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Capítulo IV A produção de expressão escrita em língua estrangeira

4.1. Escrita e oralidade

Em capítulos anteriores, tivemos já a oportunidade de comprovar a noção de escrita, as suas origens e um pouco mais sobre a forma como se processa a sua concretização. Vimos já que a grande vantagem da escrita face à oralidade prende-se com a forma como a primeira sempre perdurou, superando os limites do espaço e do tempo. É certo que, actualmente, fruto do desenvolvimento extensivo das novas tecnologias, a oralidade pode também ela perdurar no tempo e alcançar outros povos, outras culturas e outros locais, separados espacial ou temporalmente. Contudo, a escrita – talvez fruto de uma experiência de séculos – acaba por ter primazia no que concerne ao método preferencial de “memória futura”.

Através da escrita reúne-se informação num processo sempre cumulativo e administram-se sociedades complexas, seja politicamente através da constituição, seja legalmente através das leis fundadoras de uma sociedade. Parece-nos ser esta a grande vantagem que a afasta da oralidade, até porque acabaram por ser esses os factores que, em grande medida, originaram grandes mudanças na humanidade, tendo a escrita potenciado muitos dos elementos-chave da nossa civilização actual (Cassany, 1999: 12). Podemos, assim, considerar que a escrita favorece a análise e a reflexão na medida em que oferece o armazenamento de informação sem recorrer, de forma obrigatória, à memória dos indivíduos. A oralidade, por um lado, permite a repetição, a acumulação de saberes ou a identificação de factos já ocorridos, enquanto que, num pólo oposto, a escrita fomenta o surgimento de uma maior ponderação e reflexividade por se tratar de um processo que implica uma maior moderação, quer ao nível da apropriação de conhecimento, quer, ainda, ao nível da construção de conhecimento.

Esta colocação da ênfase na análise – e não na memorização – acaba também por permitir uma maior percepção do eu e da sua própria cosmovisão do mundo, algo que favorece, a posteriori, a comunicação com o outro, facilitando-a e, até, incentivando-a, algo que acaba por marcar o poder da escrita. Contudo, pese embora esta importância da escrita e a sua prevalência historicamente demonstrada em ambiente de aprendizagem identificam-se, de um modo bastante mais claro, a necessidade e a predisposição que os alunos evidenciam relativamente à oralidade – expressão ou compreensão oral – grandemente porque estas possuem uma relação inequívoca com diferentes tarefas diárias e, por isso mesmo, com situações reais de comunicação (Littlewood, 1996).

Não deve, por isso mesmo, confundir-se oralidade com escrita. A natureza destas competências faz com que cada uma funcione de forma autónoma, seja colocada em prática de modo independente e, mais importante ainda, deva ser ensinada cumprindo diferentes

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critérios, especialmente porque a oralidade representa uma aquisição natural, enquanto que a escrita é uma técnica artificial, que requer um contexto escolar para ser trabalhada. Grande parte da distinção entre oralidade e escrita advém do facto da escrita, como já vimos, poder perdurar durante um longo período de tempo; a sua durabilidade exige uma explanação clara e concreta através da revisão e correcção, pois requer a eliminação de toda e qualquer ambiguidade por forma a usar toda a precisão possível. A comunicação oral, por seu lado, e fruto do imediatismo que a enforma não obriga a essa revisão constante pois caso haja alguma dúvida, pode repetir-se o enunciado ou, através da interacção com os interlocutores, encontrar-se facilitada a análise da compreensão.

A oralidade permite, ainda, que se acrescente ao enunciado a entoação, os gestos ou a expressão facial, elementos que podem, de alguma forma, associar-se à ortografia, sintaxe e pontuação que oferecem à escrita uma clareza na comunicação mais consentânea com os seus objectivos. Ainda assim, podemos debruçar-nos sobre algumas aproximações e afastamentos entre escrita e oralidade, em especial porque, como defende Cassany (2005: 20), existem produções orais que compartem características com produções escritas, como a conferência com o artigo, ou a conversa mantida à mesa do café com as salas electrónicas de conversa. De facto, as novas tecnologias acabaram por imiscuir-se na distinção historicamente marcada entre oralidade e escrita, baralhando os conceitos na medida em que, “escribiendo de forma desordenada com continuas repeticiones, vocativos y frases incompletas, sin la existencia de una ordenación de las ideas que se corresponda a las de los párrafos” (ibidem, 30), parecem deixar de fazer sentido as fronteiras que delimitam cada uma das competências a que antes aludimos. É certo que sempre houve tentativas de aproximação, digamos hibridismo, especialmente no teatro, género literário escrito com o intuito de ser falado ou as entrevistas que pese embora faladas têm o intuito de ser plasmadas de forma escrita em diferentes meios de comunicação social escrita.

