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poder político e econômico que, historicamente, marcaram o Brasil (PANG, 1979, p 19).

4 AS FORMAS DE CONTROLE DA INFORMAÇÃO DO GRUPO DE ACM

4.2 DOMÍNIO SOBRE OS MEIOS

4.2.1 Barganha com a publicidade oficial

Se para o grupo o controle da informação na sua própria mídia cristalizou-se como eficiente estratégia política, o mesmo não acontece quando eles tentam aplicar a fórmula em outros órgãos de imprensa local. O estilo intempestivo e autoritário de ACM é, sem dúvida, o principal entrave para isso. Como visto no Capítulo 3, para consolidar a sua nomeação para o governo do Estado, ACM buscou uma aproximação mais sólida com a imprensa, através de três caminhos. O primeiro era abastecer os meios de comunicação com verba da publicidade oficial. No segundo, oferecia comissões em dinheiro ou emprego público para jornalistas. Os que não aceitavam este tipo de suborno passavam a ter atenção especial em reuniões e bate- papos informais promovidos por ele diariamente, no fim de tarde, em seu gabinete de prefeito.

A estratégia, porém, mostrou-se ineficiente tanto naquela época como ainda hoje, porque ACM exige adesão total dos meios e dos jornalistas e não admite nenhum tipo de crítica ou contestação. Ainda no início do seu mandato na Prefeitura de Salvador, desentendeu-se com o jornal A Tarde. Depois, na década de 1970, durante o seu primeiro mandato de governador, brigou com o Jornal da Bahia, conforme relatado no Capítulo 3. Entre as décadas de 1980 e 1990, na sua segunda gestão no governo do estado, foi a vez da

Tribuna da Bahia, como também descrito no Capítulo 3. Na terceira vez que ocupou o

governo baiano, voltou a brigar com o jornal A Tarde, só que desta vez, com muito mais agressividade. Mas, em todas as situações, a arma sempre recorrente é a suspensão das verbas da publicidade oficial.

Esse tipo de barganha funcionou e ainda continua em operação com alguns veículos da mídia eletrônica, principalmente, com emissoras de rádio. Embora não possam ser comprovadas, as evidências sugerem um tipo de apoio ao carlismo baseado no padrão “de convicção e estratégia” que, segundo Gomes (2004, p. 177), é recorrente a uma espécie de servidão voluntária que se dá quando o patrão ou instância editorial de um órgão de imprensa submete os interesses jornalísticos a cálculos de vantagens. Como vimos no Capítulo 3, tanto o Jornal da Bahia quanto a Tribuna da Bahia não receberam um único centavo da

publicidade oficial e tiveram que assistir à fuga de vários outros anunciantes que foram pressionados pelo grupo de ACM a não veicular qualquer tipo de propaganda nos dois periódicos.

Com o jornal A Tarde, porém, a história foi um pouco diferente, mas as verbas da

publicidade oficial deixaram de chegar ao periódico por um bom tempo. O conflito entre ACM e o jornal, na verdade, tem origem ainda no governo Waldir Pires, em 1987, quando o presidente do Desenbanco, Murilo Leite, demitiu o jornalista Joaquim Cruz Rios, aliado de ACM e um dos mais antigos editores de A Tarde, e o acionou na justiça, junto com outros ex- diretores do órgão, para que devolvessem ao Estado os recursos gastos com a manutenção da Fundação para Estudos Econômicos e Sociais, que, como vimos também no Capítulo 3, foi criada por ACM, no final de 1983, já com a intenção de ocupar a sua presidência e manter-se atuante no cenário político, quando transmitisse o cargo para o seu sucessor, João Durval.

Aconselhado pelo amigo ACM, que inclusive contratou advogado, Cruz Rios entrou na justiça contra o Estado, pedindo indenização por danos morais, uma vez que o Conselho Diretor do Desenbanco não tinha autorizado a ação proposta pelo presidente Murilo Leite. A justiça, porém, só se pronunciou em 1992, quando ACM exercia o seu terceiro mandato no governo baiano e, através da Procuradoria Geral do Estado, recorreu da sentença da juíza Lisbete Souto, da 7a Vara da Justiça Estadual que havia estipulado o valor da indenização a ser recebida pelo proponente da ação em 2 milhões de cruzeiros. A reação de Cruz Rios veio na forma de independência editorial do jornal A Tarde, no qual sempre defendeu uma linha editorial próxima ao carlismo.

