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CAPÍTULO 3. Animais, Plantas ou Animais-Planta? Os estudos de Abraham Trembley

3.1. Abraham Trembley (1710-1784)

3.1.6. Pólipos: vivíparos! E ovíparos?

Atualmente é reconhecido que as espécies de hidras estudadas por Trembley possuem distintos ciclos de perpetuação: as formas mais comuns são a reprodução por brotos e por regeneração Porém, ainda que em menor frequência, são capazes de se autofecundar por

89 hermafroditismo e de realizar reprodução sexuada, desenvolvendo óvulos e esperma (BOSCH, 2012; SCHAIBLE et al., 2017).

No tocante à reprodução sexuada, Trembley admitiu que, em momento algum durante suas investigações, foi possível observar quaisquer fenômenos relacionado à fertilização, seja interna, externa, ou mecanismos análogos à cópula. Entretanto, ele não deixou de especular sobre possibilidade de existência de ovos nos pólipos.

A sua suspeita foi proveniente de uma observação de diminutas excrecências esféricas presas à parede externa dos pólipos, de coloração branca e amarelada (Figura 18). Trembley afirmou ter notado que essas excrescências permaneciam um tempo anexadas ao pólipo, mas que logo se desprendiam, caíam no fundo do recipiente e não se tornavam coisa alguma.

Figura 18. À esquerda, “Fig 2”, ilustração da espécie Hydra vulgaris e os corpos esféricos observados por Trembley, representados pelas duas letras (e). À direita, a fotografia da mesma espécie contendo diversos ovos

presos ao corpo.

Fonte: Trembley, 1744, p. 285. Prancha 10. Fonte: Iowa State University. Department of Ecology, Evolution, and Organismal Biology (EEOB). Acesso em: https://www.eeob.iastate.edu/faculty/DrewesC/htdocs/hydra-go.htm

Contudo, Trembley alegou ter observado uma vez, que no exato lugar onde havia caído uma excrescência, havia um pólipo aparentemente malformado e suspeitou que, talvez, tenha sido originado da excrescência (TREMBLEY, 1744, p.196). Diante da suspeita, Trembley tentou observar com mais atenção.

Por isso, é necessário repetir essas observações, a fim de julgar com mais precisão o que acontece com os pequenos corpos esféricos em questão. Mas ao supor que eles se transformem em pólipos, eu não sei se poderíamos olhar para eles como ovos, ou como pólipos que acidentalmente assumem uma forma esférica, e então perecem, ou atingem o estado perfeito de pólipo. [...] Se, de fato, fossem ovos de

90 pólipo, esses animais seriam ovíparos e vivíparos (TREMBLEY, 1744, p. 197).

Após ter observado diversas vezes, Trembley não conseguiu observar nenhum pólipo eclodindo desses corpos esféricos. Além disso, ele suspeitou ser algum tipo de doença, pois os pólipos tentavam remover esses corpos, usando seus próprios braços. Ele observou e descreveu que os corpos esféricos possuem formas distintas em cada espécie isolada.

Entretanto, no campo especulativo, pode-se inferir que Trembley estava observando um estágio do ciclo de reprodução assexual dos pólipos. Três dos quatro grupos formados pelo gênero Hydra, observado por Trembley, são capazes de se reproduzir de forma sexuada, formando gônadas, óvulos e espermatozoides. Se a fertilização for bem-sucedida, o ovo produz uma teca, se destaca do corpo do animal e tende a cair no sedimento. Em seguida, eclode e se desenvolve, seja em uma nova linhagem genética ou um clone (SCHAIBLE et al., 2017, p. 239).

Em geral, a reprodução sexuada é limitada a períodos de tempo distintos e curtos, a depender da resposta a mudanças nas condições ambientais, incluindo variações de temperatura, foto período e/ou disponibilidade de alimentos (KALISZEWICZ, 2011, p. 150).

