• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 Charles Bonnet (1720-1793) e os estudos sobre a multiplicação sem

2.4. Charles Bonnet, da formação às observações em história natural

2.4.3. O problema dos pulgões no século XVIII

43 A história natural dos pulgões (ou afídeos) foi apresentada na nona memória do terceiro volume da obra Memoires pour servir a l’Historie des insectes, de Réaumur, publicada em 173726.

Em 69 páginas, Réaumur ofereceu detalhes e hábitos desse inseto que foi objeto de sua atenção e de outros naturalistas. Réaumur observou várias espécies de pulgões e definiu algumas características comuns, apesar de ter feito uma crítica ao termo:

O nome pulgão não deveria ter sido dado, pois em nada se assemelham àqueles insetos vívidos, ágeis e saltantes, como as pulgas. Nossos pulgões são insetos muito tranquilos, de caminhar lento e pesado [...] possuem seis longas e delgadas pernas que parecem não suportar o seu peso quando alcançam o tamanho final (RÉAUMUR, 1737, p. 284).

Em geral, são insetos pequenos, com umas espécies maiores do que outras, mas fáceis de distinguir por meio de uma lupa e reconhecer suas principais partes [...], algumas espécies ganham asas e se transformam em diversas espécies de mosquitos, que chamamos de pulgões alados [...]. Aqueles que não possuem asas, tem o corpo parecido com uma mosca sem asas (Figura 4) [...]. Todos têm duas antenas sobre a cabeça. Em algumas espécies elas são muito longas à frente da sua cabeça, outras as antenas ficam apoiadas sobre seus corpos; e em outras espécies as antenas são muito maiores do que o seu próprio comprimento. A maioria das espécies possuem dois cornos localizados na parte posterior e acima do corpo, porém muito mais curtos e mais grossos do que as antenas, lado a lado e com a mesma inclinação (RÉAUMUR, 1737, p. 283).

Os pulgões se diferenciam entre si por sua variedade de cores [...] há um grande número de verdes, distintos por sua tonalidade [...] há verdes-marrom, verdes-claro, verdes-limão, mas também existem pulgões marrom, preto, branco, cor de bronze, e cor de canela [...]. Ao que parece, para cada tipo de planta, há uma espécie de pulgão [...]. São insetos que vivem em sociedade e encontrados em grande número, unidos ao caule, as folhas e aos jovens brotos das plantas [...] essas partes são, por vezes, cobertas de pulgões (RÉAUMUR, 1737, p. 283).

Os pulgões se diferenciam entre si por sua variedade de cores [...] há um grande número de verdes, distintos por sua tonalidade [...] há verdes-marrom, verdes-claros, verdes-limão, mas também existem pulgões marrom, preto, branco, cor de bronze, e cor de canela [...]. Ao que parece, para cada tipo de planta, há uma espécie de pulgão [...]. São insetos que vivem em

26 Afídeos, popularmente conhecido como pulgões, são insetos da ordem hemíptera, que vivem de uma dieta de seiva de plantas. Atualmente compreendem aproximadamente 4700 espécies entre três famílias principais: Aphididae, Adelgidae e Phylloxerida. Todas as espécies conhecidas são ciclicamente partenogenéticas, isto é, sazonalmente alternam entre uma ou várias gerações em que os ovos não fertilizados se desenvolvem em fêmeas, e uma geração sexual em que ovócitos deve ser fertilizado por um espermatozoide (DAVIS, 2012, p. 2)

44 sociedade e encontrados em grande número, unidos ao caule, as folhas e aos jovens brotos das plantas [...] essas partes são, por vezes, cobertas de pulgões (RÉAUMUR, 1737, p. 283).

Figura 4. Imagens representativas de pulgões observados por Réaumur, no século XVIII. “Fig 1”, uma ilustração lateral; “Fig 2” imagem mostrando a posição ventral e “Fig 4”, imagem lateral de um pulgão alado.

Fonte: Réaumur (1736, p. 493)

Esses insetos são armados com uma tromba fina (percebida somente com o uso de uma lupa) e as usam para picar a epiderme das folhas ou brotos e sugar um líquido do qual se alimentam [...]. A ação de picar e sugar, em vez de destruir essas partes das plantas, faz com que se tornem mais grossas, espessas e enrugadas (Figura 5) [...]. (RÉAUMUR, 1737, p. 283). Fato também afirmado por Bonnet: “ao observar algumas espécies de pulgões sobre as jovens folhas e brotos das plantas, notei que as folhas se enrolavam sobre si, e ocasionalmente formavam grossos tumores de aspecto monstruoso” (BONNET, 1745, p. 2).

Figura 5. Imagem representando tumores nas plantas habitadas pelos pulgões.

45 Entretanto, apesar de os pulgões serem causadores de danos em vários tipos de plantas, o motivo maior de atenção dada a esses insetos foi outro - a incerteza sobre como esses animais se perpetuavam. A forma de geração dos pulgões (afídeos) vinha, há tempos, suscitando a curiosidade de naturalistas e eruditos, devido ao seu caráter singular.

Ainda no século XVII, o italiano, Giacinto Cestoni (1637-1718) havia atestado que pulgões podiam produzir descendentes sem fecundação, pois nunca tinham sido vistos copulando (PRESTES; MARTINS, 2014, p. 346).

