, a

liberdade-base, que é a liberdade de ação em geral, a liberdade geral de atuar, que decorre do art. 5º, II, da Constituição, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”75

a) Liberdade de ir, vir e estar

A liberdade de ir, vir e estar, diz respeito à liberdade de locomoção, prevista no artigo 5º, inciso XV, da Constituição Federal, em sentido mais amplo do que o disposto no artigo 16, I do Estatuto da Criança e do Adolescente. O dispositivo constitucional prevê que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.

Como se vê, a previsão é ampla, mas a criança o adolescente não gozam dessa liberdade em seu sentido amplo, pois a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento impõe algumas limitações à liberdade de

locomoção. Assim sendo, o artigo 16, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente ao prever o direito de ir, vir ou estar, colocou a salvo as restrições legais.

Dessa forma, a liberdade de ir, vir ou estar não significa que a criança e o adolescente podem se locomover nos logradouros públicos ao bel prazer. Petizes e jovens estão sujeitos à autorização dos pais ou responsáveis, que determinarão como se dará essa locomoção, sem impor um constrangimento abusivo ou excessivo, para não configurar cárcere privado, opressão ou violência.

Como exemplo destas limitações legais do direito à liberdade de ir, vir e permanecer, podemos citar os seguintes dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente:

- Artigo 75: Há a liberdade no acesso às diversões e espetáculos públicos para crianças e adolescentes, desde que haja a classificação de “adequado” para a faixa. Contudo observe-se que, a criança menor de 10 (dez) anos somente poderá ingressar e permanecer nos locais de apresentação e exibição quando acompanhada dos pais ou responsáveis.

- Artigo 80: É proibido à criança e ao adolescente ingressar e permanecer em locais que explorem jogos e apostas. Assim, os responsáveis por estes estabelecimentos deverão afixar aviso para orientação do público e cuidar para que não seja permitida a entrada nem a permanência de crianças e adolescentes no local.

- Artigo 83: A criança e o adolescente só poderá viajar para fora da Comarca, onde reside, desacompanhada dos pais ou responsável, desde que haja a autorização judicial.

O Estatuto da Criança e do Adolescente só não exige a autorização judicial quando:

- a viagem for para uma Comarca contígua à da residência da criança, na mesma unidade da Federação, ou na mesma região metropolitana;

- a criança estiver acompanhada por ascendente ou colateral maior de 18 (dezoito) anos, até o terceiro grau, com comprovação documental desse parentesco, ou estiver acompanhada de pessoa maior de 18 (dezoito) anos, desde que haja autorização expressa do pai, mãe ou responsável.

Se houver o pedido dos pais ou responsável, o juiz poderá, conceder a autorização para viagem com validade por dois anos.

- Artigos 84 e 85: No caso da viagem ser internacional também é necessária a autorização judicial que só será dispensada quando a criança ou o adolescente: - estiverem acompanhados de ambos os pais ou responsável; - viajarem na companhia de um dos pais, com autorização expressa do outro em documento com firma reconhecida.

Sem a prévia e expressa autorização judicial, crianças e adolescentes brasileiros natos, não poderão sair do país na companhia de estrangeiro residente ou domiciliado no exterior.

- Artigo 106: A criança jamais pode ser privada de sua liberdade, pois jamais poderá ser-lhe aplicada a medida sócio-educativa de internação. Já o adolescente só poderá ser privado de sua liberdade, quando for apreendido em flagrante76 pela prática de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada de juiz competente. A medida de internação só será aplica se não houver outra medida mais adequada.77

A respeito da medida sócio-educativa de internação importante destacar que ela tem dois tipos de limitação: - material e - temporal.

A limitação material diz respeito aos atos infracionais praticados, ou seja, somente quando: a) tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; b) por reiteração no cometimento de outras

76 Artigo 301 e seguintes, do Código de Processo Penal. 77 Artigo 122, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

infrações graves; c) por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.78

E a limitação temporal refere-se ao período máximo de internação permitido, que será de no máximo 3 (três) anos79 e, ao prazo máximo de até três meses de internação no caso de descumprimento reiterado e injustificável da medida sócio-educativa anteriormente imposta.80

No tocante à internação do adolescente, importante mencionar que poderá haver a internação provisória, que deverá durar no máximo 45 (quarenta e cinco) dias, devendo a ordem judicial estar fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrando a necessidade da medida.81

Caso não sejam obedecidas estas regras para a aplicação da medida de internação do adolescente a pessoa que efetuar a apreensão, ou manter a prisão ilegal, poderá responder pelos crimes previstos nos artigos 230, 234 e 235, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

No que tange à medida de internação do adolescente que pratica ato infracional, importante se faz destacar as palavras de Valter Kenji Ishida:

