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CAPÍTULO III AMBIENTE E SOCIEDADE: BACIA HIDROGRÁFICA DO

3.2 Participação e democracia na gestão das águas da Bacia

É cabível esclarecer agora que no Capítulo II deste trabalho foi realizada uma abordagem mais aprofundada sobre o conteúdo do termo “participação” para os fins do estudo, dentro da perspectiva do campo ambiental. Neste momento, empreende-se uma análise da mesma categoria com relação às especificidades da gestão de recursos hídricos na bacia do litoral paranaense, no sentido de materializar a exploração do caso proposto.

Digna de registro a informação condizente a que na bacia litorânea paranaense, a instalação do respectivo Comitê de Bacia estava prevista inicialmente, conforme informação veiculada no website do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (http://www.recursoshidricos.pr.gov.br/), para o ano de 2010.

No que alude a este ponto, o Governo Estadual (através da SEMA/PR, do CERH e da SUDERHSA), a Petróleo Brasileiro S.A.69 e uma organização da sociedade civil participaram da primeira reunião a respeito da instituição futura do Comitê da Bacia Litorânea do Paraná70, onde se verificou o estágio ainda incipiente da adoção desta iniciativa, por faltar, a princípio, viabilidade econômica para o regular funcionamento do órgão gestor. Em informação obtida em 10.06.2009, na sede da SUDERHSA, junto à Secretária Executiva do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, Marianna Roorda, o processo de implantação do Comitê da Bacia Litorânea não teve avanços e se encontra sem curso, haja vista a inexistência de fonte de custeio para o funcionamento do órgão e a falta de participação social.

69 Assistida no ato pelo autor deste trabalho, que é advogado da referida Companhia, com atuação exclusiva na área de Direito Ambiental.

70 Realizada em 11 de setembro de 2008, durante o III Seminário de Desenvolvimento Sustentável no Litoral do Paraná: Monitoramento Costeiro e Marinho (8 a 11 de setembro de 2008), promovido pela Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Paraná, na Associação Banestado, Praia de Leste, Município de Pontal do Paraná-PR.

Pode-se constatar assim uma debilidade na gestão dos recursos hídricos da bacia litorânea paranaense, já que as decisões necessárias para o manejo deste bem não são tomadas dentro do locus político institucional (MOTTA, 2000) erigido pela lei para esta finalidade. Não se está a afirmar que a mera presença do Comitê de Bacia é suficiente para que a gestão das águas passe a ser democrática e participativa, mas apenas que a ausência desta instituição demonstra de modo objetivo a precariedade na implementação da política pública71 das águas na região litorânea do Paraná. E a falta de implantação dos órgãos de gestão participativa, diante dos indicativos coletados, faz parte da política de governo promovida pelo Governo do Estado do Paraná, pouco empenhada neste sentido.

De acordo com os dados extraídos do Plano Nacional de Recursos Hídricos (Caderno Setorial da Região Hidrográfica Atlântico Sul, 2006:109), esta região hidrográfica conta com diversos comitês de bacia implantados e em funcionamento, os quais têm abrangência sobre aproximadamente 90% da sua área territorial e contam ao menos com comissões diretoras provisórias. Frente a esta evidência, pode-se concluir que o Estado do Paraná está menos avançado no que diz respeito à implantação da política hídrica, comparativamente aos outros entes que compõem a Região Hidrográfica do Atlântico Sul.

Mesmo porque, a atuação concentradora do Governo do Estado do Paraná, relatada oportunamente, de certa forma, gera o distanciamento dos demais sujeitos sociais da gestão hídrica, que se desalija em grande parte do viés plural e participativo embutido pelo ordenamento. Assim, pode-se retratar que a resistência do Poder Público estadual à abertura na gestão hídrica teve como consequência o afastamento da coletividade da gestão das águas, especialmente na bacia litorânea do Estado.

E o que é ainda mais intrigante, nos termos do ANEXO III, da Resolução nº 24/2006, da Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Paraná, os Escritórios Regionais da SUDERHSA (órgão que faz o papel de agência de Bacia no Estado) e do Instituto Ambiental do Paraná, responsáveis pela atuação na bacia litorânea, localizam-se somente em Curitiba e Paranaguá. Recentemente a Portaria

71 Concebida neste trabalho como “o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, ‘colocar

o governo em ação’ e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real.” (SOUZA,

nº 31, de 15 de junho de 2009, da SUDERHSA determinou a criação de um escritório local da autarquia no Município de Guaratuba, vinculado ao escritório de Paranaguá, em face do que se extrai que somente em dois dos sete municípios que compõem o mosaico do ecossistema há acesso direto ao Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

A situação não é diferente com relação ao órgão deliberativo e consultivo do Sistema Estadual de Gestão de Recursos Hídricos, o Conselho Estadual de Recursos Hídricos, que na opinião de Castro (2005:42) é “majoritariamente composto por representantes do governo do estado e caracteriza - se por ser a instância mais elevada das decisões e recursos.”

