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Capítulo IV A produção de expressão escrita em língua estrangeira

4.3. A avaliação da escrita em ELE

Dever-se-á, num primeiro momento, ter a consciência da importância da distinção entre uma simples avaliação de uma avaliação que se encontre integrada num processo claramente definido para o efeito, como apela, aliás, o QECRL (2001: 243) na medida em que “o termo ‘avaliação’ é usado no sentido de avaliação da proficiência do utilizador da língua”. Este modelo de avaliação necessitará, então, de oscilar entre diferentes aspectos “considerados fundamentais em qualquer discussão sobre avaliação: validade, fiabilidade e exequibilidade” (idem: 243), debruçando-se a validade sobre o facto de que o que é avaliado seja uma representação fidedigna da proficiência dos alunos, enquanto que a fiabilidade remete para a garantia de que um mesmo aluno alcance resultados semelhantes quando

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confrontado com a mesma situação, seja ela de avaliação ou não, real ou simulada; a exequibilidade, por outro lado, aponta para os critérios adoptados que originaram os resultados alcançados pelos alunos e se aqueles são, de alguma forma, válidos.

No que concerne ao desenvolvimento das competências específicas de expressão escrita, parece-nos relevante destacar alguns detalhes associados à avaliação dessas mesmas aptidões, destacados pelo QECRL (2001: 251); assim, poder-se-á definir como base o recurso a modelos textuais oriundos de situações comunicativas reais ou, de alguma forma, próximas da realidade, aspecto que cobre a avaliação da proficiência. A avaliação dos resultados desempenhará um papel fulcral ao facilitar a análise das competências que se alcançaram em termos das aprendizagens lexical, gramatical, ortográfica, pragmática e comunicativa, relativas ao domínio da escrita. Não deverão, ainda, ser descurados alguns aspectos essenciais à avaliação como o seu carácter contínuo e formativo, na medida em que a escrita deverá estender-se ao longo de todo o ano lectivo, contribuindo “de maneira cumulativa, para a avaliação no final do curso” (idem: 254) e, também, porque representa “um processo contínuo de recolha de informações sobre o âmbito da aprendizagem, sobre os seus pontos fortes e fracos, que deve reflectir-se no planeamento das aulas” (idem: 254).

Desenha-se, deste modo, uma avaliação directa pois avalia a actuação do escrevente em todo o processo (planificação, redacção e revisão), mas também pressupõe uma auto-

avaliação, essencial para a existência de algum grau de feedback relativo aos textos

produzidos, isto é, que o escrevente possa ganhar algo mediante a reflexão sobre as suas produções textuais. Contudo, e de acordo com o QECRL, apenas haverá alguma eficácia neste modelo caso o escrevente se encontre numa situação

(a) de se dar conta, ou seja, se estiver atento, motivado e familiarizado com a forma pela qual as informações são transmitidas, (b) de receber, ou seja, se não estiver atolado em informação e tiver um modo de a registar, organizar e personalizar, (c) de interpretar, ou seja, se tiver um conhecimento prévio e uma consciência suficientes para compreender as questões que estiverem em causa e não actuar de forma contraproducente e (d) de integrar a informação, ou seja, se dispuser do tempo, da orientação e dos recursos relevantes para poder reflectir sobre a informação nova, integrá-la e, assim, lembrar-se dela. Tal implica uma auto-orientação, que deve ser treinada, e um controlo sobre a sua própria aprendizagem, através do desenvolvimento de modos de actuação perante o feedback. (QECRL, 2001: 255)

Contudo, o modelo a que, tradicionalmente, os alunos se encontram vinculados baseia-se na delimitação do tema de escrita, a sua produção e a posterior – e consequente – devolução por parte do professor com algumas sugestões e correcções ocasionais. Estas possuem, portanto, um carácter arbitrário que diferirá de docente para docente, de texto para texto e até, eventualmente, ao longo de um mesmo ano lectivo. Parece-nos, assim, com Fernandes (2006) que para além das dificuldades inerentes ao processo de escrita – em virtude da quantidade de processos e sub-processos a que aqui já aludimos – parece existir uma considerável diferença entre a forma de corrigir e de, posteriormente, sistematizar as

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avaliações efectuadas. Nesse mesmo sentido aponta o QECRL ao dar primazia à constituição, por aluno, de um portfolio que acompanhe o aluno ao longo de toda a sua formação no processo de aprendizagem de uma língua estrangeira e que “permitirá aos aprendentes fazer prova da sua progressão para uma competência plurilingue, registando toda a espécie de experiências de aprendizagem num grande leque de línguas que, de outro modo, ficaria por certificar e por conhecer.” (QECRL, 2001: 44), como tínhamos já, aliás, referido anteriormente.

