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3. Os direitos fundamentais da criança e do adolescente

3.1 Apontamentos a respeito dos direitos fundamentais

3.1.2 Análise dos direitos fundamentais da criança e do adolescente à luz da Doutrina

3.1.2.9 Direito à profissionalização

No Brasil, há uma ampla legislação que cuida da profissionalização do adolescente. Embora essas leis não sejam efetivadas inteiramente, sendo o maior responsável o próprio Estado.

Escolhemos a profissionalização do adolescente como objeto central de nosso estudo, dada a relevância desse direito, a problemática de sua efetivação e o dever do Estado de proporcionar condições a crianças e adolescentes exercitarem esse direito de modo a atingirem o desenvolvimento pleno da personalidade.

Assim, passamos a analisar a legislação que disciplina o assunto da proteção do direito à profissionalização do adolescente.

O artigo 32, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança preconiza que:

“1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito de ser protegida contra a exploração econômica ou a sujeição a trabalhos perigosos ou capazes de comprometer a sua educação, prejudicar a sua saúde ou o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social.

2. Os Estados Partes tomam medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas para assegurar a aplicação deste artigo. Para esse efeito, e tendo em conta as disposições relevantes de outros instrumentos jurídicos internacionais, os Estados Partes devem, nomeadamente: a) Fixar uma idade mínima ou idades mínimas para a admissão a um emprego; b) Adoptar regulamentos próprios relativos à duração e às condições de trabalho; e c) Prever penas ou outras sanções adequadas para assegurar uma efectiva aplicação deste artigo.”

Estudos na área da saúde revelam que o trabalho infanto-juvenil é altamente prejudicial ao desenvolvimento físico, psíquico e emocional das crianças e dos adolescentes.

Assim, com fulcro na Doutrina da Proteção Integral e, no intuito de salvaguardar a infância e a adolescência, tendo em vista essa peculiar fase da sua vida, nossa Constituição Federal prevê o direito fundamental de crianças e adolescentes não trabalharem, mas sim, profissionalizarem-se.

A proteção do trabalho de crianças e adolescentes foi construída paulatinamente. Essa preocupação em proteger-se o trabalho infanto-juvenil iniciou-se com a Revolução Francesa. O doutrinador Amauri Mascaro Nascimento91 relata que durante a Revolução Industrial foram editadas leis trabalhistas europeias, que tiveram forte influência sobre a doutrina jurídica brasileira, provocando, aqui, manifestações de cunho reivindicatório por parte de diversos juristas.

91 Amauri Mascaro Nascimento; Irany Ferrari e Ives Gandra da Silva Martins Filho. História do

No Brasil somente com o advento da Constituição Federal de 1988 houve a proteção especial do trabalho infanto-juvenil, no seu artigo 227, em que ficou estabelecido o dever da família, da sociedade e do Estado proteger crianças e adolescentes de quaisquer espécies de exploração ou maus tratos, assegurando-lhes plenamente seus direitos, dentre eles a profissionalização.

No tocante à profissionalização dos adolescentes, o artigo 227 em seu o parágrafo 3º, incisos I a III prescreve que:

“O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; (...).”

A Constituição Federal, quanto à proteção especial do direito à profissionalização de adolescentes, no seu artigo 7º, XXXIII proibiu aos menores de 18 (dezoito) anos, o trabalho noturno, perigoso ou insalubre e, aos menores de 16 (dezesseis) anos, proibiu qualquer trabalho, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 (quatorze) anos de idade.

Acrescente-se que foram assegurados todos os direitos previdenciários e trabalhistas aos jovens trabalhadores e o mais importante, foi- lhes garantido o direito de frequentar a escola.

Temos ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente que protege a profissionalização da infância e adolescência à luz da Doutrina da Proteção Integral. Foi reservado um capítulo específico para disciplinar as regras quanto à profissionalização e à proteção no trabalho (Capítulo V, da subseção IV, da seção III, do Título II).

Do artigo 60 a 69, o Estatuto estabelece as regras sobre a idade mínima para a admissão ao trabalho; traça os contornos gerais da aprendizagem e do trabalho educativo; dá a proteção do jovem trabalhador com deficiência e traz as vedações ao trabalho do adolescente.