O único foco de gestão democrática identificado no litoral paranaense se faz presente no Conselho de Desenvolvimento Territorial do Litoral (COLIT)72, que é “órgão de decisão colegiada responsável pelo disciplinamento do uso e ocupação do solo no litoral paranaense” (LEAL, 2000:83). Segundo Leal (2000:84) a composição do COLIT admite a participação da sociedade civil nas decisões que dizem respeito à ocupação do solo, as quais possuem relação direta com a gestão hídrica, já que afetam a disponibilidade qualitativa e quantitativa da água.

Mesmo assim, a intervenção do poder público no ordenamento do uso e ocupação do solo litorâneo não é suficiente para frear a deterioração da qualidade de alguns ambientes urbanos, sobremaneira nos Municípios de Paranaguá, Matinhos e Guaratuba, fato que acaba por comprometer, dentre outros fatores, a disponibilidade hídrica destas localidades.

Considerado pela voz de sujeitos instituídos em posições políticas no Poder Executivo estadual, e, portanto, hegemonicamente, um centro de gestão democrática do solo litorâneo (LEAL, 2000:84), o COLIT é composto atualmente por 22 membros, distribuídos da seguinte forma: 6 Secretários de Estado, incluindo o Secretário de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, que o preside; 7 Prefeitos dos Municípios litorâneos, como membros natos e 9 membros efetivos com mandato de 2 anos, não admitida a recondução para o mandato seguinte.

Os membros efetivos são representantes das categorias patronais, dos trabalhadores, Promotoria de Proteção do Meio Ambiente, um representante das

72 Criado pelo Decreto Estadual nº 4605/1984 e alterado pelos Decretos Estaduais nº 2154/1996 e 3060/1997.

entidades ambientalistas do Paraná que atuem no Litoral Paranaense, um representante das colônias de pescadores do Litoral Paranaense, um representante das entidades da Construção Civil, incorporadoras e do mercado imobiliário, e dois representantes das associações comunitárias do Litoral Paranaense.

Da composição do Conselho do Litoral pode-se verificar que o poder público (estadual e municipal) possui maioria de votos73 (13 votos), o que compromete a participação dos demais segmentos, em especial da sociedade civil.

Além de contar com 13 representantes do poder público, o COLIT conta com 2 representantes do setor empresarial (categorias patronais e mercado imobiliário), 1 representante do setor técnico (CREA) e 6 representantes que podem, de alguma forma, abraçar a representação da sociedade civil74, contudo, apenas as associações locais e o Ministério Público possuem tal missão institucional.

Digno de consideração também o fato de que os representantes do Poder Público tem o status de membros natos do COLIT, enquanto que aqueles vinculados ao setor produtivo e à sociedade civil têm mandatos eletivos de 2 anos, vedada a recondução. Desta feita, há um rodízio obrigatório dos membros do COLIT que não integram o poder público, enquanto que aqueles vinculados aos entes governamentais possuem todo o tempo necessário para o fortalecimento de seus laços.

Sob este espectro, verifica-se mais uma vez o uso do discurso da gestão democrática e participativa para ocultar a centralização das decisões sobre políticas supostamente participativas nas mãos dos representantes do Poder Público, de forma bastante similar à que se verifica nos Conselhos de recursos hídricos, como especificado em momento anterior, no Capítulo I.

Contudo, a ideia defendida no parágrafo anterior não ressoa unânime, existindo entendimentos em contrário que concebem a atuação do COLIT como “ágil e moderna”, já que o colegiado analisa “um volume expressivo de processos relativos à ocupação do solo litorâneo, viabilizando a instituição em seu caráter democrático de participação coletiva” (LEAL, 2000:90). Neste ponto, entende-se que o fato de o Conselho analisar vários processos não implica possuir o mesmo caráter democrático de participação coletiva. Ao contrário, já que, via de

73 Levando-se em conta que as deliberações do COLIT são tomadas por maioria simples dentro de suas comissões ou em plenária.

regra, a participação democrática torna os procedimentos mais morosos, haja vista sua abertura, porém formadores de consensos mais estáveis e duradouros.

Merece consideração que as UHE estudadas estão situadas fisicamente dentro das APAs da Serra do Mar e de Guaratuba. E conforme informação da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Paraná75, as aludidas unidades de conservação não contam com Conselhos Gestores instituídos, o que contribui para que seja obstaculizada a efetiva participação coletiva na gestão dos bens ambientais da região.