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1 Constituição Federal de 988

1.2 Gestão de recursos hídricos no Brasil a partir da Constituição

1.2.2 Bacia Hidrográfica como unidade de gestão

Como vimos, existe uma norma geral da União sobre a política hídrica, que no Estado do Paraná é suplementada por uma política regional, representada pela Lei Estadual nº 12726/1999 e sua regulamentação. Tanto a política nacional (art. 1º, V, da Lei nº 9433/1997) como a política estadual de recursos hídricos (art. 2º, V, da Lei Estadual nº 12726/1999) preveem que a gestão das águas deve ser implementada levando-se em consideração a divisão dos corpos hídricos e aquíferos em bacias hidrográficas.

A bacia hidrográfica, bacia de drenagem ou bacia fluvial (BARROS, 2002:1) concebida como unidade de gestão reflete uma novidade na política pública brasileira, pois sabidamente as unidades territoriais mais utilizadas para administração são os limites territoriais. Neste espectro, a bacia hidrográfica representa além de um recorte geográfico, uma unidade territorial e de planejamento (CASTRO, 2005:19).

Popularmente, a bacia hidrográfica era conhecida como “vale”, representada por uma região de baixa altitude, plana, que se comporta como reservatório das águas oriundas de áreas próximas mais elevadas (BARROS, 2002:1).

Pode-se definir atualmente a bacia hidrográfica, de forma bastante simples, como “parte da superfície terrestre que contribui para alimentar um rio ou lago” (ONS, 2009). Este conceito, incorporado pelos agentes operadores do setor elétrico, é adotado, via de regra, também no campo jurídico (POMPEU, 2007:343).

Pode ainda ser integrado mais um elemento neste conceito, proposto pela ciência da geografia (CASTRO, 2005:19), pelo que se pode afirmar que a bacia hidrográfica é uma área delimitada por divisores de água e drenada por um certo rio ou sistema fluvial. Ou seja, nas palavras de Castro (2005:19), trata-se de

uma área definida topograficamente, drenada por um curso d’água ou um sistema conectado de cursos-d’água tal que toda vazão efluente seja descarregada através de uma simples saída.

Como sustentam Carrera-Fernandez & Garrido (2003:105), a definição de bacia hidrográfica teve de ser estendida fisicamente para abarcar os fatores que a afetavam (como a influência dos aquíferos, de bacias adjacentes e das atividades antrópicas), chegando-se a um conceito “holístico” de bacia hidrográfica, segundo uma visualização de espectro amplificado.

Os limites de uma bacia hidrográfica são definidos por dois tipos de divisores de água, sendo um divisor topográfico ou superficial e um divisor freático ou subterrâneo, cujas áreas dificilmente coincidem (CARRERA-FERNANDEZ & GARRIDO, 2003:104). Assim, como a determinação do divisor freático muitas vezes não é precisa, costuma-se considerar que a área da bacia de drenagem é aquela determinada pelo divisor topográfico (CASTRO, 2005:19), a qual tem em sua linha mais alta o divisor de águas e na mais baixa o talvegue (POMPEU, 2007:343).

Podem ser distinguidas três partes nas bacias, denominadas: bacia de reunião, canal de descarga e bacia de depósito (POMPEU, 2007:343).

Contudo, a concepção da bacia hidrográfica como unidade de gestão das águas deve ir além da conceituação estritamente geográfica, com a abordagem de seus elementos físicos, biológicos, sociais, culturais e éticos e suas inter-relações, haja vista que praticamente tudo que ocorre em seu espaço afeta direta ou indiretamente a disponibilidade hídrica (CASTRO, 2005:20). Nesta mesma linha, Pompeu (2007:350) elenca que a definição de bacia hidrográfica diz respeito ao território, acrescido de seus complementos ambientais, sanitários, econômicos, culturais, vegetais, animais e minerais.

Neste sentido também o entendimento de Barbosa et al. (1997:258), para quem as “bacias são sistemas terrestres e aquáticos geograficamente definidos, compostos por sistemas físicos, econômicos e sociais.”

Pois bem, a legislação brasileira relativa aos recursos hídricos estabelece a bacia hidrográfica como unidade de gerenciamento das águas no Brasil, como ocorre, por exemplo, com os regramentos da Alemanha, França e Estados Unidos (GUIVANT & JACOBI, 2003:9). Ao adotar esta sistemática, a Política Nacional de Recursos Hídricos rompe com as tradicionais fronteiras físico- políticas dos estados, exigindo uma integração entre os poderes municipais, estaduais e federal (GUIVANT & JACOBI, 2003:9), o que apresenta a todos uma gama de novos desafios que necessitam superação.