Ainda assim, tal actividade não é adoptada por toda a comunidade escolar, o que pressupõe uma dificuldade extrema quer de alunos, quer de professores na gestão de todo o processo de escrita, seja no que diz respeito às suas metodologias de aprendizagem, em virtude de tantas e tão variadas inflexões que fazem com que pareça não ser possível seguir um único modelo de aprendizagem, antes uma sucessão dos mesmos, de forma mais ou menos cumulativa e quase casuística, seja, por outro lado, em termos de sistematização da avaliação, o que inclui a falta de uniformidade de critérios e, por exemplo, a avaliação de parâmetros que vão mais além do que a competência gramatical e/ou ortográfica.

Há, ainda, que recordar que, por norma, a correcção de um texto escrito se centra em juízos de valor subjectivos por parte dos professores, fruto de avaliações que conformam, amiúde, tomadas de posição normativas e prescritivas; contudo, em matéria de língua devemos ter em conta a volatilidade da mesma ao aferir o grau de correcção ou incorrecção

presente no texto, até porque – e como defende Charmeux (1992: 76) – “los criterios de

evaluación son tan endebles, que no son raros los ejemplos de ver cierta proposición calificada de ‘hallazgo interesante’ por uno y de ‘incorrección’ o de ‘desarrollo de lugares comunes’ por otro.” Será, assim, de toda a utilidade reflectir sobre um ou outro factor, decorrente das observações anteriores, e cuja dificuldade no âmbito do ensino das línguas possui bastante relevância: qual será o termo de comparação? Qual o texto que poderia servir de arquétipo e a partir do qual se estabeleceria a bitola com que avaliar os restantes? Deverá, assim, haver uma diferenciação óbvia, directamente relacionada com o posicionamento pelo qual se opte, seja o da correcção normativa, o da expressividade comunicativa ou, ainda, as opções de índole mais pragmática.

Parecer-nos-ia mais conforme, especialmente, no que concerne ao ensino de línguas estrangeiras, que o objectivo da avaliação passasse: a) pela recolha das dificuldades ou afinidades com a produção escrita; b) pela valorização das competências adquiridas, decorrentes das actividades de pré-escrita, escrita e pós-escrita, como seja a estratégia de correcção e a avaliação apresentada no texto final e, c) pela avaliação final, inerente ao normal desenrolar de um processo formal de ensino. Assim, a conjugação existente entre avaliação qualitativa, formativa e sumativa permitirá que cada uma destas etapas concorra para que o escrevente caminhe na direcção certa, pois todos os procedimentos antes referidos permitem uma mais fácil recolha de dados, competências e carências que os

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escreventes demonstrem, no sentido de melhorar as suas produções, fundindo assim os conceitos de correcção e avaliação.

Nesse mesmo sentido aponta Cassany (1999), propondo uma avaliação bicéfala, dividida entre o processo e o produto, centrando-se respectivamente na escrita e na língua, em função de objectivos e instrumentos variáveis, como sejam a análise da planificação, a correcção do rascunho ou a qualidade linguística apresentada no final do processo de escrita. Pese embora o enquadramento divergente em termos das perspectivas antes enunciadas, o alcance da teorização aqui trazida por Cassany acaba por associar-se ao tríptico de avaliação antes explanado, senão vejamos: no que diz respeito à avaliação de processo, esta promoverá o desenvolvimento de operações cognitivas e atitudes demonstradas pelo escrevente, isto é, a evolução que apresenta em função de diferentes âmbitos como o da observação em ambiente-aula e da análise de todas as produções, intermédias e finais, rascunhos e textos definitivos; salienta-se, aqui, que essa informação pode facilmente ser compilada numa ficha individual, permitindo assim que coteje com o portfólio; no que toca à avaliação do produto final, Cassany (1999) defende que haja uma maior focalização no domínio do código linguístico apresentado, considerando-o certo ou errado de acordo com os critérios já antes definidos – norma, coerência, coesão, adequação e variação ou estilo – não descurando o facto, associado mais intimamente à avaliação de processo, de que é importante que os escreventes socializem com os seus pares, promovendo a escrita cooperativa e colaborativa e considerando, ainda, que as tarefas de escrita foram previamente negociadas.

A avaliação deverá assim ser, antes de mais, o resultado de uma mediação entre professor e escrevente, promovendo uma gradual revisão autónoma dos textos produzidos, visando uma melhoria contínua dos níveis alcançados, e não apenas uma correcção linguística dos mesmos pois, idealmente, dever-se-ia apenas corrigir até ao momento da produção mental do texto em questão. A correcção de uma produção escrita, como é tradicionalmente entendida, não é eficaz porquanto o desfasamento temporal entre o momento da escrita e a sua posterior correcção leva a que os procedimentos específicos relativos a esse mesmo texto estejam já esquecidos, como defendem Hyland (2003) ou Buyse (2006), para além de que, com alguma frequência, parece afigurar-se difícil a interpretação das propostas de correcção, ou ainda a sua categorização e posterior transmissão ao escrevente.

