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PARTE II – A pesquisa empírica

CAPÍTULO 8 Resultados e Discussão

8.3 Coleta e análise de dados

8.3.4. Aula 4 Narrativa histórica: “O enigma do pulgão no século XVIII”

A quarta aula foi reservada à aplicação da segunda narrativa histórica “O enigma do pulgão no século XVIII” (anexo 5), baseada nos estudos de reprodução em pulgões conduzido pelo naturalista Charles Bonnet, seguiu a mesma linha da narrativa anterior. Os dados apresentados nesta seção (quadros 16 e 17) referem-se às respostas dos grupos às questões inseridas na narrativa.

A atividade durou 90 minutos: 60 minutos para leitura, discussão em grupo e resposta às questões e 30 minutos para discussão coletiva a fim de explicitar os elementos de NdC.

Os resultados obtidos foram coletados via respostas escritas pelos grupos em campos específicos na narrativa, impresso e distribuída pelo instrutor. O primeiro protótipo dessa narrativa histórica foi composto por:

 Texto redigido em seis páginas e em formato de narrativa respeitando a cronologia dos eventos históricos;

179  Adição de duas questões de Natureza da Ciência, uma “interrompendo” a narrativa e outra ao final, abordando os aspectos interpretação de ideias científicas; carga teórica na observação e inferência; natureza dos experimentos

Informações gerais sobre o tempo de aula, ministrante, supervisão e público participante, bem como os conteúdos, objetivos, estratégias de ensino (com descrição de materiais, quando aplicável) e o modo de coleta de dados dessa aula estão sumarizados no quadro a seguir.

O estudo do episódio histórico sobre os estudos de Bonnet e a multiplicação sem acasalamento em pulgões, nos permitiu conhecer, em maiores detalhes, o percurso e o contexto no qual os processos se sucederam até o reconhecimento de uma nova forma de perpetuação animal. O aprofundamento forneceu oportunidades para identificar, aspectos inerentes a prática científica, por exemplo, o papel da interpretação de evidências, ou observação carregada de teoria, abordados na primeira pergunta da narrativa histórica (Questão 1).

Esses elementos possuem relevância para o ensino da natureza da ciência, pois, contradiz à visão ingênua de neutralidade dos cientistas. Conforme ilustrado em vários aspectos da narrativa, o desenvolvimento das ideias científicas é refletido pelo meio sociocultural, político, religioso, entre outros. Ou seja, não há imparcialidade, seja em conceitos científicos, seja na visão de cientistas; longe disso, suas concepções, as questões da época e o ambiente influenciam e desempenham papel primordial no produção científica (MOURA, 2014, p. 34).

AULA 4

“O enigma do pulgão no século XVIII”

Conteúdos Objetivos Estratégia de ensino

e coleta de dados Intervenção

Conteúdo histórico: O contexto dos estudos de Charles Bonnet sobre os modos de reprodução assexual em pulgões (gênero Aphioidea): partenogênese (1) Apresentar um problema autêntico da história da biologia sobre o contexto da descoberta de modos de reprodução animal; (2) Fomentar habilidades de investigação científica; (3) Discutir aspectos de NdC: interpretação de ideias científicas; carga teórica na observação e inferência; natureza dos experimentos;

Leitura de narrativa histórica fornecida aos alunos.

Coleta de dados: Respostas por escrito às questões (Paradas para Pensar) inseridas na narrativa; notas de campo. Instrutor: Doutorando Supervisão: Orientadora Tempo de aula: ~2 h Participantes: Três grupos (3 a 4 estudantes)

Questão 1: Todos esses naturalistas estavam olhando para dados semelhantes (pulgões), apesar da variação das espécies. Mas, ainda assim, eles chegaram a conclusões diferentes sobre como esses insetos se reproduziam. Por que você acha que diferentes explicações surgiram na tentativa de explicar o mesmo fenômeno?

180 Quadro 16. Rubricas da questão um da narrativa histórica “O enigma do pulgão”

Quadro 17. Trechos das respostas à primeira questão da narrativa “O enigma do pulgão”. Partes omitidas “[...]” desconsideravam aspectos das respostas. O conteúdo integral das respostas dos licenciandos encontra-se no

anexo 14

Ao analisar as respostas os licenciandos na primeira questão, sobre as relações entre o meio sociocultural e o desenvolvimento científico, observa-se que, suas ideias mostraram-se razoavelmente adequadas. Esse dado retrata, ao menos pontualmente, que a ideia de ciência neutra, descontextualizada e imparcial, não faz parte da concepção desse grupo de licenciandos.

