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Capítulo III A escrita: da planificação à revisão

3.4. Novos modelos de Flower e Hayes

A dimensão do conhecimento evidenciado pelo escrevente, quando confrontado com a tarefa, é a grande diferença que podemos apontar entre os modelos cognitivistas e interaccionistas, posto que a primeira propõe uma abordagem mais geral, enquanto que a segunda é bastante mais específica. Contudo, estas diferenças vão esbatendo-se em virtude das novas teorizações propostas na última década do século passado, por Flower & Hayes, desta vez com estudos e modelos apresentados de modo individual.

Por um lado, Linda Flower reveste de maior importância o contexto, posto que o acto de escrita passa a definir-se como “o resultado da interacção entre a dimensão cognitiva e social” (Carvalho, 2004: 33) sendo o resultado final a súmula dessas duas dimensões. Assim, a importância do contexto é destacada por Flower (1994, 1996) na medida em que este origina resultados díspares, em função das diferentes interpretações das variáveis da tarefa. É do contexto que decorre a representação mental do escrevente, uma estrutura cognitiva individual que origina diferentes interpretações de uma mesma tarefa, que guia o escrevente por caminhos diferentes, independentes e individuais que decorrem, indelevelmente, de experiências prévias, objectivos e objecções pessoais e, por consequência, acabam por repercutir-se em construções de sentido e paradigmas diferentes, por vezes, diametralmente opostos entre escreventes, mesmo aquando da realização de uma mesma tarefa ou de tarefas análogas. Para alcançar a construção de sentido que se perspectiva, Linda Flower (1994, 1996) propõe três factores cumulativos, como parte essencial do percurso de um escrevente perante uma tarefa de escrita; assim, pressupõe-se a interpretação que comporta a análise do contexto, a interpretação seja das expectativas do leitor, seja de palavras-chave e o desenho da representação da tarefa, a negociação encarada como o momento para a tomada de consciência de factores sociais e individuais como sejam o leitor, o contexto ou outros textos e, finalmente, a reflexão, composta pela avaliação, justificação das opções tomadas e a criação de eventuais alternativas.

Por outro lado, Hayes procede do mesmo modo, isto é, envereda, também ele, pela revisão do modelo que antes havia proposto em conjunto com Linda Flower. Esta revisão preconizada por Hayes (1996) propõe como principais alterações uma análise mais detalhada de escrevente enquanto indivíduo, colocando nele a ênfase de todo o processo, assim como a definição de um mecanismo central em todo o processo de escrita, a memória de trabalho (Baddeley, 1995) que permitirá a aplicação de conhecimentos teóricos de construção de texto à tarefa a realizar. O novo modelo de Hayes (1996) organiza-se em torno de duas grandes áreas aglutinadas, o contexto de produção, associado à produção e criação de texto per si e o contexto pessoal, onde se denota uma preocupação exclusiva com o indivíduo e com os conhecimentos que este evidencia – ou não – ao longo do processo de escrita.

Deste modo, podemos considerar que, no âmbito do contexto de produção, existem dois campos-chave, associando-se quer ao contexto social, quer ao contexto físico do texto

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em produção. Assim, o primeiro preocupa-se com o destinatário do texto, com a existência – ou falta dela – de outros textos na mesma área ou dentro da mesma temática ou até de estrutura semelhante, para além de abrir também a porta à possibilidade de interferência de outros escreventes, caso a aprendizagem cooperativa seja um dos elementos a formar parte de determinada produção textual. Nesse mesmo sentido, o contexto físico irá debruçar-se sobre o texto já produzido, ou seja, preocupar-se-á com a interferência existente dentro da própria produção de texto; os meios utilizados para o cumprimento da tarefa são, também eles, tidos em conta no desenvolvimento do processo de escrita.

