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PARTE II – A pesquisa empírica

CAPÍTULO 4 – Fundamentação teórica

4.1. História da Ciência e Ensino de Ciências

4.1.5. História da Ciência e Natureza da Ciência

Previamente, mencionou-se que o desenvolvimento do conhecimento científico envolve aspectos intrínsecos à ciência, como as práticas e métodos utilizados pelos cientistas, mas também fatores meta-científicos, isto é, sua relação com a tecnologia, sociedade, cultura, política, economia, etc.

Conforme documentos e currículos educacionais de vários países, a compreensão plena desses aspectos, bem como sua inter-relação é fundamental para obtenção de uma educação científica adequada (ALLCHIN, 2014b, p. 23).

Desse modo, espera-se que os cidadãos possuam um nível de conhecimento suficiente a ponto de compreender os desafios da ciência na sociedade e a sua interação. Portanto, no que diz respeito à educação científica, a meta é subsidiar aos estudantes a capacidade de compreender como as pesquisas científicas são conduzidas, identificar e se apropriar dos conhecimentos por ela produzido; ademais, ser aptos a desenvolver argumentos fundamentados e de refletir sobre a tomada de decisões sobre questões científicas (KAMPOURAKIS, 2016, p. 667).

Em suma, para obter tais nível de competências, se faz necessário compreender os aspectos que integram a “Natureza da Ciência” (NdC)54 . Independente da conceituação, às

vezes se referindo como "práticas científicas", ou "ideias sobre ciência", "como a ciência funciona", a proposta central da sua abordagem para o ensino de ciências é fomentar a compreensão sobre a ciência, a fim de auxiliar os estudantes, como cidadãos e consumidores na sociedade contemporânea, serem capazes de participar responsavelmente na tomada de decisões pessoais e sociais (ALLCHIN, 2014b, p. 24).

Apesar de, em geral, haver consenso com relação a tais propósitos, uma questão conflituosa que tem produzido debate na comunidade de educadores em ciência é saber quais aspectos de natureza da ciência são importantes contemplar no ensino de ciências

105 (LEDERMAN et al., 2002; ALLCHIN, 2011; MATTHEWS, 2012; DAGHER; ERDURAN, 2014).

Cabe destacar, contudo, que NdC tem sido tema de pesquisa no ensino de ciências há várias décadas55. A literatura tem apontado uma diversidade de abordagens e de aspectos de

NdC a serem trabalhados nos diferentes níveis de ensino e culturas escolares.

Segundo resultados obtidos em revisões da literatura, a partir da década de 1990 até o ano de 2017, a maior quantidade de citações em trabalhos publicados se referia à “visão consenso” de NdC e às versões do questionário VNOS56, ambos frutos de pesquisas em grande

parte iniciadas por Norman e Judith Lederman, no Instituto de Tecnologia de Illinois, EUA (CHANG; CHANG; TSENG, 2010; DENG et al., 2011; AZEVEDO; SCARPA, 2017).

Essa denominação de “visão consenso” vem sendo usada por críticos do trabalho de Lederman e seus colaboradores. A principal objeção reside em que Lederman selecionou sete aspectos da ciência para trabalhar na sala de aula, indicando-os como não sendo objeto de grande discussão na filosofia da ciência.

O mais importante da proposta de Lederman, que seus críticos parecem muitas vezes ignorar, é que a sua proposta se fundamenta em promover ensino por investigação de aspectos da natureza da ciência que, adotados em conjunto, constituem um quadro bastante amplo de como a ciência funciona. Lederman jamais afirmou serem esses os únicos aspectos das ciências, em termos epistemológicos; mas ressalta a maior facilidade de introduzi-los na formação de professores e nas práticas de ensino das ciências. A lista de Lederman é formada pelos sete aspectos descritos a seguir (LEDERMAN et al., 2002, p. 502):

1) A natureza provisória do conhecimento científico. Ou seja, embora duradouro e confiável, o conhecimento científico nunca é absoluto ou certo. Assim, fatos, teorias e leis, todos estão susceptíveis a mudanças.

2) Distinção entre observação e inferência. Enquanto observações são declarações descritivas sobre fenômenos naturais, diretamente acessíveis aos sentidos (ou via extensão desses) nos quais observadores podem chegar a um algum consenso; as inferências são alegações sobre fenômenos não diretamente acessíveis aos sentidos.