O Estatuto preconiza que o adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, devendo sempre ser respeitada a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, bem como a capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho.

A Lei ainda proíbe aos menores de 14 (quatorze) anos qualquer trabalho, salvo na condição de aprendiz.92

Segundo o ECA, ao adolescente aprendiz até 14 (quatorze) anos será garantida a bolsa de aprendizagem. E ao adolescente aprendiz, maior de 14 (quatorze) anos, serão assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários.93

Repare que diferentemente da Constituição, o Estatuto, permite o trabalho aprendiz aos adolescentes menores de 14 (quatorze) anos. Entretanto, por força da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, que alterou o artigo 7°, inciso XXXIII, da Constituição Federal, deverá ser entendido o artigo 60, do ECA como proibição ao trabalho dos menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, somente a partir dos 14 (quatorze) anos, pela razão de que a norma constitucional prevalece sobre as leis infra- constitucionais.94

A aprendizagem consiste na formação técnico-profissional em conformidade com a Lei de Diretrizes e Bases. Observando-se que essa formação técnico-profissional deverá seguir os seguintes princípios: - garantia de acesso e frequência no ensino regular; - atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente e - horário especial para o exercício das atividades.

No tocante ao adolescente que seja empregado, aprendiz, aluno de escola técnica, que trabalhe em regime familiar ou em programa social de trabalho educativo, o Estatuto da Criança e do Adolescente veda o trabalho:

92 Artigo 60, do Estatuto da Criança e do Adolescente. 93 Artigo 64 e 65, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

94 Entendemos que o artigo 60 do ECA não foi recepcionado pela Emenda Constitucional nº

- noturno, que é aquele realizado entre as 22 (vinte e duas) horas de um dia e as 05 (cinco) horas do dia seguinte;

- perigoso, insalubre ou penoso;

- realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social;

- realizado em horários e locais que não permitam a frequência à escola.

Como se vê, está proibido ao adolescente o trabalho que não leve em consideração a condição de pessoa em desenvolvimento, o trabalho noturno, perigoso, insalubre ou em locais prejudiciais à sua formação.

O Estatuto ainda garante ao adolescente portador de deficiência a proteção no trabalho.

Acrescente-se que o artigo 68, do Estatuto da Criança e do Adolescente, em termos de profissionalização, prevê ainda o trabalho educativo, ao possibilitar que um programa social de caráter educativo, seja de responsabilidade governamental ou não, mas desde que sem fins lucrativos, assegure ao adolescente a participação na capacitação para o exercício de atividade regular remunerada.

O trabalho educativo é considerado como atividade laboral, mas com a prevalência das exigências pedagógicas sobre o aspecto produtivo. Pela atividade no trabalho educativo o adolescente recebe uma remuneração pelo trabalho efetivado ou participação na venda, fato que não desconfigura o caráter educativo e também não caracteriza vínculo empregatício.

A exemplo de programas sociais que fornecem aos adolescentes o trabalho educativo temos: - o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial); - o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), - o SENAT (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte); - o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) e - o SESCOOP (Serviço Nacional de Cooperativismo).

Esse trabalho educativo desenvolvido nestes estabelecimentos é de suma importância na profissionalização de crianças e adolescentes, já que esses serviços de aprendizagem garantem os primeiros passos na profissionalização destes.

Ademais, todos os estabelecimentos de qualquer natureza (mercantil, industrial, bancários, dentre outros), são obrigados a empregar e matricular nos cursos de Serviços Nacionais de Aprendizagem, de 5% (cinco porcento) a 15% (quinze porcento) de aprendizes, sob pena de pagar multa administrativa à União, conforme o art. 434 da CLT.

Portanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao lado da Constituição da República, constitui importante arma na luta pela a prevenção e a erradicação do trabalho infanto-juvenil proibido.

Mas temos ainda mais legislações cuidando do assunto. O artigo 61, do Estatuto preceitua que: "A proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada por legislação especial, sem prejuízo do disposto nesta Lei."