No que concerne ao contexto pessoal, Hayes (1996) propõe a sua divisão em quatro áreas mais abrangentes, associadas ao acto da escrita, à memória de longo prazo, à memória de trabalho e, por fim, à motivação do escrevente. Neste sentido, Hayes (1996) considera que o acto de escrita é composto pela reflexão – que procura a geração de novas representações mentais – e onde é retomada a primazia já antes dada à planificação, acrescentando outros dois sub-processos, a resolução de problemas e a tomada de decisões. Ainda no âmbito da componente do acto de escrita, Hayes acrescenta dois outros processos, o da redacção, isto é, a transformação das representações mentais em linguagem escrita e o da interpretação do

texto16 que, através da leitura, levará a cabo a definição da tarefa, a sua compreensão e a

revisão. A memória de longo prazo é considerada por Hayes (1996) como um mecanismo de controlo do acto da escrita, isto porque implica o recurso a conhecimentos prévios que interferem no acto da escrita, delimitando os objectivos e os processos utilizados para chegar até eles, não descurando a revisão – implícita a todo o processo – nem a avaliação, pelo que acaba por funcionar como um esquema de tarefa. No que toca à memória de trabalho, esta funciona como um receptáculo temporário de armazenamento de informação, de onde emanam modelos, conhecimentos e procedimentos necessários à prossecução da tarefa proposta. Finalmente, Hayes (1996) concebe ainda a motivação do escrevente, pressupondo que cada escrevente sofre uma interferência directa nas suas próprias escolhas, em virtude, por exemplo, de objectivos contraditórios que se imiscuam no fluxo da tarefa, em função de uma análise custo/benefício, algo que permitirá ao escrevente que a opção recaia na estratégia mais adequada aos seus objectivos.

Existe, contudo, um problema inerente aos modelos de produção escrita, especialmente quando nos referimos a modelos eminentemente cognitivos, que defendem a recursividade já antes aqui referida. Os potenciais problemas associados a estes modelos decorrem do facto de que a produção textual seja activada em função de representações mentais que a desencadeiam, como sejam os objectivos propostos com a escrita do texto, o conhecimento das tipologias de texto, das temáticas a abordar, de uma gama abrangente de estratégias de resolução de problemas, entre outros processos que concorrem para a adequada utilização da trilogia Planificação – Redacção – Revisão. Assim, consideramos que cada um destes elementos acaba por funcionar, ou poder funcionar, como condicionador de

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toda a produção textual posto que relativamente a cada um deles deverá haver escolhas que orientem a construção do texto em função dos objectivos que pretende alcançar, das características do destinatário ou das do próprio escrevente em si mesmo.

Qualquer destas três etapas acabará por condicionar, de forma indelével, o texto, sendo, aliás, a função a desempenhar pelo texto o pólo decisor de todo o processo de escrita, forçando, por exemplo, à selecção e organização de conteúdos; é aqui que a recursividade desempenha um papel decisivo: caso se estabeleçam novas relações dentro dos conteúdos seleccionados, poder-se-á inferir uma aprendizagem efectiva, uma transformação do

conhecimento.17 Contudo, caso o escrevente funcione apenas como uma ponte entre a

memória e o texto a ser produzido, considera-se o produto como um dizer o conhecimento18,

não tendo havido aprendizagem na medida em que apenas se denotou a existência de uma utilização e transposição directa da memória do escrevente.

Daqui decorre a mudança de paradigma: do texto para os processos que compõem a produção de texto, havendo uma preocupação cada vez maior com a abordagem de técnicas específicas, associadas a cada um dos sub-processos, sejam eles a geração de ideias, a organização de conteúdo, a coerência, a coesão, a revisão, enfim, actividades facilitadoras de método para o controlo do processo de escrita. A par da mudança de paradigma – do texto para o processo – houve ainda uma outra alteração, que se prendeu com o modo como ensino da escrita era levado a cabo em ambiente-aula; assim, e com o contributo “das concepções psico-pedagógicas de Vigotski que enriqueceram e reorientaram linhas de investigação” (Camps, 2005: 15) denotou-se uma interacção crescente do escrevente com os seus pares, mas também com o professor, intervindo este no processo por forma a facilitar o ultrapassar de problemas, servindo de apoio aos problemas que a produção de um texto poderá apresentar.