“O ECA, visando garantir os direitos do adolescente, contudo, condicionou-a a três princípios mestres: (1) o da brevidade, no sentido de que a medida deve perdurar tão-somente para a necessidade de readaptação do adolescente; (2) o da excepcionalidade, no sentido de que deve ser a última medida a ser aplicada pelo Juiz quando da ineficácia de outras; e (3) o do respeito à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento, visando manter condições gerais para o desenvolvimento do adolescente, por exemplo, garantindo seu ensino e profissionalização”.82

Ainda em análise à liberdade de ir, vir e estar, uma questão de bastante relevância deve ser trazida à baila. Trata-se do direito da criança e do adolescente estarem nas ruas, ou seja, no caso de estarem em situação de ruas,

78 Artigo 122, I, II e III, do Estatuto da Criança e do Adolescente. 79 Artigo 121,§ 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. 80 Artigo 122, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

81 Artigo 108, caput e parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

quando a rua pode ser atentatória à integridade física, psíquica e moral da pessoa em condição peculiar de desenvolvimento. Nesses casos o Estado deve agir por meio dos Conselhos Tutelares e Juízos da Infância e Juventude apreendendo as crianças e adolescentes encaminhando-os, se possível, para seus lares de origem ou senão, para abrigos ou lares substitutos.

João Roberto Elias observa que: “(...) devem ser coibidos os casos de „meninos de rua‟. Não se pode admitir a formação dessa subespécie de indivíduos, pois vai de encontro à dignidade humana”.83

Por fim, a liberdade de ir, vir e estar encontra-se protegida pelo

habeas corpus, de acordo com o artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição, sempre

que o adolescente sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

b) Liberdade de opinião e expressão

A liberdade de opinião é a liberdade de pensamento e de manifestação de pensamento. Ela é prevista no artigo 5º, inciso IV e IX, da Constituição Federal e no tocante à criança e o adolescente está preconizada no artigo 16, inciso II, do Estatuto.

José Afonso da Silva afirma que a liberdade de opinião e expressão é a “liberdade de pensar e dizer o que se creia.”84

A criança e o adolescente devem sempre ser estimulados a elaborar e externar seus pensamentos e opiniões sem limitações, pois essas atividades constituem fatores importantes na formação da personalidade.

A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança em seu artigo 14, item 1 preconiza que “Os Estado Partes respeitarão o direito da criança à liberdade de pensamento, de consciência e de crença.”

83 João Roberto Elias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 17. 84 José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 244.

E complementa a previsão deste direito com o artigo 13, item I, ao falar da liberdade de expressão como o direito da criança e do adolescente de procurar, receber e divulgar informações e ideias por qualquer meio.

No tocante ao direito da liberdade de opinião e expressão é de suma importância falarmos do artigo 28, § 1º, do ECA, que possibilita nos processos de guarda, tutela ou adoção, a oitiva de crianças para expressão de suas vontades.

Nos processos de colocação em família substituta, ou seja, guarda, tutela ou adoção, há a faculdade do juiz ouvir a opinião da criança e levá- la em consideração em sua decisão. Contudo, em se tratando de adolescente não haverá essa faculdade, por força dos artigos 28, § 2º e 45, § 2º, do ECA, em que é obrigatório haver o seu consentimento.

Por fim, conste que, o direito à liberdade de opinião e expressão de crianças e adolescentes sofrerá restrições, conforme preceitua o artigo 13, item 2, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança:

“O exercício de tal direito poderá estar sujeito a determinadas restrições, que serão unicamente as previstas pela lei e consideradas necessárias:

a) para o respeito dos direitos ou da reputação dos demais, ou

b) para a proteção da segurança nacional ou da ordem pública,ou para proteger a saúde e a moral pública.”

c) Liberdade de crença e culto religioso

A liberdade de crença é o direito da livre escolha da religião, da não escolha de religião alguma ou da mudança de religião. É algo íntimo, que não precisa ser exteriorizado.

A liberdade de culto religioso se dá por meio da exteriorização da crença religiosa através da participação em ritos, cerimônias, manifestações e reuniões da religião escolhida.

Crianças e adolescentes têm o direito não só de escolher uma religião, como também de exteriorizar a religião escolhida com a participação em cultos.

A questão principal que rapidamente vem à tona quando se fala no direito à liberdade de crença e culto religioso de crianças e adolescentes refere-se à educação e à matéria de “ensino religioso”.