Assim, é essencial que se opte por uma abordagem que pressuponha um afastamento relativamente à forma tradicional de correcção, quer rectificando apenas os entraves que se colocam à compreensão do texto e/ou às situações específicas que estão a ser avaliadas aquando de cada produção textual, quer implicando directamente o escrevente na correcção do seu texto, ao nível do rascunho, oferecendo pistas para a melhoria do mesmo e para a sua adequação aos propósitos inicialmente definidos quer, ainda, ao nível da negociação sobre as tomadas de decisão associadas às actividades de revisão e reescrita do texto. Pretende-se, desta forma, evitar a mancha vermelha que, não raras vezes, preenche os textos que são devolvidos aos alunos e que apenas levam a que esse documento seja guardado no mais

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recôndito da memória e das gavetas, sem possibilidade de regresso, impedindo que os objectivos que presidiram a essa correcção surtam o efeito desejado.

Para suprir tal facto, pode criar-se, com todo o grupo, um conjunto de sinais que visem eliminar as correcções, assinalando apenas os erros, por forma a que o escrevente identifique falhas, descubra o porquê do seu aparecimento, permitindo, deste modo, o despertar de uma certa competência correctiva. Não devemos, contudo, esquecer o facto de que o objectivo passa por melhorar competências e não criar romancistas. Assim, os objectivos serão, principalmente, e como defende (Cassany, 2005), que cometa menos erros, que tome consciência das suas limitações, que consiga superá-las e, finalmente, que promova uma auto-regulação das suas competências de escrita e de domínio da língua-alvo, isto é, que a auto-avaliação possa funcionar como forma de alcançar a tomada de consciência sobre as suas competências de escrita.

Para que tal desiderato possa cumprir-se, é essencial que a auto-avaliação esteja presente de forma permanente, em todos os subprocessos que envolvem o processo de escrita, na medida em que esta assentará na capacidade que o aprendente demonstre para reflectir sobre as suas aprendizagens e os seus erros, fazendo uma reflexão que conduza, impreterivelmente, a uma avaliação fidedigna como propõe, aliás, Bordón (2006). É importante, assim, ter em linha de conta que da diversidade de processos envolvidos na escrita decorre a necessidade de um elevado grau de autoconsciência, seja em termos de competências de escrita, seja, até, relativas ao nível de língua que o escrevente possui; parece, assim, essencial que todos os aspectos relativos à produção textual sejam previamente negociados, como já antes aqui aludimos, bem como sejam disponibilizados os guiões de auto-avaliação pois apenas assim se colocarão na mão do escrevente todas as ferramentas de que ele irá necessitar para colmatar as suas faltas e melhorar os seus índices de escrita, como refere, aliás, o QECRL (2001: 263) ao defender que o “maior potencial para a auto-avaliação, todavia, reside no seu uso como instrumento para a motivação e a tomada de consciência: ajudar os aprendentes a apreciar os seus aspectos fortes, a reconhecer as suas fraquezas e a orientar a sua aprendizagem com maior eficácia”.

Não devemos, contudo, descurar o papel de heteroavaliação, em função da primazia de que goza a auto-avaliação. Assim, a avaliação feita pelo “outro”, neste caso, pelo professor prende-se com a necessidade de avaliar os conhecimentos adquiridos e o modo como as outras competências foram, ou não, assimiladas pelo escrevente, seja através da observação dos momentos de criação de texto, seja através da apreciação das produções já realizadas e revistas pelos seus autores. Decorre desse facto a concepção de que um professor, especialmente um professor de LE, deve desempenhar um papel mais afastado do de avaliador, aproximando-se mais de um mediador que acabará pro contribuir decisivamente para a reescrita do texto inicial, alterando-o, burilando alguns aspectos e contribuindo de forma decisiva para uma constante melhoria das competências de escrita dos alunos. A mediação levada a cabo pelo professor não deverá obviar a motivação, aspecto essencial na

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gestão de todo o processo, porquanto gravita, à sua volta, uma tríade constituída pelos recursos cognitivos (o quê), as estratégias de apoio (o como) e a auto-avaliação, decorrendo esta de uma síntese – quase permanente – entre as duas primeiras; esta opção pela mediação deverá, assim, conduzir a uma melhoria significativa das competências de escrita dos alunos de LE, até porque – e como defende Cassany (2004: 938) – “corregir forma parte del proceso de composición y enseñar a corregir debe ser uno de los objetivos de aprendizaje de la escritura”.

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Capítulo V - A adequação do texto à