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CAPÍTULO III AMBIENTE E SOCIEDADE: BACIA HIDROGRÁFICA DO

3.3 Conflitos de uso da água na Bacia Hidrográfica do Litoral

3.3.2 Conflitos não aparentes

Para além daqueles conflitos de uso identificados mediante exteriorização de condutas, também merecem acolhida neste estudo as disputas veladas pelo controle das águas na bacia litorânea do Paraná.

Segundo leciona Medeiros (2005:128)

As atividades dos grupos financeiros que especulam a crise da água atingiram níveis de articulação no Brasil instalando seus agentes em diferentes sistemas de consórcios e empresas de águas em muitos estados brasileiros e particularmente no Estado do Paraná.

Isso decorre, em grande parte, do fato de que as políticas de gestão da água atualmente aplicadas nas esferas do Poder Público (especialmente estadual e municipal) não conseguiram articulação e penetração suficiente para garantir o funcionamento do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e aplicar a política hídrica de forma a garantir a gestão adequada deste recurso (MEDEIROS, 2005:128).

Exterioriza este panorama fato ocorrido no ano de 2004, relativo à disputa pelo controle acionário da SANEPAR entre o Governo do Estado do Paraná e a companhia Dominó Holdings S.A. – com quadro acionário composto pela Andrade Gutierrez Concessões S.A., Banco Opportunity, Sanedo Ltda., Copel Participações S.A. e pela francesa Vivendi, detentoras de 39,7% das ações ordinárias da SANEPAR. O grupo Dominó acusou o governo paranaense de desrespeitar os contratos firmados entre as partes ao ter convertido uma dívida da SANEPAR com o Tesouro Estadual, na ordem dos R$ 397 milhões, em participações acionárias, o que causou a diluição do Grupo Dominó no quadro acionário da companhia estadual de saneamento (MEDEIROS, 2005:129).

Ao assim agir, na opinião de Medeiros (2005:129), além de retomar o controle administrativo da SANEPAR, o Governo estadual retomou as funções de gerenciamento do Sistema Estadual dos Recursos Hídricos, o que foi procedido

mediante a extinção das Agências de Águas e determinação no sentido de que a SUDERHSA reassumisse sua atuação como órgão gestor executivo do Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SEGH/PR), juntamente com o Conselho Estadual de Recursos Hídricos, o que se deu mediante a edição da Resolução nº 37/2007, do Conselho Estadual de Recursos Hídricos.

Também a revisão da Lei Estadual de Recursos Hídricos (Lei nº 12.726/99) procedida em 2005 demonstrou mais uma das medidas governamentais para retomada do controle da gestão das águas no Estado do Paraná (MEDEIROS, 2005:129), o que se repetiu com a apresentação do Projeto de Lei nº 515/2008 (que originou a Lei n° 16242/2009), que trata da extinção da SUDERHSA e criação do Instituto das Águas Paranaense, além de promover alterações na Política Estadual de Recursos Hídricos, em busca de uma gestão mais centralizada.

Pode-se dizer que esta atuação concentradora do Governo do Estado do Paraná, de modo geral, tem gerado a exclusão dos demais sujeitos sociais da gestão hídrica, que dessa forma perde em muito seu viés democrático e participativo. Isto se observa de forma bastante presente, já que além de contar com uma estrutura institucional responsável pela gestão das águas que via de regra não é aberta à participação democrática, as empresas estaduais de energia (COPEL) e saneamento (SANEPAR), controladas pelo Estado do Paraná, centralizam o debate relativo ao tema na condição de principais usuárias de água no Estado e em especial na bacia litorânea.

Dessa forma, seja atuando diretamente ou por meio das empresas das quais detém o controle acionário, o Poder Público estadual busca evitar o compartilhamento da gestão hídrica, tanto em detrimento da ação dos agentes econômicos privados como da sociedade civil e comunidades situadas em áreas de interesse hídrico.

Outro ponto que deve ser relembrado diz respeito à estrutura de poder materializada no Estado do Paraná (consolidada em situações objetivas de posse de riqueza, a qual se reproduz graças a redes políticas, sociais e de parentesco), implantada através de redes políticas de poder77 que utilizam artifícios

77 Nas palavras de Oliveira (2007:150), “As redes políticas de poder são definidas neste artigo como

conexões de interesses envolvendo, basicamente, empresários e cargos políticos no aparelho de Estado, no executivo, legislativo e no judiciário e, também, em outros espaços de poder buscando assegurar vantagens e privilégios para os participantes.”

como o nepotismo, o clientelismo e a corrupção para consecução de seus interesses (OLIVEIRA, 2007:150).

Nessa medida, no Estado do Paraná, há evidentes indicativos para o fato de que nomes ilustres do meio público (ligados aos poderes executivo, legislativo e judiciário) e empresarial integram uma complexa teia de relações familiares de parentesco e de privilégios, que condiciona e mantém a estrutura do poder nas mais diversas conjunturas (OLIVEIRA, 2007:151).

No estudo de Oliveira, o mesmo relata que a SANEPAR é um dos principais alvos das redes políticas de poder no Estado, encontrando-se na mesma amigos pessoais e parentes do Governador do Estado, os quais ocupam altos cargos na administração da companhia, que investiu mais de R$ 200.000.000,00 no ano de 2004 (OLIVEIRA, 2007:152-169).

E a COPEL também não fica isenta da acomodação dos interesses das redes políticas de poder no Estado do Paraná. Relata Oliveira (2007:160) que a Companhia Paranaense de Energia já foi objeto de situações semelhantes às acima descritas.

Verifica-se disso tudo a existência de uma complexa disputa velada de interesses políticos e econômicos, instalada nas relações entre poder público, mercado e sociedade no Paraná, a qual muito provavelmente possui influência sobre a gestão dos recursos hídricos, já que nem sempre as políticas, programas e ações do governo estadual são direcionados ao atendimento dos interesses da coletividade.

CAPÍTULO IV - APROFUNDAMENTO DO CONFLITO: GERAÇÃO