A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT é a lei especial que regula as relações jurídicas estabelecidas entre empregador e trabalhador. A CLT tem um capítulo inteiro destinado à proteção do trabalho de menores de idade, que são aqueles entre 14 (quatorze) e 18 (dezoito) anos. As regras de proteção ao trabalho de adolescentes estão prevista nos artigos 402 a 441, da CLT. O adolescente não é incapaz para o trabalho, mas a legislação lhe protege de uma forma especial.

Alerte-se que a Consolidação das Leis do Trabalho, em conformidade com a Cosntituição, permite o trabalho do adolescente a partir dos 16 (dezesseis) anos de idade, proibindo o trabalho de crianças e adolescentes com idade inferior à mencionada, salvo na condição de aprendiz e desde que a partir de 14 (quatorze) anos de idade.

Assim, na legislação brasileira, considera-se como trabalho infanto-juvenil proibido todo aquele realizado por crianças e adolescentes com

idade inferior a 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 (quatorze) anos de idade.

Essa proibição tem caráter protetivo, ou seja, tem o intuito de evitar a contratação. Caso haja o vínculo empregatício com adolescente menor de dezesseis anos, esse contrato de trabalho será nulo. Ressalte-se que a prestação de trabalho gera efeitos no mundo jurídico pela impossibilidade de devolução das partes ao “status quo ante”, ou seja, não há como devolver ao trabalhador a força

de trabalho despendida. Por isso, havendo a prestação de serviços, mesmo sendo o contrato de trabalho nulo, o adolescente trabalhador fará jus a todos os direitos dele decorrentes, inclusive previdenciários.

Daí conclui-se que, o trabalho executado por crianças e adolescentes, mesmo que na situação proibida, deverá ser compensado, devendo ser pago todos os direitos trabalhistas e previdenciários, justamente no intuito de se proteger o trabalho infanto-juvenil e evitar o enriquecimento sem causa do empregador.

O art. 428, § 2º, da CLT garante ao adolescente aprendiz o salário mínimo hora, salvo condição mais favorável. Portanto, o aprendiz não poderá receber menos de um salário mínimo por mês.

O contrato de aprendizagem deverá ser por prazo determinado e não poderá ser estipulado por mais de 2 (dois) anos, exceto se o aprendiz for deficiente.95 Excedido o prazo de dois anos, transforma-se em contrato por prazo indeterminado, tornando-se um contrato de trabalho comum.

As empresas de pequeno porte e as microempresas, no tocante à contratação de adolescente aprendiz, ficam dispensadas de cumprir as disposições do art. 429, da CLT e art. 11 da Lei n. 9.841/99.

O art. 428, § 1º da CLT, arrola os seguintes requisitos para o contrato de aprendizagem:

- Contrato escrito com anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS, sendo que as anotações deverão ser feitas pelo empregador e não pela entidade onde se desenvolve a aprendizagem;

- Apresentar de matrícula e frequência escolar para o aprendiz que ainda não terminou o ensino fundamental e

- Inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade qualificada em formação com atividades teóricas e práticas.

O artigo 430, da CLT estabelece que se os Serviços Nacionais de Aprendizagem não oferecerem cursos ou vagas suficientes para atender à demanda dos estabelecimentos, as Escolas Técnicas de Educação ou entidades sem fins lucrativos que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, poderão supri-las.

A extinção do contrato de aprendizagem ocorre naturalmente com o seu termo ou quando o aprendiz completar 18 (dezoito) anos. E se extinguirá antecipadamente quando: - não houver a adaptação do aprendiz ou quando o seu desempenho for insuficiente; - o aprendiz cometer falta disciplinar grave; - houver ausência injustificada do aprendiz à escola que acarrete a perda do ano letivo e - o aprendiz pedir a sua extinção.96

O adolescente menor de dezoito anos pode receber pagamento de salários, contudo no caso da rescisão do contrato de trabalho, o jovem deverá estar assistido por seus responsáveis legais, sob pena de nulidade.

