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CAPÍTULO 2 Charles Bonnet (1720-1793) e os estudos sobre a multiplicação sem

2.4. Charles Bonnet, da formação às observações em história natural

2.4.6. Charles Bonnet e as observações com pulgões

No verão de 1740, longe dos ambientes de Paris, Charles Bonnet, ainda um estudante de Direito, passava as suas férias na casa de campo de seus pais, em Genthod, Genebra. Enquanto lia o terceiro volume das Memoires de Réaumur, Bonnet encontrou a questão deixada em aberto por Réaumur e decidiu investigar o problema pessoalmente. “Animado pelo convite de Sr. Réaumur, comecei em 1740 a tentar essa experiência com o pulgão do carvão (Figura 6) ” (Bonnet, 1745, p. 26).

Eram cinco horas da tarde, em Genebra, no dia 20 de maio de 1740 quando Charles Bonnet iniciou a experiência com um pulgão da fava29, após ter engendrado um meio de mantê-

lo isolado. “Certo de que o estava conduzindo como Diana, presa numa torre de marfim por ordem de Acrísio30 (BONNET, 1745, p. 27)”.

Ele separou um vaso utilizado para o plantio de flores, no seu interior adicionou uma garrafa contendo água e, utilizando terra de jardinagem, preencheu o espaço entre o vaso e a garrafa. Nessa garrafa, colocou um pequeno ramo da planta evônimo ou Fusain d'Europe

(Evonymus europaeus) contendo cinco ou seis folhas, após ter atentamente analisado cada uma

29 Pulgão da fava ou pulgão negro da fava (Aphis fabae, Scopoli, 1763)

30 Em muitos escritos de Bonnet aparecem analogias referenciando contos e mitos greco-romanos, reflexo da sua influência literária enquanto estudante. Conta a história que o oráculo de Apolo reportou ao rei Acrísio que um dia, o filho de Diana, (filha de Acrísio) poderia matá-lo. Temendo a profecia, Acrísio ordenou que Diana fosse aprisionada em uma torre de bronze para que não pudesse se casar nem ter filhos.

49 delas, certificando-se da ausência de qualquer outro pulgão. Feito isso, colocou sobre uma dessas folhas, um pulgão que viu nascer de uma mãe sem asas. Por fim, cobriu o pequeno ramo com outro recipiente de vidro um pouco menor, de maneira que a borda do pote ficasse disposta exatamente à superfície da terra contida no do vaso de flores (BONNET, 1745), garantindo que o pulgão recém-nascido permanecesse completamente isolado do meio externo (Figura 7). Figura 6. Acima, ilustrações de pulgões observados por Bonnet. “Fig 1”, imagem de um pulgão da fava sem asas

e “Fig 2” a mesma espécie, alada. Abaixo, fotografias atuais das mesmas de insetos representativos da mesma espécie.

Fonte: Imagem superior, Bonnet (1745, p. 285); imagem inferior, wikipedia.

Paciente, Bonnet registrou diariamente suas observações feitas de hora em hora e em intervalos menores, começando às 4 ou 5 da manhã e findando às 9 ou dez horas da noite (BONNET, 1745, p. 28). Naquele momento, seu pulgão tornou-se objeto único de sua atenção.

Procurou, também, se precaver de todos os problemas possíveis. Levou o experimento para seu quarto, onde podia analisar com mais frequência; quando não estava observando, guardava-o em um armário, evitando ao máximo a chance de outro inseto invadir o isolamento. Temendo que o sistema se tornasse um lugar inviável à sobrevivência do pulgão, aprendeu que regularmente precisava remover o copo de vidro para trocar o ar úmido formado pelos vapores de água, mas sem tirar os olhos de cada ação de seu pulgão (RÉAUMUR, 1742, p. 532).