Convém, assim, clarificar de uma forma um pouco mais sistematizada as diferenças que claramente separam produções orais de produções escritas, centrando essas diferenças em dois grandes âmbitos: o contextual e o textual. Assim, enquanto que a oralidade está marcada por uma comunicação espontânea posto que ocorre unicamente nesse momento, a escrita é uma forma de comunicação mais artificial na medida em que emissor e receptor estão separados e ambos podem escolher o melhor momento para veicular ou receber a mensagem; podemos, por isso mesmo, definir como imediata a comunicação oral e diferida, por poder divergir em termos de localização espácio-temporal, a comunicação escrita; em virtude do exposto, a oralidade poderá revestir-se de códigos não-verbais como a gestualização, algo que será totalmente alheio à escrita na medida em que a não existência de contacto directo entre emissor e receptor impede qualquer possível interacção que pode, isso sim, ser propiciada no decorrer de uma produção oral pois o emissor poderá analisar as reacções do(s) receptor(es) e, em função desta análise, alterar e/ou adaptar o seu discurso, algo que não acontece com produções escritas dado que o escritor apenas poderá inferir a

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reacção do seu leitor; ainda em termos de uma análise de diferenças contextuais entre produções orais e escritas cabe também referir que enquanto a primeira é efémera ao extinguir-se no momento exacto da sua produção, a escrita é, a esse nível, bastante mais duradoura por perdurar no tempo, podendo, até, ganhar um valor de testemunho de determinado registo espácio-temporal, permitindo assim uma análise sincrónica, isto é, num plano temporal marcado no tempo.

Num âmbito mais textual, centrado no conteúdo e não no processo, importa referir que a escrita possui uma tendência natural para o recurso à utilização standard da língua enquanto que a oralidade tende a marcar de forma indelével as diferenças dialectais, permitindo um uso mais livre e não tão artificial da língua; no que concerne à selecção de conteúdos, esta é substancialmente mais precisa em relação à escrita, por contraste com uma selecção um pouco menos rigorosa, fruto da tendência que a oralidade apresenta para divergir do tema ou de enveredar por repetições; talvez devido a este facto, a oralidade acaba por caracterizar-se por uma maior liberdade em termos de estruturas, liberdade essa que não é extensível à escrita, cuja natureza exige, não raras vezes, o recurso a estruturas um pouco mais estereotipadas, cuja origem remonta a fórmulas e a convencionalismos sociais criados com o intuito de unificar estilos; essas estruturas mais rígidas acabam por dar origem a que o tipo de discurso seja mais complexo na escrita e substancialmente mais simples na oralidade, ao permitir, neste caso, elipses ou até frases inacabadas, o que implica também que esta recorra menos à gramática e mais à entoação ou a pausas, como elementos que possam configurar e conferir significado ao texto, enquanto que a escrita acabará por fazer uso com maior frequência da gramaticalidade nas suas produções, seja através da pontuação ou da forma como pode operacionalizar a menção a aspectos já aludidos ou a referir, mediante a utilização de referências anafóricas ou catafóricas.

Tomemos como exemplo a frase “La próxima semana, Alberto Contador podrá volver

con su equipo. La UCI le permitió volver a competir por lo que será la primera vez en 2013 que el ciclista español correrá con el Team Saxo-Tinkoff.”. Nela, o elemento “La próxima semana” establece uma relação catafórica com os restantes elementos do texto cuja

localização temporal seja o futuro, como sejam “podrá”, “será” ou “correrá”, acções estas

que, de alguma forma, está a antecipar e com as quais se relaciona intimamente. Denota-se,

ainda, uma catáfora entre “la primera vez” e aquilo que desta informação depende nesta

frase, “correrá”. Por outro lado, as referências anafóricas relacionam-se com elementos já

conhecidos e explicitados no texto: retomar-se-á um elemento que já antes tinha surgido e voltar-se-á a nomear, garantindo assim a coesão e a coerência textuais posto que o texto e a sua progressão será grandemente suportada pela existência destas anáforas. Assim, o

pronome de complemento indirecto “le” e o segmento “el ciclista español” estabelecem

relações anafóricas com o nome próprio “Alberto Contador”, isto é, ambos os elementos

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No mesmo âmbito podemos identificar a referência ao “Team Saxo-Tinkoff”, já anteriormente

mencionada como “su equipo”.

Considera-se, assim, que substantivos, sintagmas nominais ou pronomes que retomem um antecedente textual, seja ele uma palavra, um segmento ou um parágrafo completo, funcionarão como referências anafóricas, vinculando-as, assim, ao texto e oferecendo-lhe, deste modo, a coesão textual necessária, ao permitir o estabelecimento de regras que indiquem as condições que uma oração prévia ou subsequente deve, digamos assim, cumprir para garantir essa mesma coesão e coerência. Esta definição é também válida para a catáfora que, ao antecipar a informação que apenas chegará mais adiante, também concorre para o evidenciar da coesão e coerência textuais pois identifica uma relação prospectiva na qual um termo depende de um outro que apenas será mencionado mais tarde.

4.2. O ensino da escrita em Espanhol Língua Estrangeira