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Capítulo III A escrita: da planificação à revisão

3.2. Método de resolução de problemas

Por contraste com o modelo anterior, esta nova perspectiva, sobre o processo de escrita, procura a identificação e descrição dos processos mentais colocados em prática aquando da criação textual, tendo em consideração os objectivos e sub-objectivos dos escreventes, inerentes a essa produção e que não devem ser descurados. Assim, é proposto um novo modelo, recursivo, fruto das investigações levadas a cabo com escreventes adultos e que acaba por transformar-se, à mercê da facilidade de categorização e catalogação dos dados alcançados através das análises efectuadas, num importante marco no quadro da teorização sobre a escrita. O sucesso alcançado deve-se, em grande medida, ao quadro teórico-prático apresentado, cujos conceitos são, ainda hoje, mobilizados quando se trata de abordar a escrita e a sua aprendizagem.

Figura 1 - Modelo de resolução de problemas Flower & Hayes (1983: 8)

Mecanismo de Controlo (Monitor)

Reformular

Avaliar

REVISÃO

R

E

D

A

C

Ç

Ã

O

PLANIFICAÇÃO

Definir

objectivos

Organizar

Gerar

conteúdo

Texto produzido Contexto intra-textual Assunto; Destinatário Situação motivadora Contexto extra-textual Conhecimentos sobre: assunto; destinatário; tipos de texto;

Memória de longo

prazo do

escrevente

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Nesse sentido, podemos destacar e definir, como a maior inovação face ao modelo anteriormente preconizado, a recursividade, a par da tomada de consciência da existência de um contexto de produção e do modo como os conhecimentos do escrevente participam da génese e elaboração de uma produção escrita, elementos esses que gravitam à volta das três etapas que já conhecíamos do modelo que antecedeu esta nova abordagem. De acordo com este modelo, o processo de escrita é entendido como uma efectiva proposta de resolução de problemas, delimitados por objectivos a alcançar pelo escrevente. Para tal, e como meio de actuação privilegiado, o método de resolução de problemas propõe-se identificar e descrever a estrutura mental que subjaz à escrita de um texto, em contraponto com a estrutura meramente de imitação que era veiculada pelo método que o precedeu.

Existem, de acordo com o modelo proposto por Flower & Hayes (1983), três elementos-chave que delimitam indelevelmente a novidade e a ruptura face ao que até então se perspectivava como arquétipo de produção textual; demarcam-se, portanto, o contexto de

produção, a memória de longo prazo do escrevente e o processo de escrita em si mesmo.

Centrar-nos-emos em cada uma destas dimensões por forma a destacar as diferenças entre os modelos, enfatizando as vantagens que decorrem das três inovações propostas.

Num primeiro âmbito, associado ao contexto de produção, compreendem-se dois domínios, cada um deles associado a uma componente de produção de texto, uma interna e outra externa. Assim, o contexto extra-textual associar-se-á à motivação que o escrevente possa revelar / demonstrar em função do assunto e do destinatário do texto, bem como a associação (ou a falta dela) entre o texto em produção e a motivação que o escrevente demonstre. Ainda associado ao contexto de produção do texto, Flower & Hayes (1983) destacam, no que concerne ao foro interno do escrevente, um outro elemento que interfere de forma indelével na elaboração e constituição do texto que se visa produzir, que é, efectivamente, o texto que vai sendo criado. Desta forma, o modelo preconizado por Flower & Hayers defende que o texto produzido até dado momento acaba por ter repercussões na linearidade, sequencialidade e conteúdos inerentes ao texto que ainda irá ser produzido pois “o processo de construção [do texto] ocorre em ciclos de negociação que pressupõem” diferentes momentos, como, aliás, defende Carvalho (1999: 59).

Um segundo âmbito, ainda no que concerne às inovações plasmadas no modelo apresentado por Flower & Hayes (1983), associa-se à memória de longo prazo do escrevente. Nela podemos encontrar uma representação dos conhecimentos que o escrevente possui, relativos ao assunto em questão, destinatário e tipologia de texto. Assim, Flower & Hayes pressupõem a existência de toda uma sequência de conhecimentos que permitem (ou não) ao escrevente colocá-los em prática aquando da consecução da tarefa de produção de texto. Nesse sentido, essa gama de conhecimentos poderá ser modificada, completada e reactivada sempre que necessário, em função da pertinência desses conhecimentos para uma dada produção textual, mobilizando sempre que necessários os conhecimentos prévios indispensáveis e adequados para uma correcta gestão do processo de escrita, ajustando assim

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a tarefa em construção aos conhecimentos já antes adquiridos, trabalhando para uma mais clara e correcta utilização dos mesmos, factor que originará uma melhoria nos processos de criação textual, bem como nos resultados finais alcançados pelo escrevente.

