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Capítulo I Língua materna, língua segunda e língua estrangeira: da definição

1.1. Diferenças conceptuais e epistemológicas entre língua materna, língua

1.1.4. Bilinguismo

Intimamente associado ao conceito de L2 podemos encontrar o bilinguismo, cuja delimitação do conceito se afigura como algo pouco claro, em virtude da abrangência que o configura. Pode entender-se, como defendem Mohanty & Perregaux (1997), entendido à letra, como um facto que decorre da aprendizagem de uma L2; por outro lado, pode ser entendido como a competência que um falante possui em actividades quotidianas, para as quais recorre

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a uma língua que não a sua LM; outros ainda colocam a ênfase do bilinguismo em aspectos de cariz sociológico, como veículo de identidade cultural ou de relações pessoais, inter ou intraculturais.

Em termos de delimitação do conceito de bilinguismo, o espectro é bastante vasto, podendo ser entendido como aquele que possui, pelo menos, uma das competências linguísticas em duas línguas ou, em alternância, como a capacidade do falante em dominar, por completo, um mínimo de duas línguas. Optamos, contudo, pela definição oferecida por Sim-Sim (1998: 221) que caracteriza um falante bilingue como alguém “fluente no uso de duas línguas, seja porque esteve exposto a ambas [,] (…) seja porque a partir de um certo momento (…) teve que funcionar noutra língua (…) que não a língua materna inicial.” Nesse sentido, podemos identificar situações diversas nas quais o bilinguismo assenta, como seja a existência de mais de uma língua num mesmo território, ou no caso de que um falante de uma língua diferente seja acolhido — por razões profissionais ou outras — num país cujo idioma não é idêntico, ou ainda caso a LM dos falantes de um território não seja coincidente com a língua que, aí, possua um carácter oficial.

Contudo, e como defende Bouton (1977), é possível a vivência num contexto social de bilinguismo sem que o falante seja bilingue, para além de que também se pode ser totalmente bilingue fora de qualquer contexto geográfico que o suporte. Usando do mesmo espírito crítico, Baker & Prys Jones (1998) colocam em análise a possibilidade de que se considere bilingue quem entenda um enunciado mas não saiba falar essa língua ou quem, apesar de falar determinada língua, não consiga fazer uso dos seus conhecimentos ao nível da expressão escrita.

Com o intuito de resolver algumas das dúvidas que recaem sobre o conceito de bilinguismo, alguns autores como Bouton (1977) ou Heye (2003) começaram a optar por associar bilinguismo ao resultado de condicionantes naturais, de contacto directo com uma outra língua e bilingualidade como o resultado decorrente de actividades humanas, intencionalmente realizadas para promover a aquisição de uma L2, sendo esta bilingualidade variável ao longo da vida do indivíduo, estando directamente associada à utilização e evolução da competência linguística apresentada. Assim, no que concerne a aprendizagens efectuadas por falantes bilingues, alguns estudos apresentados, em especial os publicados por Mohanty & Perregaux (1997), Perregaux (1994), Thomas (1988), Lambert (1977) ou mais recentemente Wei (2006), vieram demonstrar que falantes bilingues conseguem, mais facilmente, detectar ambiguidades e possuem uma maior sensibilidade para questões associadas à pronúncia, para além de que parecem evidenciar capacidades metalinguísticas que aplicam numa aprendizagem mais eficaz e eficiente de outras línguas. Contudo, as situações de bilinguismo podem originar alguns problemas caso a sua maturação não seja completa; assim, caso o falante possua um nível de proficiência insuficiente, poder-se-á precipitar numa mistura de códigos linguísticos, originando assim formas de expressão mistas que recorrem a elementos ou estruturas de outra língua que não a que está em uso.

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Nesse sentido, podemos considerar que, caso haja, manifestamente, insuficiência de conhecimentos ao nível da L2, esta lacuna acabará por poder, eventualmente, interferir na LM, até porque existem pontos de contacto entre ambos os conceitos; em termos genéricos poderemos considerar como L2 a(s) língua(s) que se adquire(m) em contexto natural de socialização, fora do ambiente aula, associando-se, deste modo, L2 a LM, em termos de processo de aquisição. Existem, efectivamente, outros pontos de contacto entre os conceitos de L2 e LM, associados também ao modo de utilização e aos objectivos que concorrem para a sua utilização: o cumprimento de obrigações sociais, onde se destacam a integração social, a aprendizagem escolar e, em sentido lato, o acesso ao saber. Estes mesmos pontos de aproximação ajudam a definir o afastamento existente entre L2 e LE posto que a utilização desta parece estar confinada ao ambiente de aula de língua e não a um espaço social mais abrangente; ainda assim, pode considerar-se como semelhança entre L2 e LE a sua natureza posto que em ambos os casos a língua para a qual remete possui um carácter não materno. Nesse âmbito, qualquer que seja o caso analisado, L2 e LE têm em comum o facto de, em ambos os casos, se recorrer à matriz da LM por forma a que melhor, e mais efectivamente, se cimentem as aprendizagens e competências a adquirir relativamente à língua-alvo. Assim, e como tínhamos já referido, a LM desempenhará um papel fulcral posto que

uma das características da competência plurilingue e pluricultural é que, ao utilizar esta competência, o indivíduo recorre às suas capacidades e aos seus conhecimentos, tanto gerais como linguísticos (…), de modos diferentes. Por exemplo, as estratégias utilizadas no cumprimento de tarefas que envolvem o uso da língua podem variar consoante a língua em questão. (QECRL, 2001: 188)

Esse papel desempenhado pela LM poderá ser suportado, não raras vezes, pela L2 na medida em que as competências que um falante possua em ambas as línguas acabam por concorrer, especialmente aquando de aprendizagens em tenra idade, para complementar aprendizagens dessas mesmas línguas. No caso de Espanha, onde convivem diversos idiomas em regime co-oficial, cumpre aqui sublinhar o bilinguismo inerente a este tipo de situação, e no qual os conceitos de LM e L2 se dissolvem, em virtude da organização social e escolar de

algumas comunidades8 nas quais a aquisição de ambas as línguas oficias ocorre de forma

simultânea. Em tal processo pôde verificar-se, numa perspectiva diacrónica, desde 19829 até

aos nossos dias que, no caso do euskera, a análise de resultados (Fernández-Ulloa, 2005: 703) demonstrou que

la inversión del desplazamiento lingüistico aspira no sólo al fomento de la adquisición precoz del lenguaje, al dominio fluido de las diversas variedades de una primera o segunda lengua y a su uso corriente dentro de la escuela, sino también a la creciente funcionalidad social y a la transmisión intergeneracional de una

8 Refira-se aqui o carácter excepcional das comunidades históricas, como sejam Catalunha, Galiza e País Vasco, cujo regime de autonomia e natureza específicas têm vindo a ser alvo de maior reflexão, como os casos de Deop Mandinabeitia (2000) e Fernández (2006).

9 Apontamos aqui para a data ab initio da entrada em vigor da ley básica de normalización del uso del euskera.

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lengua que todavía no ha llegado a ser el idioma materno de la mayoría de la población, de manera que cada generación sucesiva pueda partir de un punto más avanzado que aquél del que partió la anterior.

Os factos referidos pela autora antes citada expressam e professam, indubitavelmente, o objectivo de que, no caso das línguas em regime de co-oficialidade, em especial no caso concreto do euskera, este se transforme em LM para o universo de potenciais falantes num futuro próximo, relegando, assim, o castelhano para o estatuto de L2, no que ao País Vasco diz respeito.