Desse modo, ainda que tenha sido incapaz de “confirmar” suas suspeitas acerca da presença e função dos ovos nos pólipos observados, Trembley deixou esse legado que, possivelmente, deve ter sido investigado por outros naturalistas e ou interessados no assunto.

Ademais dos experimentos de fecundidade dos pólipos, Trembley refez e séries coordenadas muitas das experiências de regeneração, a fim de testar a vitalidade desses organismos, ou como se denominava “economia animal” (TREMBLEY, 1744, p.53).

Ele utilizou de variados expedientes cirúrgicos, seccionando animais longitudinal e transversalmente em várias partes do pólipo. Além disso, ele ousou realizar intervenções experimentais ainda mais radicais, como “vestir” um pólipo dentro de outro, cortar, implantar e produzir hidras com sete e outo cabeças implantar em outro pólipo. “Eu vi essas Hydras se alimentarem ao mesmo tempo em todas as suas bocas” (TREMBLEY, 1744, p. 246).

Desde o princípio de suas observações, uma preocupação se sempre acompanhou Trembley foi tentar identificar a natureza dos pólipos – o dilema animal ou vegetal. Apesar de sua forte inclinação em classifica-lo como animal, o naturalista evitou negligenciar qualquer pista que lançasse dúvidas acerca da sua suposição.

Todavia, o seu interesse ia para além de nomear e classificar, como era bastante comum nos estudos da época. Ao contrário, baseado em uma tradição de experimentadores, Trembley almejou conhecer o funcionamento, da morfologia à fisiologia desses organismos. Ao estudar,

91 sistematicamente, repetindo e variando observações e experimentos, ele foi apto a evidenciar seu modo de perpetuação: brotamento, regeneração natural e artificial, acompanhar e entender os hábitos alimentares e processos digestivos, locomoção, entre outros aspectos (PRESTES; MARTINS, 2014, p. 366).

Com base nesse extenso conjunto de evidências, Trembley considerou que os pólipos deveriam ser identificados como animais simples, contrariamente à ideia de animais-plantas, ou zoófitos, como se denominavam os seres “intermediários. Com relação a isso, ele escreveu: A fim de ser capaz de decidir que um corpo organizado não é nem um animal, nem uma planta, mas deva ser localizado numa classe intermediária entre animais e plantas; a fim de ser capaz de decidir, eu digo que seria necessário conhecer precisamente todas as propriedades as quais tanto animais, quanto plantas estariam suscetíveis. Como temos visto, nós estamos muito longe deste conhecimento, somente quando alcançarmos tais conhecimentos é que poderemos criar novas classes de corpos organizados. Enquanto esperamos isso, é muito mais natural considerar os Pólipos e outros corpos organizados que tem recebido o nome Zoófitos, como animais; animais que tem mais similaridades com plantas do que com outros [animais] (TREMBLEY, 1744, p. 308).

Como se pode perceber, o trabalho do naturalista genebrês Abraham Trembley é de uma extensão, no mínimo, surpreendente, dada a qualidade da narrativa apresentada, dos detalhes fornecidos, do cuidado experimental e metodológico, da conduta como observador atento e preocupado com “fatos” em contraposição a especulações.

O conjunto completo dos seus estudos, foram publicados em 1744, em Leiden, na Holanda, por meio da sua obra intitulada “Memórias para servir à história de um gênero de pólipos com braços em forma de chifres” (figura 19).

Até aqui, portanto, discorremos basicamente sobre a parte “científica”, isto é, procedimental, empírica e metodológica dos estudos de Trembley. Na seção a seguir, discutiremos, brevemente, sobre as implicações que os seus resultados produziram para a ciência e os reflexos de sua pesquisa para o contexto sociocultural da época.

92 Figura 19. Frontispício do livro de Trembley, publicado em 1744, na Holanda. Note que, na autoria, Trembley é

apresentado como membro da Royal Society, uma honraria concedida dois anos após suas pesquisas e contribuições à história natural.