50 Figura 7. Esquema elaborado para o isolamento do pulgão.

Fonte: Bonnet (1745, p. 292)

Como anteriormente comentado, os pulgões que Réaumur observou não conseguiram avançar além da segunda troca de pele, perecendo pouco tempo depois. Bonnet, por outro lado, descreveu que seu pulgão trocou de pele quatro vezes: nos dias 23 (com três dias de vida), 26, 29 e a última no 31 de maio, e detalhou, inclusive, a forma como o inseto se livrou da pele “velha”.

Utilizando as duas pernas traseiras, como ganchos, em um ato de “abraçar”, meu pulgão se esforçou para se pendurar no galho em que estava. Aos poucos, começou a se movimentar, [no interior de sua pele velha] movendo uma perna e depois todas as outras. Quando “suspenso” no ar, conseguiu abandonar a si mesmo. Um trabalho aparentemente muito rude, pois suas pernas não tiveram tempo para se fortalecer (BONNET, 1745, p.31).

Porém, ao longo da última muda que do pulgão, Bonnet temeu a morte do seu prisioneiro, e, portanto, a falha de seu experimento. Entre as causas que o preocupou, apesar da certeza do confinamento total e da impossibilidade de contato com qualquer outro inseto, foi ter notado que o pulgão parecia inchado e brilhante, aspecto similar àqueles pulgões que sofrem com vermes31 se alimentando em seu interior, além da ausência total de movimento. Todavia,

reconheceu que se tratava apenas de uma mudança normal de pele (BONNET, 1745, p. 31). Aos poucos o pulgão foi manifestando sinais de vitalidade. A posição de costas que estava permitiu verificar que seu ventre estava intacto [sem qualquer verme se alimentando dele]

31 O verme seria oriundo de um tipo de mosca (Ichneumom, família Ichneumonoidae) que pica o pulgão ainda vivo e deposita os seus ovos no interior do seu corpo. Pouco tempo depois o ovo eclode, gerando um pequeno verme que vive à custa do pulgão, impedindo seu crescimento. Por fim, o verme se transforma em ninfa, em seguida em mosca, semelhante a que tinha dado à luz (Bonnet, 1745, p.9).

51 e observar o movimento de agitação das pernas, como se quisesse mudar de posição (BONNET, 1745, p.31).

Bonnet retomou suas observações e percebeu que a troca de pele havia trazido uma pequena mudança na cor do seu pequeno prisioneiro. Peculiar aos pulgões da fava, a cor roxo escuro, quase negra e aveludada se fez notar. Reparou, também, ao olhar com o uso de uma vela, a presença de seis pontos brilhantes localizados num tipo de depressão, na lateral do corpo do pulgão. Para se convencer da quantidade desses pontos, posicionou o inseto sob a luz do sol, no entanto, a luz era refletida, apagando os pontos brilhantes (BONNET, 1745, p.31). A localização e tamanho desses pontos se situavam entre a cabeça e o “chifre32” do pulgão.

A observação desses pontos levou Bonnet a suspeitar que poderiam ser os órgãos da respiração ou “estigmas” (BONNET, 1745, p.33). Pois, há exemplos de insetos que possuem tubos, ligeiramente diferentes, que são usados para a respiração (NEWPORT, 1836, p. 529). Contudo, por hora, não levou adiante qualquer observação que sustentasse a sua suposição.

Considerou também investigar um comportamento que Réaumur atentou ocorrer em pulgões sobre folhas de ameixa. Os pulgões se agitavam, abaixando e levantando a parte posterior do corpo, movendo as quatro patas traseiras e mantendo apenas as duas primeiras em contato com a superfície da folha (RÉAUMUR, 1737, p. 296). O que Bonnet percebeu, observando o pulgão aprisionado, é que esse movimento servia para auxiliar a remoção tanto do líquido adocicado que produzia quanto de excrementos (BONNET, 1745, p. 36).

Ao longo do processo de crescimento do seu pulgão, Bonnet registrou e publicou o que julgou pertinente conhecer.