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Capítulo V A adequação do texto à situação de comunicação

5.3. Texto, textualidade e textualização

5.3.2. Factores pragmáticos

No que diz respeito aos restantes cinco factores que promovem a textualidade, estes podem ainda ser subdivididos, de acordo com Beaugrande e Dressler (1981) em função da atitude que é evidenciada pelos protagonistas do acto comunicativo; deste modo, podemos entender que a intencionalidade e a aceitabilidade funcionam como duas caras de uma mesma moeda por se encontrarem centradas nos usuários, apesar de que se encontrem plasmadas nas actividades de comunicação textual em geral, seja por parte dos produtores, seja por parte dos receptores.

Assim, consideraremos a intencionalidade como a atitude colocada em evidência pelo escrevente no sentido de conseguir criar e apresentar um texto que funcione como um todo coerente e coeso e que, para além disso, consiga cumprir e satisfazer as suas próprias intenções, decorrentes de determinada situação comunicativa. Assim, e dependendo dos objectivos que subjazem à produção do texto, o escrevente deverá realizar um conjunto de opções estruturantes cujo resultado seja o do cabimento integral dos propósitos comunicativos do texto, tenham eles o intuito de informar, pedir, convencer, divertir, ou qualquer outro fim.

No reverso da medalha, como já referimos, encontramos a aceitabilidade que diz respeito à atitude evidenciada pelo leitor/receptor do texto, que considerará expectável que o texto com o qual é confrontado possua as características necessárias para dele obter algum uso e/ou relevância, isto é, o texto deverá ir ao encontro das expectativas do seu receptor, no sentido de que este “acquire knowledge or provide co-operation in a plan” (Beaugrande & Dressler, 1981: I§14) que lhe tenha sido proposto pelo escrevente. Não deve ser descurado, evidentemente, o facto de que a aceitabilidade de um texto poderá ser modulada por factores internos ao texto (como o tipo de texto, a sua coesão ou coerência) ou externos ao mesmo (contexto social ou cultural da recepção do texto). Ainda assim, parece importante ressalvar o facto de que o texto poderá até apresentar defeitos no âmbito da coerência e da coesão; porém, o acordo tácito existente entre escrevente e leitor poderá permitir que seja o próprio receptor do texto a preencher os espaços vazios, “by making their own contributions to the sense of the text” (idem, ibidem: I§14).

Assim, mesmo quando o texto apresentado não preencha os requisitos exigíveis, o receptor acaba por desempenhar um papel activo na (re)construção do mesmo pois coloca ao serviço de uma compreensão plena do texto todas as ferramentas de que dispõe, deduzindo e inferindo, pressupondo e reorganizando ideias, conceitos, frases e parágrafos por forma a aumentar a coerência do texto em questão. Podemos, por isso, concluir que neste jogo de cooperação, a margem de erro do escrevente é directamente proporcional ao conhecimento que os interlocutores partilhem sobre determinada situação, porquanto é essa harmonização que contribui de forma indelével para a consecução dos objectivos comunicacionais inicialmente previstos.

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No que diz respeito ao critério de situacionalidade, este prende-se com a adequação do texto à situação de comunicação pois está associado ao contexto em que o mesmo ocorre, quer através da sua pertinência, quer da sua relevância. Isto significa que o contexto no qual um texto é recebido se reveste de uma importância, no mínimo semelhante, ao daquele em que foi produzido, até porque um texto considerado menos coeso pode funcionar melhor, em oposição a um outro mais coeso e, por essa mesma razão, mais intrincado. Tomemos como exemplo a inscrição “perigo de electrocussão”, impressa numa fita plástica que se encontra enterrada no subsolo e é encontrada por um grupo de trabalhadores. É certo que o texto antes referido pressupõe que o seu receptor lhe ofereça alguns critérios adicionais, mas a construção do sentido último do texto é-lhe oferecida pelo próprio contexto no qual o texto se encontra inserido, para além de que a inscrição “perigo de electrocussão” será, obviamente mais eficaz do que a existência de alguns parágrafos com instruções e advertências que, seguramente, ninguém iria ler. Assim, e por romper com alguns critérios, o texto acaba por se tornar, ele próprio, mais aceitável e, por isso mesmo, substancialmente mais útil.