Essa ausência de cópula forneceu motivos para o aparecimento de diversas suposições e tentativas de explicações para a geração dos pulgões. Johannes Goedaert (1617-1668)27 ,

estudioso dos insetos que se destacou por pinturas de insetos, considerou que os pulgões nasciam de “sementes líquidas” postas por formigas nas folhas das plantas. Essa dedução foi baseada na observação entre os dois animais que, segundo Goedaert, os pulgões alimentavam as formigas como “verdadeiras vacas” (PLATEAU, 1868, p. 20).

Em 1695, Antonie Philips van Leeuwenhoek (1632-1723) notou que folhas e brotos de cerejeiras e ervilhas, às vezes, possuíam um formato distorcido e amassado. Ao examinar minuciosamente, viu que essa má-formação era causada por pulgões. Leewenhoek tentou compreender a vida desses insetos e procurou por ovos, mas não os encontrou. Ao realizar um procedimento cirúrgico de abrir o corpo desses pulgões, ele observou com uma lupa, jovens insetos em miniatura, semelhantes às mães. Além disso, observou que um pulgão com apenas 15 dias de idade, poderia dar origem à 60 filhotes. Concluiu, portanto, que as fêmeas não fertilizadas eram vivíparas, notou que, nessas espécies, havia ausência de pulgões alados (PHILLIPS, 1903; MIALL, 1912).

Giacinto Cestoni (1637-1718) defendia, também, que os pulgões eram hermafroditas – a mesma espécie possuía ambos os sexos - porém não apresentou provas para essa afirmação (BARGAGLI, 1869, p. 264) Cestoni observou ainda que, tanto os pulgões com asas quanto os sem asas eram vivíparos, porém, suspeitava que eram duas espécies distintas que viviam juntas (RÉAUMUR, 1737, p. 325).

Por outro lado, Gabriel Phillipe de La Hire (1640-1718) escreveu que esses insetos se reproduziam por meio de ovos, como fazem as moscas comuns. Durante o inverno os pulgões se refugiavam em tocas e saindo na primavera para botar seus os ovos; observações publicadas na Academie de Sciences de Paris, em 1703 (RÉAUMUR, 1734).

27 Goedaert publicou, entre 1662 e 1667, três volumes da obra Métamorphoses naturelles ou Histoire des insectes observée

tres-exactement suivant leur nature & leurs propriétés (Metamorfose natural ou história dos insetos observados na natureza

e suas propriedades). O trabalho inclui os resultados de sua investigação sobre a metamorfose dos insetos, acompanhado por observações originais e algumas experiências realizadas por conta própria.

46 O alemão Johann Leonhard Frisch (1666–1743), então, diretor da Academia de Ciências de Berlim, ao observar variadas espécies de pulgões, considerou que os alados pertenciam ao sexo masculino e publicou uma memória reportando suas observações em 1711 (RÉAUMUR, 1737, p. 324).

Em 1724, o francês Claude-Joseph Geoffroy (1685-1752) escreveu uma memória discorrendo que a espécie alada de pulgões do ulmus (puceron d’ormes) era vivípara. Pois ao sequestrar essa espécie e observar o seu nascimento, notou que os filhotes possuíam a mesma forma da mãe, porém sem asas; um tempo depois esses filhotes se tornaram alados e também geraram filhotes. Era certo, por essas observações, que pulgões com asas produziam pulgões alados. E havia, aparentemente, casos em que alados produziam, por sua vez, pulgões [totalmente] sem asas - mas essa última questão ainda precisava ser confirmada (RÉAUMUR, 1737, p. 326).

As circunstâncias então apresentadas, levavam a supor que havia dois problemas que demandavam solução: (1) a forma de reprodução dos pulgões e (2) a existência de machos entre as espécies. Réaumur, ciente dessas suspeitas, se propôs a desvendá-las e questionou: “Qual seria, afinal, o sexo dos pulgões com asas, e qual a serventia desses na família dos pulgões”? (RÉAUMUR, 1737, p. 324).

Para tentar responder, Réaumur desempenhou a seguinte experiência: coletou alguns ramos de fava que continham pulgões do álamo (Phloeomyzus passerinii), coletou um único inseto, inseriu num recipiente de vidro e a lacrou. Após observar por alguns dias a espécie isolada, não obteve o resultado esperado, pois, segundo Réaumur, “essas espécies não entregam seus filhotes quando não estão à vontade” (RÉAUMUR, 1737, p. 326).

Mas, para se convencer que [esses pulgões alados] são vivíparos, basta pressionar suavemente próximo ao meio do ventre, forçando até que os pequenos corpos saiam pela parte de trás. Qualquer observador, usando uma lupa, que olhe os pequenos corpos, facilmente reconhecerá que os pulgões estavam formados e prontos para nascer (RÉAUMUR, 1737, p.326).

Após ter solucionado a questão da viviparidade nos pulgões, mas não a questão da necessidade ou não de acasalamento, ele se dispôs a investigar se pulgões alados concebiam pulgões não-alados; ou se concebiam apenas alados; ou se concebiam tanto um quanto outro28.