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PARTE II – A pesquisa empírica

CAPÍTULO 4 – Fundamentação teórica

4.1. História da Ciência e Ensino de Ciências

4.1.4. História da ciência e a formação de professores

Há anos, educadores e pesquisadores em ensino de ciências têm buscado investigar as concepções dos estudantes sobre ciências. Desde então, os resultados apresentados têm sido deveras preocupantes, pois, independentemente do nível de ensino, os alunos têm mostrado concepções ingênuas, parciais ou distorcidas, sobre as práticas que envolvem o fazer científico (DRIVER, 1989; ABELL; SMITH, 1994; GIL PÉREZ et al., 2001; SMITH et al., 2013; HODSON, 2014b).

De acordo com alguns autores, uma parcela significativa dessa problemática recai sobre as deficiências curriculares e políticas educacionais (ROBERTS; ÖSTMAN, 1998; KRASILCHIK, 2000; MARTINS, 2005a; ERDURAN; WONG, 2013; GARCÍA-CARMONA; CRIADO; CAÑAL, 2014), refletindo na formação do professor e impactando diretamente na aprendizagem de seus estudantes (FERNÁNDEZ et al., 2002; CAPPS; CRAWFORD, 2013; MULVEY; BELL, 2016; PAVEZ et al., 2016).

102 Nesse sentido, devido, também, aos argumentos destacados nas seções anteriores, a história e filosofia da ciência tem sido utilizada como estratégia alternativa, a fim de tentar contornar essa questão e contribuir para a melhoria do ensino de e sobre ciências na formação docente (EL-HANI, 2006a; MARTINS, 2007; PRESTES; CALDEIRA, 2009; ADÚRIZ- BRAVO, 2011; RUDGE et al., 2012). Devidamente articuladas às práticas de ensino, a história e a filosofia da ciência podem ser um mecanismo eficiente para preparação dos professores, bem como para a superação do ensino dogmático, que ainda perdura na educação científica (DELIZOICOV; SLONGO; HOFFMANN, 2011, p. 8841).

Para os pesquisadores em ensino de ciências Breno Arsioli e Cibele Silva (2014), uma forma de aplicar a história da ciência na formação de professores é por meio de o que eles denominam “abordagem multicontextual”. A proposta é a de utilizar episódios da história da ciência para contemplar tanto os conteúdos conceituais (contexto científico), quanto os aspectos epistemológicos, sociológicos, culturais, sócio científicos e afins (contexto metacientífico).

Segundo os autores, tal abordagem se justifica pela urgência na preparação de professores com atitudes críticas e transformadoras, capazes de compreender de forma ampla as relações entre ciência e contexto no qual se desenvolve. Competências tais, que podem ser fomentadas por meio da história da ciência, pois, ao promover uma visão crítico-transformadora do licenciando, aproximando-o dos percursos históricos de um conhecimento científico, é possível fazê-los apreender uma posição analítica e ativa em relação aos produtos da ciência (MOURA; SILVA, 2014, p. 337).

Esta pesquisa filia-se a um desses grupos, no Laboratório de História da Biologia e Ensino (LaHBE) do Instituto de Biociências da USP. No laboratório, vem sendo realizadas pesquisas que desenvolvem, aplicam e avaliam propostas de ensino de ciências e biologia utilizando episódios históricos moldados pelo ensino por investigação e integrados a sequências didáticas.

Com essa agenda, são propostas estratégias e materiais instrucionais de episódios da história da biologia sob a forma de jogos eletrônicos, narrativas históricas, narrativas históricas virtuais, roteiros de análise de conteúdo histórico em materiais didáticos, roteiros de atividades dirigidas em classe, roteiros de replicação de experimentos históricos, trabalho com fontes originais da história da biologia (LaHBE)53. A produção didática, desenvolvida em dissertações

de mestrado e teses de doutorado, tem focado em elaborar uma robusta pesquisa histórica, além de buscar convergir e introduzir algumas das atuais metodologias de ensino de ciências.

103 Das contribuições produzidas pelo LaHBE, pode-se destacar a dissertação de Souza (2014), cuja temática abordava estudos de caso históricos sobre os trabalhos do naturalista Alfred Russel Wallace, sobre a classificação de palmeiras, durante a sua viagem ao Brasil, voltada ao ensino de HC no ensino fundamental. Silva (2013) abordou, em sua dissertação, a aplicação de replicações de experimentos históricos, baseados em trabalhos de Darwin sobre a dispersão de sementes, destinado a estudantes do Ensino Fundamental. A dissertação de Durbano (2012) se propôs a conduzir um levantamento sobre aspectos de NdC, junto a estudantes de graduação em Ciências Biológicas.

Esta pesquisa também teve parte de seu desenvolvimento, em particular, com respeito à análise dos dados coletados na pesquisa empírica, junto ao Grupo de Epistemologia, História e Didática das Ciências (GEHyD), dirigido por Agustín Adúriz-Bravo, na Universidade de Buenos Aires, também tem investido na utilização da história da ciência, com o propósito de aprimorar e enriquecer a formação inicial e continuada de professores.

Entre as estratégias desenvolvidas, aplicadas e disseminadas pelo GEHyD se destacam a elaboração e avaliação de narrativas históricas curtas (short stories) (ADÚRIZ-BRAVO; IZQUIERDO; ESTANY, 2002; ADÚRIZ-BRAVO, 2008, 2009, 2011, 2015; CHION; MEINARDI, 2013; LOZANO; BAHAMONDE; ADÚRIZ-BRAVO, 2016). A proposta dos trabalhos visa o ensino de um ou poucos aspectos relacionados ao fazer científico (natureza da ciência) tendo como suporte, episódios históricos construídos em formato de narrativa. São textos curtos, compostos por 2 a 10 páginas, desenvolvidos em prosa simples, evitando citações originais e com o objetivo de problematizar e discutir, tanto elementos científicos, quanto meta- científicos (ADÚRIZ-BRAVO, 2011, p. 199).

Por exemplo, no trabalho de Lozano, Bahamonde e Adúriz-Bravo (2016) discutiu-se o episódio histórico referente à construção de um modelo de membrana celular no século XIX, com o intuito de abordar o aspecto relativo à carga teórica do cientista, vinculada à observação. De acordo com os autores do estudo, ao debater a questão referente à carga teórica inserida nas observações científicas, permite-se desafiar um preconceito equivocadamente estabelecido de "descoberta" como a atividade central da pesquisa científica. Além disso, é possível considerar aquilo que atualmente se julga como mais apropriado, o pensamento de que fatos científicos são construídos em uma interação laboriosa e elaborada entre o mundo e as ideias (LOZANO; BAHAMONDE; ADÚRIZ-BRAVO, 2016, p. 54).

Contudo, Adúriz-Bravo (2011, p. 198) assume os desafios e coerentemente destaca que ele, seu grupo, assim como muitos professores de ciências não possuem expertise em história

104 da ciência, logo, são dependentes desses profissionais, em especial, aqueles que se dedicam ao ensino de ciências.

Isto posto, em harmonia com os pesquisadores mencionados nesta seção (e outros), acredita-se estar contribuindo com iniciativas de formação docente, especialmente em relação à compreensão dos elementos e contextos que abarcam o desenvolvimento do conhecimento científico. Características tais que, contemporaneamente, têm sido conceituadas como “Natureza da Ciência”.