Poderemos, ainda, vincar a importância da situacionalidade em função de três vectores que contribuem para uma mais eficaz prática comunicativa e que passam pela noção de colaboração e cooperação entre os interlocutores, pela qualidade do texto e, também, pela quantidade, considerando que este âmbito pressupõe critérios como a precisão, a clareza e a concisão dos conteúdos tratados. Num primeiro momento, contribuindo até para uma possível economia do discurso, é importante que o escrevente tenha em consideração a previsível gama de conhecimentos do seu leitor, por forma a evitar a explicitação de conteúdos já conhecidos, isto é, que pré-existem ao texto ou que advêm do próprio contexto, seja ele interno ou externo ao texto em questão. No que concerne à qualidade, o escrevente deverá ter em atenção a associação entre o tipo de texto e a intenção comunicacional subjacente a tal propósito; significa isto que a cada acto comunicativo corresponderão determinadas especificidades de linguagem, bem como tipos particulares de discurso. Relativamente à quantidade, este terceiro campo de actuação decorrente da situacionalidade alerta para o facto de que um texto deve incluir a informação necessária para uma adequada compreensão do texto, pelo que deverá jogar com uma estabilidade linguística que permita a mais estável e equilibrada quantidade de texto possível, necessária à plena eficácia comunicativa do texto.

A informatividade indispensável à noção de textualidade veiculada por Beaugrande & Dressler (1981), para além de se relacionar com a concepção de quantidade decorrente da situacionalidade, remete para o grau de familiaridade – ou falta dele – que o receptor de um texto possa manter com os conteúdos nele referidos; assim, poderemos considerar que, por um lado, quanto menor a informatividade de um texto, mais previsível o mesmo se torna e, por esse motivo, menos interessante, enquanto que, por outro lado, um índice de informatividade exagerado promoverá demasiada informação nova e, por isso mesmo, um

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maior esforço interpretativo que talvez origine algum desinteresse por um texto mais denso. O ideal será, então, que o texto apresente um índice de informatividade médio, decorrente de novos contributos informativos, directamente associados a informação já antes conhecida pelos interlocutores no processo comunicativo.

O último critério de textualidade apontado por Beaugrande & Dressler (1981) passa pela intertextualidade que faz pressupor que um texto dependerá, quase sempre, de alguma relação que o mesmo estabelece com algum outro texto, exigindo, assim, a explicitação do conhecimento desse outro texto. Essa explicitação pode ser levada a cabo pelo escrevente propriamente dito ou pode ser apenas pressuposta, caso se considere que o(s) seu(s) interlocutor(es) devam ter conhecimento dessa mesma relação de referenciação. Considera- se, assim, que um texto vai construir o seu sentido, não de forma isolada, per si, mas em função de uma teia de hiperligações que lhe conferem o seu sentido último.

Existe, contudo, uma linha bastante ténue que deve ser tida em linha de conta e que passa por uma potencial ingerência entre aquilo que é, efectivamente, intertextualidade ou pelo entendimento de que essas mesmas marcas de intertextualidade sejam consideradas como informação previsível – por se tratar de informação de conhecimento geral – e, por isso mesmo, um elemento que concorra para a diminuição do grau de informatividade de determinado texto.

Consideramos, então, que a unidade textual é construída de forma sustentada com base em dois pilares; em termos semântico-formais, o suporte é garantido através da coerência e da coesão, enquanto que os aspectos de índole mais pragmática, como a intencionalidade, a aceitabilidade, a situacionalidade, a informatividade e a intertextualidade sustentam a textualidade num âmbito de raiz sociocomunicativa. Verifica- se, deste modo, que não basta uma sequência cumulativa de palavras ou frases para que esse resultado possa considerar-se um texto; exige-se, isso sim, a existência das características antes enunciadas e o facto de que ofereçam a essa produção escrita algum grau de textualidade, considerando-a não apenas uma característica inerente ao texto escrito, mas antes uma parte significativa do conhecimento linguístico dos utilizadores de uma língua e que acaba por ser aplicado a todas as produções escritas, seja na perspectiva do escrevente, seja na do leitor.

Este facto decorre da possibilidade de que o receptor de um texto coloque ao serviço da compreensão e interpretação do mesmo todas as ferramentas de que dispõe para não perder nenhum tipo de informação. Este entendimento, a par da consequente mobilização de conhecimentos para favorecer a interpretação do texto, promove a eliminação ou o ultrapassar de qualquer potencial defeito inicial do texto, contribuindo, ele mesmo, para textualizar toda e qualquer produção escrita.

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