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Capítulo I Língua materna, língua segunda e língua estrangeira: da definição

1.1. Diferenças conceptuais e epistemológicas entre língua materna, língua

1.1.2. Língua segunda

Pode considerar-se uma língua segunda (L2) como uma língua de carácter não materno, como o faz, aliás, Ançã (1999), factor que acaba por aproximar esta mesma L2 do conceito de língua estrangeira (LE). É, contudo, importante ressalvar que, por um lado, uma língua estrangeira poderá não cumprir o papel de comunicação, não podendo, por isso, considerar-se como fulcral para a integração do indivíduo na sociedade, enquanto que, por outro lado, uma L2 terá, obrigatoriamente, que desempenhar essa mesma função. Para além dos aspectos diferenciadores antes enunciados, não podemos deixar de ter em consideração factores cuja relevância contribua para rotular uma outra língua que não a materna, como sejam o contexto de imersão linguística ou os objectivos que se pretende alcançar mediante a sua aprendizagem / utilização.

Ngalasso-Mwatha (1992) considera que uma L2 poderá ser definida seja em função do seu carácter cronológico, seja do carácter institucional, baseando-se cada uma delas em critérios de índole distinta. Assim, associa-se à primeira, decorrente de aspectos linguísticos, à ordem sequencial pela qual a língua é adquirida, isto é, após a língua materna, o que faz dela uma L2. O segundo critério, institucional, associa-se a elementos de natureza

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sociolinguística e decorre directamente da aquisição de uma língua que, num determinado país, poderá abranger as funções sociais comummente consideradas oficiais. Este mesmo entendimento parece ser demonstrado por Ellis (1994) que defende uma proposta bastante próxima, divergindo unicamente no entendimento que é feito relativo à forma como uma L2 diverge do conceito de língua estrangeira. Assim, o estatuto de cada uma delas será o elemento diferenciador, tendo a L2 um carácter oficial e, por isso mesmo, de âmbito social, enquanto que uma língua estrangeira tem o seu espaço confinado ao ambiente de aula de língua. Conclui-se, deste modo, a existência de um maior afastamento entre L2 e língua estrangeira, denotando-se, em sentido inverso, uma maior proximidade entre L2 e LM, especialmente em função do elencar de critérios como sejam a imersão, o contexto, as motivações e as finalidades que se pretendem alcançar aquando da aprendizagem de uma língua.

Baquer (1998) acaba por ir um pouco mais além na definição de L2, aprofundando a definição apontada pelos autores anteriormente abordados. Assim, o citado autor oferece à L2 um carácter institucional, materializado pelo reconhecimento oficial dessa mesma língua no estado em que a mesma se insere, para além de um carácter sócio-cultural que sublinha o facto da língua ser socialmente aceite pelos pares, bem como um carácter técnico que implica estatuto e funções próprios e específicos. Na sua demanda pelo desenvolvimento e explicitação do conceito de L2, Baquer (1998) oferece-lhe quatro funções essenciais por forma a cobrir integralmente o carácter com que a mesma é definida. São-lhe, portanto, atribuídas as funções nacionalizadora, por unificar o país ou o estado, veicular, por funcionar como meio de comunicação, mítica, por permitir o acesso total à informação, facilitando assim o progresso da sociedade onde se inserem os falantes e, por último, vernácula, por forçar a sua utilização como língua primeira, preferencial em todos os contactos a estabelecer.

Pese à delimitação de conceitos efectuada até hoje, em alguns círculos como o da linguística aplicada, como aponta Richards (2008), a L2 é comummente associada a qualquer outra língua que acresce à LM, sem que, para tal, haja uma relação directa de dependência entre a língua e o país e/ou o falante, opção já antes tomada por Stern (1983) que recorre ao conceito de L2 como pólo aglutinador de todas as línguas que não a LM, distinguindo-se, estas, unicamente em virtude dos objectivos e processos que decorrem das etapas da sua aprendizagem. Nesse mesmo sentido aponta também Klein (1986), delimitando um pouco mais os conceitos de L2 e língua estrangeira, sendo aquela adquirida no seu âmbito normal, de forma simples e natural dado o contexto de imersão a que está sujeito o falante, considerando-se, por esse motivo, língua de comunicação desse mesmo falante. Por outro lado, uma LE será aquela que, de acordo com o autor, não será usada em contexto de comunicação na medida em que a sua aprendizagem é efectuada apenas em ambiente escolar, enquanto que, como vimos, a L2 deve a sua aquisição ao meio em que a mesma é falada / utilizada.

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Concorrendo, ainda, para a clarificação do conceito de L2, Bley-Vroman (1989) e Bussman (1996) defendem que esta é a língua que o falante adquire por ser uma língua falada no seu país e que é usada por um grupo substancialmente mais restrito de falantes, excluíndo, desse modo, qualquer aproximação entre L2 e língua estrangeira (LE). Contudo, devemos aqui considerar que, não raras vezes, os falantes de línguas como o catalão, o Euskera (Vasco) ou o Galego acabam por considerar cada uma delas como a sua LM, transformando o castelhano na L2. Acresce ainda referir que esta definição aponta como impossível a aquisição de uma L2 fora do país onde esta língua é falada, considerando como única possibilidade para que isso aconteça a existência de língua em regime co-oficial. Afastando-se desta definição, que consideramos de banda estreita e por isso mesmo demasiado limitativa, Ellis (1994) identifica L2 como uma outra língua, adquirida após a LM seja em ambiente escolar ou fora dele; entendimento semelhante demonstra Crystal (1997) que associa a L2 a uma língua não nativa que é utilizada para fins de comunicação, conceito este que vai ao encontro do que antes se aludia relativamente ao castelhano e às três outras línguas com carácter oficial em Espanha.