À semelhança do Estatuto da Criança e do Adolescente, a Consolidação das Leis do Trabalho, também enumera algumas situações que proíbe o trabalho do adolescente, tais como:

- O trabalho noturno: que é aquele realizado das 22 horas às 5 horas na atividade urbana; das 20 horas às 4 horas na pecuária e das 21 horas às 5 horas na lavoura para empregado rural;97

- O trabalho insalubre: ao adolescente menor de 18 anos é proibido o trabalho qualquer local que ofereça insalubridade;98

- O trabalho perigoso: que é, por exemplo, aquele em que são utilizados explosivos ou inflamáveis, ou que manipula energia elétrica, fios de alta tensão e outros;99

- O trabalho penoso: que são os trabalhos prejudiciais à saúde do adolescente, como por exemplo, trabalhar em minas, pedreiras, obras em construção civil, remoção de objetos pesados, movimentos repetitivos e outros.

O artigo 403, da CLT preceitua que o adolescente não poderá trabalhar em locais que prejudiquem sua formação, desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola.

O empregador deve proporcionar tempo suficiente para que o adolescente frequente as aulas.100

Por fim, importante ressaltar que os pais ou o tutor são os responsáveis legais do adolescente e, portanto, deverão protegê-los e afastá-los de trabalhos que diminuam seu tempo de estudo e repouso necessário a sua saúde e constituição física ou prejudiquem sua educação moral.

Ainda com referência à legislação trabalhista brasileira, importante salientar que, as convenções editadas pela Organização Internacional do Trabalho - OIT foram fundamentais para garantir a proteção do trabalho de crianças e adolescentes. Desde a sua criação, em 1919, a Organização Internacional do Trabalho tem aprovado diversas convenções e recomendações

97 Artigo 427, da Consolidação das Leis do Trabalho. 98 Artigo 405, I, da Consolidação das Leis do Trabalho. 99 Idem.

que se destinam à proteção do trabalho infanto-juvenil. O Brasil ratificou as Convenções da OIT nº 6, nº 16, nº 124, nº 138 e nº 182, conforme relata Arnaldo Süssekind.101

As convenções e as recomendações da OIT orientam os legisladores, os governantes e operadores do direito na busca de soluções para os problemas que envolvem a exploração do trabalho infanto-juvenil, sua prevenção e erradicação.

No tocante ao trabalho infantil, temos a Convenção nº 138, promulgada no Brasil em fevereiro de 2002102 com vigência em junho desse mesmo ano. Referida Convenção tem por objetivo a erradicação do trabalho realizado por crianças e a fixação de medidas de proteção às atividades executadas por crianças e adolescentes.103

A Convenção nº 182 complementa a Convenção nº 138 proibindo o trabalho infantil e estabelecendo as ações necessárias para a sua eliminação, levando em conta a importância da educação básica.

Segundo a OIT, as atividades que são mais lesivas e que atentam contra a dignidade das crianças, são as que abrangem a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas, o trabalho forçado ou obrigatório, a prostituição infantil, o recrutamento ou oferta de crianças em atividades ilícitas, o trabalho prejudicial à saúde, à segurança e à moral.104

Importante lembrar que as recomendações da OIT nº 146 e nº 190, pois elas reforçam a necessidade de medidas contra a exploração do trabalho infanto-juvenil.

101Arnaldo Süssekind. Convenções da OIT e Outros Tratados. São Paulo: LTr. 2007. 102 Decreto nº 4.134.

103Artigo 1º, da Convenção nº 138 da OIT: “Todo o País-Membro em que vigore esta Convenção,

compromete-se a seguir uma política nacional que assegure a efetiva abolição do trabalho infantil e eleve, progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego ou a trabalho a um nível adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do adolescente.”

As convenções e recomendações da OIT consideram como criança, para efeitos de abrangência de seus dispositivos, toda a pessoa de 0 (zero) a 18 (dezoito) anos incompletos.

Por fim, após análise à Constituição de 1988105, ao Estatuto da Criança e do Adolescente106 e à Lei de Diretrizes e Bases107, podemos concluir que, sob o enfoque da Doutrina da Proteção Integral, o direito à profissionalização diz respeito à política educacional. Ressaltando que, o artigo 62 do Estatuto de Criança e do Adolescente define expressamente a aprendizagem como sendo a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor. Portanto, inserida na área da educação.

3.2 A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E DO