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CAPÍTULO 3. Animais, Plantas ou Animais-Planta? Os estudos de Abraham Trembley

3.1. Abraham Trembley (1710-1784)

3.1.5. Pólipos de água doce: a reprodução por brotamento

A investigação da forma de digestão dos pólipos foi mais uma tentativa ou critério que Trembley utilizou para tentar enquadrar essas criaturas, seja no reino animal, seja no reino vegetal. Todavia, com base nos conhecimentos da época, esse critério não se mostrou ser significativo a ponto de, definitivamente, classifica-lo como um animal ou vegetal.

Além da comparação com as vesículas ou grânulos discutidos por Marsigli, Trembley buscou respaldo em outro referencial de renome no século XVIII. Professor da Universidade de Leiden, Herman Boerhaave (1668-1738) desempenhou trabalhos relevantes na área de química e digestão. A sua obra Elementae Chimie, publicada em 1732, trouxe contribuições consideráveis para a história natural.

Nessa obra, em especial, o autor admitiu que, em certos casos, uma forma de distinguir animais de plantas, seria por meio da forma de absorção de nutrientes. Enquanto plantas extraiam nutrientes de raízes externas, animais, por outro lado, eram compostos por “vasos lácteos”, ou raízes internas, responsáveis pela absorção e distribuição dos nutrientes pelo corpo (TREMBLEY et al., 1744, p. 307; DAWSON, 1991, p. 191).

Como previamente abordado, Trembley não identificou quaisquer dessas estruturas, tanto aquelas descritas por Marsigli, quanto as definidas por Boerhaave. Ademais, as evidências obtidas em suas variadas e extensas observações lhe permitem ousar admitir: “O que observamos na segunda memória [de seu livro] a respeito da maneira como os pólipos se alimentam, são provas de que [pólipos] são animais, segundo a definição do senhor Boerhaave. Apesar de toda autoridade desse habilidoso naturalista, eu duvido que haja pessoas que sejam capazes de discordar” (TREMBLEY, 1744, p.307).

87 Entretanto, havia outro fator do conhecimento de Trembley que, além da curiosidade natural, pode tê-lo motivado a empreender tamanho afinco nas investigações. A “incomum” forma de perpetuação desses organismos.

Nos salões da Academia de Paris e entre os eruditos da sociedade europeia, já circulava a notícia da capacidade de multiplicação sem acasalamento dos pulgões, identificada pelo seu parente, Charles Bonnet.

Apesar de todas as evidências favoráveis acerca da regeneração total dos pólipos, Trembley foi ponderado com relação à perpetuação por brotamento. Afinal, diferentemente dos pulgões, secularmente conhecidos, a popularidade dos seus pólipos entre os eruditos era recente.

Desse modo, ele decidiu investigar mais a fundo o que chamou de “fecundidade dos pólipos”. Trembley realizou novas séries de experiências e observações na primavera, outono e inverno. Se preocupou em mensurar e indicar a influência da temperatura da água na geração dos brotos. A fim obter mais evidências, Trembley isolou filhotes recém separados das mães, de todas as espécies que mantinha em cultivo. “Eu comecei a isolar os brotos, de geração em geração, até à sexta” (TREMBLEY, 1744, p.171).

Além de observar, Trembley teve o cuidado de descrever a quantidade de brotos separados em cada dia, em um intervalo de 45 dias. Ao final desse tempo, Trembley observou que, vinte brotos são gerados, no intervalo de um mês (TREMBLEY, 1744, p.174).

Diante de todas essas observações, ele começou a refletir sobre a possibilidade de estar testemunhando mais um organismo capaz de exceder à regra da reprodução animal da época.

Ao examinar os pólipos que se alimentavam nos vasos de vidro, eu ficava sempre atento a todos os movimentos, a fim de verificar se não ocorreria entre eles algo de análogo aquilo outros animais se utilizam para fecundar. Porém, apesar de todos os cuidados que tomei e do grande número de pólipos que observei, eu jamais notei algo parecido. Isso me fez pensar que talvez os pólipos fossem como os pulgões, que, segundo a descoberta que se fez recentemente, são todos mães e se multiplicam sem cópula (TREMBLEY, 1744, p.190).

Contudo, frente a essa aparente novidade, Trembley não pode deixar de desconsiderar uma questão já bastante conhecida entre os naturalistas. O fenômeno praticamente imperceptível de reprodução que ocorre nas flores de plantas, entre pistilos e estames.

Ao pensar sobre esse fato, Trembley foi levado a pensar que, talvez, seus pólipos fossem capazes de estar realizando esse tipo de reprodução “invisível”. Uma vez mais, ele se apropriou de procedimentos experimentais para verificar a hipótese.

Aquilo que serve para fertilizar as Plantas, sendo muito secreto, e até mesmo imperceptível na maioria, das vezes, me veio à mente, que talvez os Pólipos pudessem se assemelhar às plantas a esse respeito. Foi

88 muito difícil, para não dizer impossível julgar se havia, de fato, tal semelhança entre os pólipos e as plantas (TREMBLEY, 1744, p. 191). Trembley desconfiou que talvez os braços e a cabeça dos pólipos pudessem contribuir para a fecundação. Para averiguar isso, ele isolou oito pólipos-mãe que possuíam brotos em estágio prematuros. Trembley então cortou a cabeça desses pólipos-mãe e à medida que voltavam a crescer, ele repetia o procedimento de corte. Desse modo, ele pode evitar qualquer comunicação entre os brotos e o pólipo-mãe. Trembley notou que, durante todo o tempo, os brotos cresceram normalmente, capturaram alimento e se destacaram do pólipo-mãe. Ele também isolou esses mesmos brotos recém destacados e eles foram capazes de se multiplicar normalmente e gerar novos filhotes idênticos (TREMBLEY, 1744, p.192).

A fim de verificar se os filhotes poderiam fecundar um ao outro, Trembley isolou uma mãe que continha dois brotos. Após coleta-los, ele cortou ambas as cabeças dos filhotes, evitando qualquer comunicação. Os brotos permaneceram crescendo normalmente e, depois de isolados, eles continuaram a se multiplicar. Por fim, para saber se poderia haver algum tipo de fecundação externa, tanto de sua própria mãe, quanto de outro pólipo exterior, ele seccionou um broto que era apenas um ponto, isolou em um recipiente e, pouco a pouco, o broto cresceu e, como os demais, foi capaz de se multiplicar.

Frente a todas essas observações, Trembley admitiu que “se ocorre algum tipo de “autofecundação” ela se faz de maneira imperceptível” (TREMBLEY, 1744, p.193). Ademais com base em toda a sua pesquisa, Trembley ressaltou:

Se não fomos capazes de descobrir como os pólipos são fecundados, pelo menos aprendemos que eles não o fazem como a maioria dos animais que conhecemos; e que, consequentemente, constituem uma exceção à chamada regra geral, aquela que admite não haver fecundação sem acasalamento; Regra essa, que já foi desmentida de maneira muito notável, pela descoberta feita há alguns anos sobre os pulgões (TREMBLEY, 1744, p. 194).

Nota-se, portanto, que mesmo após todas as suas contínuas séries de observação, Trembley é cauteloso ao não afirmar, mas sim, inferir a partir das suas pesquisas, que os pólipos seriam uma nova exceção à regra da reprodução sexuada.