De fato, o conhecimento científico está sempre localizado em um lugar e tempo específicos, portanto, inserido em uma cultura. É tanto “dirigido por objetivos”, perseguidos pela sociedade em geral e pela comunidade científica em particular, a fim de compreender a natureza; quanto “carregado por valores”, sejam eles epistêmicos ou éticos, consensualmente sustentados em cada momento da história (ADÚRIZ-BRAVO, 2015, p. 176).

Além desses fatores, foi abordado explicitamente na questão dois, o papel da observação e inferência; a resposta a resultados inesperados; interpretação de evidências e carga teórica na observação; e o papel das metodologias experimentais. Em ambas as narrativas esses elementos puderam ser versados, o que permitiu reforçar a concepção dos licenciandos sobre esses aspectos.

RUBRICAS

Aspectos de NdC: “papel da interpretação de evidências” e “carga teórica na observação ”

Adequada

Espera-se que o estudante explique que os naturalistas da época, assim como os cientistas modernos, possuem conhecimentos prévios e crenças pessoais distintas, de caráter social, cultural, político, religioso e/ou afins. Que muitas vezes (se não, todas) são guiados/orientados por teorias às quais são adeptos e defensores. Que possuem padrões de raciocínio diferentes. Que a observação e a interpretação dos fenômenos investigados são carregadas de juízos particulares.

Parcialmente adequada

Espera-se que o estudante argumente que as explicações são dependentes de conhecimentos prévios e de teorias as quais os naturalistas ou cientistas defendem. Que o contexto em que o observador está inserido influencia na interpretação. Que as crenças pessoais orientam a observação.

Inadequada

Espera-se que o aluno possa argumentar que as explicações distintas são oriundas da falta de ou da interpretação errada das evidências; que os cientistas seguem um método objetivo e que com mais dados e mais tecnologia serão capazes de chegar a um consenso ou a explicações melhores.

Grupo Respostas por escrito Nível

1

Cada investigador explica de acordo com a sua crença [...] dependendo daquilo que se crê, se tem uma visão diferente sobre determinado fenômeno/ situação. [...] o meio em que o investigador está inserido (laboratório em que está, por exemplo) e suas experiências anteriores influenciam como interpreta o fenômeno observado.

Adequada

2 Pelas concepções prévias e hipóteses que se formularam. Essas concepções influenciaram as interpretações que eles deram às observações [...].

Parcialmente adequada

3

Cada investigador possui suas concepções e crenças, dessa forma, eles tratam os dados e informações de formas distintas [...]. Além disso, o momento de observação também influencia.

Parcialmente adequada

181 Quadro 18. Rubricas da questão dois da narrativa histórica “O enigma do pulgão”

Quadro 19. Trechos das respostas dos grupos à segunda questão da narrativa histórica. As partes omitidas “[...]” desconsideravam aspectos das respostas. O conteúdo integral das respostas dos licenciandos encontra-se no

anexo 14. RUBRICAS

Aspectos de NdC: “natureza dos experimentos científicos”; “observação e carga teórica do observador”

Adequada

Espera-se que o estudante argumente que as evidências/ dados obtidos por Bonnet foram construídos por meio de modos ou métodos rigorosos de intervenção sobre a natureza. Que tais modos se baseiam na interpretação própria e é carregada de teoria durante as suas observações e inferências. Que os métodos empíricos confiáveis dependem do controle de variáveis, da replicação, do tamanho da amostra e dos resultados esperados. Enfatizar a importância da proposição de hipóteses sensatas sobre o fenómeno investigado a fim de fortalecer ou apoiar uma assertiva.

Parcialmente adequada

Espera-se que o estudante proponha que as explicações são baseadas em observações e inferências, influenciadas por conhecimentos prévios; que possam argumentar e propor explicações e hipóteses baseadas em experimentos e discutir que esses são ferramentas de obtenção de dados, e que apenas podem suportar (ou não) as suas alegações, que experimentos não são capazes de provar algo.

Inadequada

Espera-se que o aluno proponha explicações baseadas na existência de um método científico único. Que possa argumentar que a realidade é procedente dos dados/resultados obtidos principalmente (ou unicamente) por meio de um experimento, bem como abordar a ideia de “descobrimento”.

Grupo Respostas por escrito Nível

1

[...] isolar indivíduos coletados e observá-los durante muito tempo. Os indivíduos nascidos deverão ser isolados novamente e observados. [...] ao longo de diversas gerações. [...] alguns dos indivíduos nascidos da primeira “leva” poderiam ser separados em duplas e poderia se observar em diversas duplas se ocorreria cópula ou não [...]