55 Outra vez, assumindo os riscos que uma lista não exaustiva pode oferecer, mencionamos aqui ao menos os trabalhos com os

quais a presente tese procurou dialogar: ABD-EL-KHALICK; BELL; LEDERMAN, 1998; ABD-EL-KHALICK; LEDERMAN, 2000; ABELL; SMITH, 1994; ADÚRIZ-BRAVO, 2007; ALLCHIN, 2013; BRADFORD; RUBBA; HARKNESS, 1995; DUSCHL; GRANDY, 2013; ERDURAN; DAGHER, 2014; LEACH et al., 1997; LEDERMAN, 2007, 1992; MATTHEWS, 2012; MCCOMAS; ALMAZROA; CLOUGH, 1998.

56 O questionário denominado “Visões sobre Natureza da Ciência” (VNOS - Views of Nature of Science Questionnaire) é

constituído por um conjunto de instrumentos de levantamento de concepções sobre NdC (VNOS, versões A, B e C). Instrumentos compostos por questões abertas que contemplam aspectos específicos de NdC discutidos na presente seção. O questionário é descrito em totalidade no artigo em Views of Nature of Science Questionnaire: Toward Valid and

106 Isto é: no sentido de que só pode ser acessado ou aferido por meio de manifestações ou efeitos.

3) Conhecimento científico é carregado de teoria. Os arcabouços teóricos, disciplinares, as crenças, conhecimentos prévios, o estilo de treinamento e expectativas são fatores que, de fato, influenciam o trabalho científico. São questões diretamente envolvidas nos problemas investigados pelos cientistas e impactam a forma como eles observam e interpretam os dados coletados.

4) O papel da criatividade e imaginação dos cientistas. O conhecimento científico é fruto de observações da natureza. No entanto, é dependente da imaginação e criatividade humanas. Não se trata de um empreendimento ordenado e programado, mas sim, envolve a invenção de explicações e entidades teóricas, demandando altos níveis de criatividade por parte dos cientistas.

5) O caráter social e cultural do conhecimento científico. Como um empreendimento humano a ciência e cientistas estão envolvidos em um contexto sociocultural, político, econômico, etc.

6) Teorias e leis científicas. Teorias cientificas são sistemas de explicações bem fundamentados e internamente consistentes. Leis são declarações descritivas de relações entre fenômenos observáveis. São tipos distintos de conhecimento, teorias não se transformam em leis e vice-versa.

7) Mito do Método Científico. A ideia baseada na crença da existência de um procedimento protocolar, seguido por todos os cientistas. Apesar do fato da observação, comparação, aferição, teste, especulação, criação de ideias e ferramentas concetuais, teorias e leis, não há aquilo que se denomina de sequência única de atividades (prescritas ou não) que resultem, seja em soluções infalíveis, respostas funcionais ou válidas, seja em conhecimentos certos ou verdadeiros As sete características propostas por Lederman passaram a ser utilizadas por grande número de pesquisadores em educação, , com o intuito de conduzir investigações empíricas, atreladas à construção de questionários de pesquisa, sobre concepções de ciências de diferentes públicos (estudantes de diferentes idades e níveis de ensino, professores da educação básica, cientistas) (AKERSON; ABD-EL-KHALICK; LEDERMAN, 2000; EL-HANI; ROCHA; TAVARES, 2004; MCCOMAS, 2008; RUDGE; HOWE, 2009; TEIXEIRA; FREIRE JR.; EL- HANI, 2009; MILLER et al., 2010a; DURBANO, 2013).

As críticas à agenda de Lederman variam bastante (IRZIK; NOLA, 2011; MATTHEWS, 2012; ALLCHIN, 2013; DUSCHL; GRANDY, 2013; HODSON, 2014a). Independentemente

107 do teor de discordância, esses autores consideram que o principal problema está em que a proposição de uma lista de aspectos da natureza da ciência, especialmente uma lista enxuta como a de Lederman, tende a restringir e limitar a complexidade da natureza do conhecimento científico (KAMPOURAKIS, 2016, p. 56). Em função disso, esses autores propuseram abordagens mais abrangentes.

Michael Matthews (MATTHEWS, 2012, p. 15–16) afirmou que os “Lederman’s seven” (as Sete características da ciência de Lederman) são insuficientes para tratar dos fatores que envolvem a prática científica na educação científica. Por isso, além de sugerir uma mudança conceitual de “Natureza da Ciência” para “Características da Ciência”, ele propõe acrescentar à lista de Lederman os seguintes demais aspectos:

8) O papel da experimentação em ciências; 9) O papel da idealização;

10) O papel dos modelos científicos; 11) Valores e questões sociocientíficas; 12) O papel da matemática (matematização); 13) Tecnologia;

14) Explicação;

15) Visão de mundo e religião; 16) Escolha teórica e racionalidade; 17) Feminismo;

18) Realismo e construtivismo.