Enquanto os demais diretores optaram por esquecer a ação contra o Estado, Cruz Rios contratou novo advogado e deu continuidade ao processo. O imbróglio só teve fim em junho de 2001, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ) que já havia reduzido a sentença da juíza Lisbete Souto para R$ 18 mil. A partir daí, a posição do jornal A Tarde, que já vinha sofrendo boicote na distribuição das verbas publicitárias do governo do Estado e da Prefeitura de Salvador, consolidou-se como oposição a ACM e ao seu grupo político. Dois textos publicados em tom de editorial, em A

Tarde e no Correio da Bahia, respectivamente STF (na verdade foi o STJ) derruba indenização milionária reivindicada por Joaquim Cruz Rios e A resposta ao pasquim da Paralela, que reproduzimos abaixo, marcam o rompimento do jornal com ACM e o bloqueio

Diretor de A Tarde queria tirar quase R$ 5 milhões do Desenbanco e só terá R$ 18 mil.

Acompanhando voto do relator, ministro Aldir Passarinho Júnior, a Turma do STJ acatou outra decisão do tribunal baiano, que estabeleceu, a título de indenização, correspondente a apenas cem salários mínimos, ou seja, de R$18 mil. Cruz Rios, que havia obtido a megaindenização através de uma sentença da juíza Lisbete Souto, da 7º Vara da Justiça estadual, viu seus milhões desaparecerem após o Tribunal de Justiça rever a decisão da juíza, em 1992. Rios tentou por todos os meios impedir que o governo do estado recorresse da decisão, de modo a que ele pudesse embolsar a injusta e milionária indenização. Como não obteve sucesso, e as autoridades baianas, ciosas dos seus deveres, não aceitaram qualquer negociação, e decidiram pelo recurso judicial em defesa do erário, o diretor de redação de A Tarde deu início a uma virulenta campanha contra o governo do estado, ignorando até mesmo o compromisso do jornal com a verdade. Esta campanha - a mais indigna da história de A Tarde - persiste até os dias de hoje. Mas autoridades estaduais jamais arredaram dos princípios ético e do compromisso com a moralidade no trato com o dinheiro público. Sem alternativa, o jornalista então apelou ao STJ, que ontem colocou uma pá de cal nas suas pretensões. O procurador geral do estado, Raimundo Vianna, considera a decisão da 4ª Turma do STJ como inapelável. “"Ele pode até querer recorrer da decisão dos ministros do Superior Tribunal de Justiça, indo ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mas eu não vejo como conseguir isso, pois o STF só acata recurso quando se trata de matéria constitucional, o que não é o caso desta revisão de indenização”", explicou. Para Raimundo Vianna, o estado tem que comemorar a decisão do STJ, pois o Desenbanco deixará de pagar uma indenização absurda com recursos que, pela própria natureza do banco, servirão para investimentos que gerarão mais desenvolvimento para a Bahia. "Outros três ex-diretores do Desenbanco, que também tiveram suas indenizações revistas pelo Tribunal de Justiça da Bahia, em 1992, escolheram, por questões éticas e por responsabilidade para com uma instituição à qual pertenceram, não recorrer da decisão do STJ. Ao contrário do senhor Joaquim Alves da Cruz Rios, que queria porque queria esses milhões ao qual não tem direito”, afirmou (DIRETOR de A Tarde..., 2001, p. 2)

A resposta de Cruz Rios foi publicada pelo A Tarde, dois dias depois:

O Correio da Bahia, edição de 27 do corrente, saiu de seus cuidados para agredir-me espontaneamente, tentando apresentar-me aos seus raros leitores como um ganancioso explorador do Desenbanco, do qual fui diretor e pelo qual fui, com outros companheiros de diretoria, acionado quando era seu presidente o sr. Murilo Leite, para devolver-lhe o que havia gasto com a manutenção da Fundação de Estudos Econômicos e Sociais, da qual era presidente o sr. Antonio Carlos Magalhães. Ganhamos a ação, com sentença em primeira instância, considerando o banco litigante de má-fé. Mas, o advogado contratado pelo sr. Antonio Carlos Magalhães para nos defender, evidentemente obedecendo a ordens dele, escusou-se a executar a sentença, o que nos levou a propor-lhe, o que foi imediatamente aceito, substabelecer a procuração a advogado escolhido por nós. Por que o sr. Antonio Carlos, então governador do Estado, nos retribuiu a criação da Fundação, para ser por ele presidida com tal atitude não atinamos. Mas a verdade é que se obstinou no propósito de não permitir que auferíssemos qualquer proveito com a vitória no