Parcialmente adequada

2

Colocaremos os organismos em portes de vidro com alimento (plantas e luz). Os potes serão fechados de modo a impedir a saída dos pulgões e permitir a entrada de oxigênio (uso de rede). [...] um pote extra com formigas [...] fechado com rede fina para evitar que elementos externos entrem. Será feita a observação para identificar se no humor rejeitado por elas nascem pulgões [...]. No caso dos pulgões, deve ser feita a observação contínua [...]. Se os filhotes forem originados [...] devem ser separados e colocados em novos potes imediatamente e observados [...]. Esse procedimento deve ser feito para evitar erros [...] da criação de pulgões previamente fecundados.

Quando colocamos frascos com apenas 1 indivíduo e outro com 2 indivíduos é para identificar se eles conseguem se reproduzir sozinhos. [...]

Parcialmente adequada

3

Podemos separar os indivíduos recém-nascidos (que acabaram de sair da fêmea ou do ovo) para verificar se vão e reproduzir sozinhos. Se reproduzir sozinhos, podemos concluir que a reprodução não depende dos dois sexos. Caso contrário, [...] concluir que não é possível a reprodução sem a participação do outro organismo. Mas será que essa participação é uma forma de cópula? [...] teríamos que observar os indivíduos em um ambiente de laboratório (com condições naturais reproduzidas) por um grande período de tempo [...] para que seja possível verificar qualquer substância depositada no ambiente que possa servir como forma de fecundação da fêmea, mesmo sem cópula.

Adequada

Questão 2: A questão era: se a regra aceita para a reprodução animal era a participação de

ambos os sexos, como ocorria a multiplicação em pulgões se nunca foram vistos

182 A questão dois, além de abordar elementos empíricos da prática científica, tais como a observação; inferência e natureza dos experimentos, procurou considerar também, a ideia de observação carregada de teoria, ainda que de forma menos incisiva do que a primeira questão. O objetivo da pergunta, foi provocar os licenciandos a refletirem sobre o papel das entidades teóricas que “guiam” o problema investigado. Por exemplo: “quais as dificuldades de explicar ou admitir a ausência de cópula no processo reprodutivo desses insetos? ”.

Ao propor essa reflexão, fomentou-se a discussão acerca das teorias vigentes, crenças, conhecimentos prévios, treinamento, experiências e expectativas dos cientistas. Fatores que enquadram o raciocínio científico e impactam os problemas que os cientistas investigam e como eles conduzem suas investigações, o que eles observam (e não observam) e como eles fazem sentido ou interpretam suas observações (LEDERMAN, 2007, p. 834).

Em todos os grupos, o que se pode notar, uma vez mais, foram concepções arraigadas, de cunho empírico-indutivistas. Apesar de terem sido fornecidas explicações e desenhos experimentais mais detalhados, (mesmo carregados de equívocos conceituais) nos discursos dos licenciandos, há completa desvinculação entre o papel das teorias e a natureza dos procedimentos experimentais.

Esses elementos são dignos de atenção, pois, as narrativas como um instrumento diagnóstico permitem identificar as ideias científicas, com significativa margem de segurança. Pois, diferente de um questionário simplesmente declarativo, as narrativas são encorpadas com informações contextualizadas e explícitas, favorecendo a condução dos leitores à reflexão e compreensão do processo do fazer científico.

De todo modo, não se deve esperar que o recurso didático haja por si só. Mesmo subsidiado por um recurso didático contextualizado, a identificação das dificuldades dos licenciandos a partir das narrativas históricas, devem vir acompanhadas de uma discussão aberta e explícita por parte do instrutor, a fim de preencher as lacunas e tentar reverter concepções menos adequadas dos estudantes acerca dos aspectos tratados (KIM; IRVING, 2010; BILICAN; CAKIROGLU; OZTEKIN, 2015).

8.3.5. Aula 5. Objeto virtual de aprendizagem: “O enigma do pulgão no século XVIII”

A quinta aula da SD foi destinada à apresentação do protótipo de um Objeto Virtual de Aprendizagem com simulação virtual do percurso histórico dos estudos de Bonnet no século XVIII sobre a multiplicação sem acasalamento em afídeos, como sumarizado no quadro sobre a aula 5 e ilustrado nas Figuras 33, 34 e 35.

183 Informações gerais sobre o tempo de aula, ministrante, supervisão e público participante, bem como os conteúdos, objetivos, estratégias de ensino (com descrição de materiais, quando aplicável) e o modo de coleta de dados dessa aula estão sumarizados no quadro a seguir.