Por outra perspectiva, Dagher e Erduran (2016) elaboraram uma visão distinta para o ensino de NdC, com base na proposta dos filósofos da ciência, Irzik e Nola (2011, 2014), denominada Abordagem de Semelhança Familiar (Family Resemblance Approach).

Segundo as autoras, a proposta, direcionada ao ensino de ciências, visa apresentar características de NdC que exibem similaridades e se sobrepõem nas várias disciplinas científicas. Isso pode ser útil na compreensão de ciências, pois apesar de todas as subdisciplinas compartilharem várias características comuns, nenhum fator específico pode ser usado para definir um domínio como científico ou para demarcá-lo de outras disciplinas. Como exemplo, eles mencionam o fato de que muitas disciplinas científicas compartilham práticas como observar, inferir e coletar dados. No entanto, a forma como uma disciplina se apropria das técnicas de observação, por exemplo, pode ser bastante variável (DAGHER; ERDURAN, 2016, p. 150).

Desse modo, a visão de semelhança familiar tem como objetivo consolidar os aspectos de cunho epistêmicos, cognitivos e sociais da ciência, mas de forma integral, flexível, descritiva, mas não prescritiva (figura 20).

108 Figura 20. Círculo “Abordagem de Semelhança Familiar”.

Fonte: Traduzido de Dagher e Erduram (2016, p. 28)

A proposta, portanto, busca apresentar uma imagem da ciência como um sistema holístico, dinâmico e abrangente, com várias influências. Componentes dos sistemas epistêmicos e sociais interagem uns com os outros, aumentando ou influenciando a atividade científica.

Por fim, merece destaque, especialmente porque foi mais diretamente utilizada na presente tese, a proposta de “ciência integral” de Douglas Allchin (2003). A visão de natureza da ciência integral (Whole Science) se caracteriza pela ênfase em trabalhar aspectos que refletem na confiabilidade do conhecimento científico. As ideias de Allchin se distanciam portanto das abordagens anteriores ao considerar que o foco da confiabilidade é mais relevante na escola, do que a discussão sobre a natureza, ou seja, sobre a definição de ciência (ALLCHIN, 2013, p. 20).

A sua concepção de Ciência Integral, tem como objetivo criar um equilíbrio entre os fundamentos da confiabilidade e os limites do fazer científico. Para Allchin, o ensino de NdC deve proporcionar estratégias para que o estudante saiba identificar, diferenciar e compreender o papel das evidências para o conhecimento científico.

Desse modo, mesmo que esse estudante não tenha expertise em ciências, ele será capaz de interagir, minimamente, com especialistas; será apto a reconhecer evidências concretas de falsas; apreciar os limites, bem como os fundamentos das alegações científicas. Isto é, será

109 capaz de olhar de forma crítica para aquilo que se denomina de científico (ALLCHIN, 2011, p. 522). Nas palavras do próprio autor:

Pode-se denominar de Ciência Integral, todo o espectro de NdC, sensível às dimensões de confiabilidade na prática científica. Ciência Integral, do mesmo modo que comida integral, não exclui os ingredientes essenciais. Essa abordagem suporta uma compreensão mais saudável. De forma análoga, os professores devem desencorajar uma dieta de baseada na “ciência escolar”, altamente processada e refinada. Bem como evitar as listas curtas ou truncadas de aspectos de NdC, pois são insalubres para a compreensão da ciência (ALLCHIN, 2013, p. 25).

O que o autor conceitua na citação de “dimensões de confiabilidade da ciência”, são aspectos que julga pertinente abordar com relação à natureza da ciência, descrito em forma de um inventário, dividido em três principais dimensões: “Observacional”; “Conceitual” e “Sociocultural” (figura 21).

Figura 21. Inventário parcial das dimensões de credibilidade da ciência

Observacional

Observações e medições

Acurácia, precisão

Papel do estudo sistemático (versus anedotas)

Completude da evidência

Robustez (acordo entre diferentes tipos de dados) Experimentos

• Experimentos controlados (uma variável) • Estudos cego e duplo-cego

• Análise estatística de erro • Replicação e tamanho amostral

Instrumentos

• Novos instrumentos e sua validação • Modelos e organismos modelos

• Ética da experimentação com sujeitos humanos

Conceitual

Padrões de raciocínio

• Relevância da evidência (empirismo) • Informação verificável versus valores • Papel da probabilidade na inferência

• Explicações alternativas (Resultados inesperados) • Correlação versus causação

Dimensões históricas

• Consiliência com a evidência estabelecida • Papel da analogia, pensamento interdisciplinar • Mudança conceitual