Tem-se visto de forma bastante forte na produção científica nacional, a reverberação das vantagens da utilização da bacia hidrográfica como unidade de gestão dos recursos hídricos. Neste sentido, sustenta-se que este recorte, que tem como limite os divisores de água, faz com que a bacia hidrográfica seja representada por uma delimitação concreta no espaço e tempo (CASTRO, 2005:21).

Suscita-se ainda, neste sentido, que em comparação com os limites político-territoriais, a bacia hidrográfica promove maior integração na sua gestão, com maior possibilidade de participação social e valorização dos recursos naturais locais, já que os entes federativos (União, Estados, Municípios e o Distrito Federal) que integrem uma mesma bacia precisam atuar de forma colaborativa e complementar, sem que uma unidade administrativa federal tenha supremacia sobre as demais (CASTRO, 2005:21).

Outros aspectos positivos na adoção da bacia hidrográfica como unidade de gestão hídrica, segundo Castro (2005:23), constituem-se: na possibilidade de organização comunitária em face à questão ambiental, com a superação de entraves impostos por limites políticos e administrativos; na maior facilidade para sistematizar e executar ações dentro do espaço da bacia; na possibilidade de avaliação dos resultados alcançados com a gestão dos recursos ambientais como um todo; no favorecimento do desenvolvimento econômico, mediante o uso racionalizado dos recursos ambientais da bacia e da infra-estrutura existente.

No entanto, além das vantagens acima elencadas, também existem dificuldades decorrentes da adoção da bacia hidrográfica como unidade de gestão dos recursos hídricos.

O primeiro grande desafio que se apresenta para a gestão por bacias consiste no fato de que a unidade territorial que a constitui, via de regra, não corresponde a identidades culturais e sociais comuns, o que dificulta sobremaneira a implementação da respectiva política pública (GUIVANT & JACOBI, 2003:19). Ora, se os sujeitos que vivem em uma determinada bacia hidrográfica não se identificam entre si como indivíduos envolvidos num mesmo sistema de gestão, bastante difícil se torna a sua articulação para tratar de temas de interesse comum.

Neste ponto, acrescenta Barros (2002:2) que há dificuldades na articulação social e na estrutura político-administrativa para a gestão por bacias, haja vista a pouca presença, via de regra, de capital social e de qualificação técnica nas questões de interesse público e social. Indivíduos com fracos laços de identidade dificilmente poderão se articular com a formação de uma rede consistente de capital social.

Compromete também a boa implementação da política de gestão hídrica o fato de as bacias hidrográficas não coincidirem, via de regra, com os limites político-administrativos das unidades da federação, o que implica em trabalhar com interesses e possibilidades distintos, atinentes a cada esfera governamental (CASTRO, 2005:23).

Ainda neste caminho, Barros (2002:2) defende que há um problema decorrente da formação dos laços federativos22 no Brasil, onde a instituição da federação se deu de cima para baixo, o que levou os entes federados a perder a noção de nação, estabelecendo bases competitivas onde cada um se preocupa exclusivamente com seu resultado individual.

Para além desses argumentos, tem-se observado que a delimitação pelo critério das bacias hidrográficas não seria eficiente, pois não leva em conta o espaço de real influência nem leva em consideração a vocação local. Desta feita, alguns autores sugerem a adoção da “bacia ambiental” como unidade de gestão dos recursos hídricos, cujos limites são estabelecidos de forma flexível em razão das relações ambientais de sustentabilidade de natureza ecológica, econômica e social (RUTKOWSKI & SANTOS, 1998). Em outra frente, há estudiosos que propõem a

22 Optou-se por utilizar o termo “laços federativos” neste trabalho em vista da posição defendida pelo Ministro Gilmar Mendes, atual Presidente do Supremo Tribunal Federal (à qual o autor desta obra adere integralmente), para quem a expressão “pacto federativo” não reflete a realidade da formação da federação brasileira, imposta verticalmente e não oriunda de verdadeiro pacto entre os entes que a integram.

divisão do espaço que compreende as bacias hidrográficas em unidades menores, segundo características hidrológicas, geomorfológicas e usos da água e do solo (CASTRO, 2005:24).