Nenhuma criança ou adolescente é obrigada a frequentar aulas de ensino religioso, nem fazer avaliações. Sobre o assunto José Luiz Mônaco da Silva afirma que a criança ou adolescente:

“(...) é livre para escolher o culto religioso que melhor lhe aprouver. (...) Mas se os pais, de um lado, não podem obrigar o filho a cultuar determinada religião, as escolas, de outro, também não podem exigir de seus alunos a frequência de aulas de religião. É decisão do aluno permanecer ou não na sala de aula, não podendo a sua ausência importar em qualquer penalidade curricular.”85

Por fim, à semelhança da liberdade de opinião e expressão, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças em seu artigo 14, item 3, faz menção às restrições a esse direito:

“A liberdade de professar a própria religião ou as próprias crenças estará sujeita, unicamente, às limitações prescritas pela lei e necessárias para proteger a segurança, a ordem, a moral, a saúde pública ou os direitos e liberdades fundamentais.”

d) Liberdade de brincar, praticar esportes e divertir-se

A liberdade de brincar, praticar esportes e divertir-se consiste em deixar a criança e o adolescente livres para colocarem em prática suas fantasias, exteriorizarem a criatividade e gastarem a energia com esportes e diversões.

É uma liberdade especial inerente a todas as crianças e adolescentes, que estão em fase de desenvolvimento intelectual e físico e visa proteger a época da infância e adolescência.

As diversões como teatro, dança, música, esportes, brincadeiras, dentre outras, estimulam o desenvolvimento intelectual e físico da criança e do adolescente, o espírito criador e as fantasias, proporcionando o desenvolvimento saudável.

Assim o respeito a essa liberdade é importante para a formação da personalidade do adulto de amanhã.

e) Liberdade de participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação

A criança e o adolescente têm o direito de participarem de todos os assuntos que dizem respeito à sua família, devendo expressar suas opiniões que deverão ser levadas em consideração.

Têm também o direito de participarem da vida em comunidade, sem discriminações, ou seja, podem livremente se agrupar como outros jovens com ideias e atitudes semelhantes. Crianças e adolescentes têm o direito de participar da vida em sociedade, podendo associarem-se para opinar, manifestar as opiniões e realizarem atos que concretizem seus ideais e objetivos em comum.

O artigo 15 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança preceitua que:

“Os Estados Partes reconhecem os direitos da criança à liberdade de associação e à liberdade de realizar reuniões pacíficas. Não serão impostas restrições ao exercício desses direitos, a não ser as estabelecidas em conformidade com a lei e que sejam necessárias numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou pública, da ordem pública, da proteção à saúde e à moral públicas ou da proteção aos direitos e liberdades dos demais.”

f) Liberdade de participar da vida política, na forma da lei

Em se tratando da liberdade de participar da vida política, na forma da lei, a criança não dispõe da capacidade necessária para o exercício de atividades políticas.

Já o adolescente adquire essa liberdade aos 16 (dezesseis) anos, quando lhe é facultado o alistamento eleitoral e o voto dos 16 (dezesseis) aos 18 (dezoito) anos.86

Observe-se que esse direito à liberdade de participar na vida política não se restringe apenas aos adolescentes e somente no que se refere ao alistamento eleitoral facultativo. Também faz parte desse direito a participação da criança e do o exercício de outras atividades que podem configurar como políticas, a exemplo da participação, ativa ou passiva, em entidades estudantis.

O artigo 53, inciso IV, do ECA preconiza que “A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes direito de organização e participação em entidades estudantis.”

Trata-se da garantia da participação cívico-política, por meio do exercício ativo de participação política no plano social e constitui um valor pedagógico em si mesmo, já que configura um exercício prático de cidadania ativa.

g) Liberdade de buscar refúgio, auxílio e orientação

A liberdade de buscar refúgio, auxílio e orientação consiste em crianças e adolescente poderem solicitar auxílio e refúgio ao Estado, para serem colocadas a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Permite a busca de amparo fora do meio familiar, local onde geralmente podem ocorrer essas situações.

O artigo 86, do Estatuto estabelece que a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente será realizada por meio da articulação de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. E o artigo e 87, inciso III, do mesmo diploma legal, acrescenta que nessa política de atendimento está a prestação de serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão.

O artigo 130, do ECA prevê como medida de proteção das crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos, opressão ou abusos ou por parte dos pais ou responsável, que a autoridade judiciária poderá determinar como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum. E o artigo 141, do mesmo diploma legal, garante o acesso da criança e do adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.

Acrescente-se que o artigo 226, § 8º, da Constituição Federal preceitua que: “O Estado assegurará assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

Como se pode notar, as crianças e os adolescentes possuem a liberdade de buscar refúgio, auxílio e orientação, sendo incumbência do Estado garantir a efetivação desse direito.

Por fim, importante destacar que o direito à liberdade de orientação consiste na possibilidade de crianças e adolescentes receberem informações para sanarem dúvidas referentes aos seus direitos, por meio de órgãos do Poder Público ou entidades particulares.