• Erro e incerteza

• Papel da imaginação e síntese criativa

Dimensões humanas

• Espectro das motivações para fazer ciência • Espectro das personalidades humanas • Confirmação do papel/viés de crenças prévias

• Percepções de risco baseadas em evidências versus emocional

Instituições

110

Sociocultural

• Formas de persuasão • Credibilidade

• Revisão pelos pares e resposta a críticas • Resolução de desacordos

Liberdade acadêmica

Vieses

• Papel das crenças culturais (ideologia, religião, nacionalidade, etc.) • Papel do viés de gênero

• Papel do viés racial ou de classes

Economia/financiamento

• Fontes de financiamento • Conflito de interesse

Comunicação

• Normas para manipular dados científicos • Natureza dos gráficos

• Credibilidade de periódicos científicos e da mídia de notícias • Fraude ou outras formas de má conduta

• Responsabilidade social dos cientistas Fonte: Allchin (2013, p.24)

O inventário, ainda que parcial, visa abranger aspectos relevantes, desde protocolos e controles experimentais, destacando o papel das análises estatísticas e raciocínio teórico, até as formas de credibilidade, conflitos de interesses, preconceitos de gênero, a influência de contextos econômicos e as mídias que veiculam temas sobre ciência.

Desse modo, por meio da integração entre os aspectos dessas dimensões é possível mostrar aos estudantes algumas questões que emergem no cotidiano sócio-científico, como: “de que maneira o conhecimento científico é produzido e transmitido? O que garante a confiabilidade em cada etapa da pesquisa científica? O que deve ser analisado e considerado confiável, quando os próprios cientistas discordam entre si? O que justifica as mudanças de consenso científico? Como dados científicos são gerados?”; etc. (ALLCHIN, 2011, p. 519, 2013, p. 4).

Entretanto, alcançar um entendimento pleno a fim de responder essas e outras questões equivalentes, requer um alto nível de sofisticação, referente à interpretação de evidências científicas. Principalmente porque o mesmo conjunto de dados pode ser analisado sob diferentes prismas, gerando explicações diversas (HODSON, 2014b, p. 2551).

Por essa razão, Allchin propõe olhar para o inventário, considerando sempre a integração entre as múltiplas dimensões e os aspectos que as constitui. Essa perspective permite aproximar o estudante do que, de fato, acontece durante o desenvolvimento do conhecimento científico. O papel da gênese histórica, as inter-relações sociais, os valores e crenças pessoais dos cientistas, aspectos meta-científicos tais que, normalmente, tendem a impactar tanto quanto as práticas, ditas, científicas.

111 Isto posto, convém esclarecer de que modo a “Ciência Integral”, proposta por Douglas Allchin, “apreendida” e adequada pelo autor da tese, se manifesta em termos práticos no ensino de ciências.

Entre as estratégias utilizadas para o ensino de NdC, três delas têm se difundido entre os educadores, devido à eficácia e ao caráter contextual: abordagens de ensino por investigação; casos contemporâneos e casos históricos (BELL et al., 2003; ADÚRIZ-BRAVO, 2009; DENG et al., 2011; RUDGE et al., 2012; ALLCHIN, 2013, 2014a; CAPPS; CRAWFORD, 2013; GARCÍA-CARMONA; ARAGÓN, 2016).

Convencidos que todas as propostas têm sua validade e relevância, buscou-se atentar aqui, apenas aos casos históricos, tema da presente tese.

Ao longo das seções anteriores, foi dedicado expor, de maneira generalista, o papel da história da ciência, suas características e os meios pelos quais ela pode ser aplicada ao ensino de ciências. No entanto, cabe discutir como a história da ciência e a natureza da ciência (integral) podem dialogar com o intuito de aprimorar a educação científica.

Uma das principais razões para a utilização da história no ensino é o seu caráter motivacional (HÖTTECKE; HENKE; RIESS, 2012a; TEIXEIRA; GRECA; FREIRE, 2012; ALLCHIN, 2014a).

Casos históricos, inevitavelmente ilustram as dimensões históricas e humanas da ciência. Ao contextualizar eventos ocorridos, é possível conectar conceitos científicos, por vezes, abstratos, a preocupações, valores e emoções humanas. Assim, a história contextualiza e, portanto, motiva a ciência. Ao desenvolver bons casos históricos, não importa se o fenômeno discutido possa ter acontecido em algum outro lugar do mundo ou em uma época distante. Histórias bem elaboradas são convincentes, atraentes, pois a ciência é um esforço humano. Portanto, conduzido por e para pessoas reais (ALLCHIN, 2013, p. 31).