Como exposto no quadro da aula 5, o objetivo do primeiro protótipo do OVA foi o de discutir e explicitar os aspectos da NdC presentes nos estudos experimentais do naturalista, bem como problematizar sobre o uso de Tecnologias de Informação e Comunicação como ferramenta auxiliar ao ensino de ciências. À época dessa aula, o recurso ainda não estava finalizado, mas optou-se em apresenta-lo ainda que inconcluso aos licenciandos para conhecer ao menos a receptividade inicial sobre o recurso, bem como obter indícios sobre a praticidade de seu uso e sugestões dos licenciandos

A estratégia de intervenção foi uma aula expositiva dialogada oro objeto virtual, via recurso de Datashow. O instrutor iniciou a aula explicando os objetivos da apresentação, seguiu mostrando as páginas e interrompendo nos momentos de perguntas de investigação. Nesses momentos, o instrutor convidou os licenciandos a refletir sobre as questões de NdC e incentivou a resposta coletiva.

A despeito de o caráter exclusivamente validador dessa etapa da SD, a impressão deixada pelos licenciandos foi positiva, pois mostraram-se bastante engajados e interessados com a estratégia, especialmente com respeito ao caráter “novidade”, como percebido pela fala de alguns deles73:

73 Dados obtidos por meio de notas de campo pelo instrutor

AULA 5

“O enigma do pulgão no século XVIII”

Conteúdos Objetivos Estratégia de ensino

e coleta de dados Intervenção Conteúdo histórico: O contexto dos estudos de Charles Bonnet sobre os modos de reprodução assexual em pulgões (gênero Aphioidea): partenogênese (1) Apresentar protótipo de um objeto virtual de aprendizagem baseado em um episódio da história da biologia sobre o contexto da descoberta de modos de reprodução animal; (2) Discutir aspectos de usabilidade

e interatividade do recurso (3) Validar e refinar as características do protótipo Objeto Virtual de Aprendizagem. Apresentação oral Coleta de dados: Respostas por escrito às dúvidas da validação notas de campo. Instrutor: Doutorando Supervisão: Orientadora Tempo de aula: ~1:45 h Participantes: classe inteira

[Est#1]. É bem legal, mas acho que poderia levantar concepções prévias sobre tipos de reprodução, [Est#2]. É muito boa essa ideia, mas para melhorar, o aluno poderia clicar em um livro, abrir e ler(...), ou a carta de Réaumur

[Est#4]. Poderia pensar em aumentar as interações no laboratório: galhos etc.

[Est#6]. Os textos são bons, interessantes pelos aspectos históricos que informam. Acho que também seria interessante levar pulgões vivos, nem que seja só para serem vistos

184 Ao final dessa última aula, o instrutor conduziu uma síntese sobre todas as atividades realizadas e discutindo com os licenciandos dois aspectos principais: o papel do uso da história da biologia e ensino por investigação como subsídio à aprendizagem de NdC; e a viabilidade de tais estratégias readaptadas para o público do ensino básico.

Para a maioria dos licenciandos, a temática da SD, bem como sua maneira de ser conduzida, tratava-se de uma novidade. Desse modo, muitos admitiram ver aspectos positivos e reforçaram os benefícios para a aprendizagem de NdC, ainda que isso não se reflita de forma significativa nos dados analisados.

Entretanto, para alguns, houve relutância à utilização das estratégias com estudantes do Ensino Médio, mesmo em um curso de formação docente, fortemente amparado por disciplinas didático-pedagógicas e com programas voltados à produção de estratégias alternativas de ensino como, por exemplo, o PIBID. Seja pela falta de experiência, seja simplesmente por medo de não lograr êxito, a ideia de repensar as ações educativas e reconsiderar os meios convencionais parece, ainda, desconfortável.

Por isso, como foco desta pesquisa, entre os propósitos foi apresentar e incentivar novas ações educativas, tanto no que concerne aos conteúdos conceituais, quanto aos aspectos de NdC, a fim de promover reflexões sobre a prática do empreendimento científico, além da prática docente.

Figura 33. Interface inicial do OVA. Canto inferior da página, legendas, descrevendo os eventos e, canto inferior direito, botões de controle (navegação) do recurso virtual.

185 Figura 34. Etapa intermediária do objeto virtual. A imagem destaca em amarelo é “zoom” da planta contendo

pulgões da espécie observada por Bonnet. Legendas explicativas no canto inferior.

Figura 35. Interface final do objeto virtual, simulando o método de isolamento e instrumentos utilizados por Bonnet, no século XVIII e instrumentos de isolamento dos pulgões.

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