Judiciário e acompanhou o andamento do processo passo a passo, tanto que, logo julgado no STJ o recurso que interpusemos, ele estava informado. Apenas em respeito aos que me conhecem, sinto-se obrigado à seguinte satisfação:

1o – Não estava na busca de uma indenização de 5 milhões de reais. É mentira

do pasquineiro da Paralela.

2o – A indenização fixada pela juíza competente foi de 2 milhões de reais para

cada ex-diretor, e não de 5 só para mim.

3o – Não movi nenhuma ação contra o Desenbanco. Fui, como os demais ex-

diretores, acionado pelo seu presidente ilegalmente (não houve autorização do seu Conselho Diretor).

4o – Se o STJ fixou na quantia divulgada pelo pasquim da Paralela a

indenização que devemos receber foi porque reconheceu o nosso direito a uma reparação.

5o – A demanda em apreço nada tem a ver com a diretoria que ocupo em

ATARDE, que o pasquim da Paralela tenta envolver na sua tendenciosa notícia com objetivo por ele inconfessável.

6o – Não sou mentiroso nem tenho fortuna inexplicável, como se tornou comum hoje em dia na alta esfera política. Ó tempora! Ó mores!

7o – Não contribuirei novamente para elevar a circulação do pasquim da Paralela, especialista em mentir, bajular e mamar em leitosas tetas.

8o – Não voltarei ao assunto. Cruz Rios (RIOS, 2001, p. 2)

De 1999 a 2003, o jornal A Tarde não recebeu um único centavo da propaganda / publicidade governamental do estado e da Prefeitura de Salvador, nas duas gestões de Antonio Imbassahy, quando ainda era vinculado ao grupo de ACM. A suspensão das verbas publicitárias governamentais no jornal foi denunciada, inclusive no relatório anual de 2001 da organização Repórteres Sem Fronteiras, que registra os indicadores de repressão ou censura contra a imprensa mundial (WEISSHEIMER, 2002). Com menos força junto ao empresariado, no entanto, o grupo não conseguiu a adesão deles para um boicote total ao jornal, como já havia sido feito em outras ocasiões. Na verdade, nesta briga ACM não contou nem com a adesão total do grupo. O jornal acabou ganhando na justiça uma indenização no valor de R$ 10,8 milhões, como veremos no próximo capítulo. Em 2003, quando já havia assumido o governo novamente, Paulo Souto entrou em negociação com o jornal e a propaganda / publicidade do governo do Estado voltou a irrigar o caixa da empresa, na mesma proporção em que diminuíram as matérias mais contundentes contra o governo.

Vale destacar que, ao se defender das acusações de ter suspendido as verbas publicitárias do governo no Jornal da Bahia, ACM sempre as rebateu, afirmando que o periódico não tinha circulação significativa. Por diversas vezes, ele argumentou que no jornal

A Tarde, o de maior tiragem no estado, jamais deixou de sair publicação oficial, mesmo

Miriam Leitão – O senhor acha correto usar o fato de ser governador para só dar anúncio a um determinado jornal e não dar para outros, para esmagá-los economicamente, como naquela época em que o senhor fez secar qualquer publicidade oficial para o Jornal da Bahia?

ACM – Não. Primeiro o Jornal da Bahia não era o mais lido do estado. O mais lido sempre foi A Tarde, quatro, a cinco vezes mais do que o segundo colocado.

Ancelmo Góis – Mas o Jornal da Bahia era um jornal de prestígio.

ACM - Entre ter prestígio e ser o de maior veículo, ter maior circulação, há alguma diferença. No jornal A Tarde jamais deixou de sair publicação oficial, mesmo quando ele fazia oposição. Agora, por que é que eu governador, devo pagar publicação num jornal que mente sobre o governo, sobre mim, a ponto de eu ter de recorrer à Justiça, de processá-lo? Como vou mandar publicação oficial para esse jornal? Seria uma incoerência (MAGALHÃES, 1995, p. 69)