Apesar da importância dos dois domínios anteriormente anunciados, e da novidade que representaram para a investigação da metodologia desenvolvida pelo escrevente, o terceiro elemento desta nova abordagem dos modelos de produção escrita acaba por ser aquele que despoleta a maior mudança de paradigma: o processo de escrita. Em termos genéricos, não parece existir uma grande alteração relativamente ao que, até à data, se preconizava. Pressupõem-se três etapas inerentes ao processo de escrita, já conhecidas anteriormente, planificação, redacção e revisão. Contudo, cabe indagar se cada um destes domínios, complementados pelo contexto de produção e pela memória de longo prazo do escrevente permitiria, por si só, o alcançar dos objectivos propostos?

Da resposta depende directamente a inovação que marca o modelo de Flower & Hayes (1983) e que passa pela existência de um mecanismo de controlo, “monitor”, que reveste o modelo de recursividade, cuja existência tem já vindo a ser destacada ao longo deste capítulo e cuja importância passa pelo reconhecimento da existência de uma estrutura que permita que, ao longo de uma produção textual, seja possível ir alternando entre as três principais fases que delimitam e enformam a criação de um texto. Deste modo, a recursividade de que já falámos vai colocar-se em evidência numa relação directa com o modo como o escrevente perspectiva a sua actuação, seja no que se refere aos objectivos que pretende alcançar, seja em função dos seus hábitos de leitura ou escrita ou até do seu próprio estilo que não deixará nunca de estar marcado por um rasgo de individualidade que favorecerá um modo pessoal de encadeamento de ideias e frases, formas e conteúdos. Qualquer um destes elementos acabará por fazer emergir, em cada escrevente, um cunho diferente e uma matriz díspar, fazendo de cada escrevente alguém único, com características diferenciadoras dos restantes escritores pois nenhum dos sub-processos considerados pelo presente modelo possui uma ordem ou sequência fixa no esquema proposto por Flower & Hayes (1983), antes acabam por moldar-se às características individuais de cada escrevente, fazendo com que se considerem diferentes modelos posto que os processos cognitivos são individuais e o paradigma que Flower & Hayes propõem permite, dada a plasticidade que a sua recursividade lhe confere, que se adaptem a qualquer escrevente e a cada uma das suas formas de pensar e escrever, como defende Díaz Blanca (2002: 323):

Es justamente este carácter descriptivo el que induce a establecer, a la luz de los Modelos Cognitivos, que hay unos subprocesos que se organizan jerárquicamente y que revelan la actividad cognitiva sentida por los sujetos productores durante la escritura. Sin embargo, no tienen una secuencia inamovible, sino que son etapas recursivas e interactivas, determinadas por avances y retrocesos permanentes. § En el ámbito del paradigma cognitivo, escribir es una actividad compleja en la cual se activan operaciones mentales, destinadas a obtener un discurso coherente en función de situaciones comunicativas específicas.

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As teorias expressas até então propunham que o modelo seguido pelos escreventes seria, como vimos, uma mera sucessão de etapas que se iniciavam sequencialmente após o

términus da anterior. Contudo, no decorrer da criação de um texto, a mente humana não

segue determinada linearidade, antes pressupõe que alguns procedimentos “se superponen de conformidad com los problemas que se vayan suscitando, de ahí que escribir equivale a subsanar un problema cognitivo” (ibidem: 324). Deste modo, e de acordo com o modelo preconizado por Flower & Hayes (1983), a necessidade de resolver um potencial problema permitirá interromper temporariamente um sub-processo, activando um outro que permita, nesse instante, a resolução do desafio que se lhe afigure mais pertinente, abandonando aquele que, em termos de sequência cronológica, apareceria no topo das prioridades.

No que concerne aos motivos que, potencialmente, poderão levar à activação do mecanismo de controlo, estes prendem-se, por exemplo, com a necessidade de verificar o texto produzido até então (REDACÇÃO-REVISÃO-REDACÇÃO), de (re)planificar o que falta de texto (REDACÇÃO-PLANIFICAÇÃO-REDACÇÃO) ou até, eventualmente, de retomar o fio condutor do texto já produzido (REVISÃO-REDACÇÃO-REVISÃO). Daí decorre a etiqueta que se cola a este modelo de escrita: resolução de problemas, posto que cada momento de produção de um texto é passível de sofrer uma interrupção que permita sanar qualquer tipo de potencial conflito que decorra, seja em termos de forma ou de conteúdo, directamente do texto produzido até determinado momento, implicando até outros processos paralelos à produção de texto, como o sejam o contexto da produção e até a memória de longo prazo do escrevente e dos sub-processos que os compõem, como defende Carvalho (1999).