Além dos aspectos emocionais, a contextualização por meio da história permite que os estudantes vislumbrem como novas ideias emergem: às vezes, fruto de confusão, ambiguidades, às vezes, ainda que raro, de insights repentinos, às vezes gradualmente e com demasiada dificuldade (MARTINS, 2006c).

O percurso do desenvolvimento de um conhecimento científico, muitas vezes possibilita compreender valores como distintivos, e apreciar como isso tende a influenciar a ciência, seja por meio de financiamento de pesquisa, as perguntas que são levantadas, as teorias que foram desenvolvidas e derrubadas, os modos de observação e interpretações possivelmente tendenciosas dos resultados

112 Contudo, quando se enfatizou que a história da ciência pode promover a aprendizagem de NdC, de que aspectos estamos falando, afinal? Quando dizemos que NdC envolve questões sociais ou culturais, o que isso significa, de fato?

A história, em geral, tende a reviver casos autênticos, que ocorreram dentro de uma realidade. Desse modo, as relações sociais constituem a prática cotidiana, incluindo, as interações entre a comunidade científica.

Assim, com relação à dimensão social da ciência, pode-se mencionar a relevância da comunicação científica (publicações de artigos, troca de correspondências, intercâmbio institucional, congressos e reuniões científicas, etc.). Ademais, a questão da persuasão e organização de evidências, o papel da revisão por pares, ou seja, a crítica , agindo como um sistema de controle de checagem, com o intuito de identificar e isolar erros, preconcepções e proporcionar conclusões mais fundamentadas (ALLCHIN, 2013, p. 38).

Como produto cultural, a ciência também impacta diretamente a vida da sociedade. Ao contemplar os fatores econômicos, políticos, éticos, questões de gênero, além de conteúdo conceitual, pode-se promover a compreensão da imagem pública da ciência, bem como os aspectos que aumentam (ou não) a confiabilidade científica. Nesse sentido, exemplos da história podem ilustrar como conceitos e eventos científicos impactam as atitudes culturais, visão de mundo, o papel da tecnologia e sua influência na indústria, trabalho, estilos de vida. Se admitirmos que, até mesmo as concepções e dogmas religiosos, visões gênero, raça e etnia tendem a afetar o desenvolvimento da ciência, podemos alegar, sem dúvida, que a ciência é um produto cultural (IBID, pp.38-39).

Entretanto, como ferramenta educacional, as potencialidades da história da ciência vão além da mera aplicação como pano de fundo ou um acessório para engajar os estudantes à aprendizagem. A história é o mecanismo, tanto para o professor, quanto para o estudante pensarem mais profundamente sobre o que a ciência significa.

Desse modo, a fim de envolver os estudantes de maneira ativa à aprendizagem, a associação entre história da ciência e abordagens de ensino por investigação tem se mostrado um caminho bastante propício (ABD-EL-KHALICK et al., 2004; KLASSEN, 2007; METZ; STINNER, 2007; CHANG, 2011; HÖTTECKE; HENKE; RIESS, 2012a; ALLCHIN, 2014a). Contudo, pode parecer uma ideia contraditória, tentar unir história e investigação, pois a finalidade de uma difere significativamente de outra. Enquanto a história tem seu final conhecido, portanto, fechado, a investigação visa ser um procedimento aberto, com múltiplas possibilidades de resultado. De que forma, então, esses dois extremos podem se conciliar?

113 Como já ressaltado em alguns momentos, nosso propósito em utilizar episódios da história da ciência não reside na apresentação de fatos, datas ou na celebração de grandes “descobertas” ou exaltação do cientista. Mas sim, direcionar os problemas autênticos e perguntas que ocorreram em contextos históricos, contrapondo a visão de “ciência pronta” e fomentando a ideia de “ciência em formação” (LATOUR, 1987).

Ironicamente, a ideia é usar o passado, por meio de aspectos de NdC, para subsidiar o a compreensão de ciência do presente. Mas, para isso, as estratégias ou recursos didáticos devem ser apresentados em uma perspectiva que permita com que ações e pensamentos dos cientistas se façam acessíveis. Os educadores precisam reavivar a sensação do presente, a fim de dar sentido aos eventos no contexto histórico. Pois, analisar a “ciência em formação” do passado é compreender a ciência do presente, que também, encontra-se em construção (ALLCHIN, 2014a, p. 11).

Nesse sentido, a história tem dupla função para a educação em ciências: para o professor/instrutor, fornece uma trajetória investigativa que logrará uma solução conhecida ou atual, logo, provendo uma conclusão estável ao processo de investigação. Para os estudantes, motiva a investigação por meio da problematização com questões históricas autênticas, ilustrar