• Nenhum resultado encontrado

poder político e econômico que, historicamente, marcaram o Brasil (PANG, 1979, p 19).

3.4 PREFEITURA, O CAMINHO PARA O GOVERNO

A administração de ACM foi marcada pela realização de grandes obras públicas, mas também pelo autoritarismo com que conduzia a Prefeitura de Salvador. A imagem pública, construída sobre os pilares da moralidade, da coragem e do empreendedorismo, passou a ter um elo bastante estreito com o controle e a disseminação de informação. A estratégia atendia tanto a necessidade de consolidação da imagem pública quanto à obtenção de munição contra os inimigos. Data desse período, o início da elaboração dos famosos dossiês, relatórios e fotografias com os quais passou a fazer chantagem a seus adversários. Foi na Prefeitura de Salvador que ele começou a difundir a máxima: “quem não está comigo está contra mim”.

O objetivo maior de Magalhães era ser governador da Bahia e, para isso, precisava realizar uma boa administração na Prefeitura, que o credenciasse a pleitear a indicação. Nesse contexto, buscava apoio incondicional dos órgãos de imprensa e da Câmara de Vereadores. Na área administrativa, aproveitou os estudos e projetos realizados pelo arquiteto Mário Leal Ferreira, que nortearam o plano de gestão de Virgildásio Sena, prefeito deposto pelo golpe militar. No campo político, buscou o controle da Câmara Municipal. Contava, então, com o apoio incondicional de 11 dos 18 vereadores. A presidência da Casa, porém, coube ao antigo desafeto, o vereador Antonino Casais, o Chuteirinha. O clima de desavença entre os dois, resquício do tempo em que ambos participavam do programa Debates, da TV Itapoan, aprofundou-se, culminando com agressão física, nas dependências do Fórum Rui Barbosa.

As brigas entre o prefeito e o presidente do legislativo municipal sucediam-se. Por diversas vezes, Magalhães tentou cassar o mandato de Casais, mas o número de vereadores que seguia a sua orientação era insuficiente. O processo dependia do voto favorável de mais de dois terços do número de vereadores, mais precisamente de 13 votos, dois a mais do que os votos que o prefeito controlava. Mas o ápice das desavenças aconteceu em dezembro de 1967,

quando em discurso na sessão da Câmara, Casais acusou o prefeito de ter recebido de empreiteiros 20 por cento dos custos de uma obra no subúrbio de Periperi.

O prefeito, representado pelos advogados Clériston Andrade e Rui Dantas, entrou com queixa-crime contra o vereador por calúnia e difamação na 3a Vara Crime, presidida pelo juiz Artur da Costa Pinto. Na audiência de conciliação, realizada em 26 de dezembro de 1967, Casais, que segundo assegurava, vinha sendo ameaçado fisicamente pelo prefeito e pelo irmão dele, Ângelo Magalhães, confirmou o que havia dito na Câmara. Representado pelo advogado Marcelo Duarte, solicitou garantia de vida à justiça e invocou os dispositivos assegurados pela Lei Orgânica do Município para o exercício do mandato. Ao final da tumultuada sessão, Casais foi espancado pelo prefeito e pelo irmão. O episódio foi confirmado pelo próprio Magalhães no livro Política é Paixão, 28 anos depois do fato ter ocorrido e ter sido sistematicamente negado por ele, inclusive no mesmo dia, quando à noite, ocupou cadeia estadual de rádio e televisão para contar sua versão dos fatos.

A performance de ACM na mídia, contudo, não era balizada apenas na sua intuição. Desde 1968, ele passou a utilizar um instrumento que atualmente é recorrente, mas que naquela época ainda era usado com parcimônia pelos políticos: as pesquisas de opinião pública. Foi o jornalista Josélio Gondim, então diretor Comercial do Ibope, quem lhe convenceu a contratar a primeira pesquisa. Na falta de eleições, o instituto criou um questionário para avaliar a imagem e a conceituação dos governadores e prefeitos junto à população. “Antonio Carlos, de pronto, aceitou a idéia e ansioso, esperou pelo resultado quinze dias depois” (O SENHOR..., 1991, p. 25).

Segundo Gondim, o prefeito tinha obtido um índice de aprovação de 93 por cento e ficou tão eufórico com o resultado que solicitou 10 cópias de luxo, pagas, segundo o jornalista, com dinheiro do próprio bolso, para remetê-las ao alto-comando do governo militar e aos editores dos principais jornais e revistas do país. A partir daí o Ibope passou a receber do prefeito a solicitação de, pelo menos, uma pesquisa de opinião a cada seis meses. Nenhuma ação administrativa era tomada sem que antes fosse auferido o seu alcance junto à opinião pública (O SENHOR..., 1991, p. 20-25).

Surpreendidos a princípio, lembra Teixeira Gomes, os baianos iam gradualmente se acostumando aos gestos espetaculares do prefeito para anunciar e implantar decisões administrativas (GOMES, 2001, p. 82). Foi assim, por exemplo, com a desapropriação da invasão conhecida como Bico de Ferro, localizada na orla marítima de Salvador. Comandando pessoalmente a operação, o prefeito, respaldado por um grande aparato policial e acompanhado por um contingente de fotógrafos, colocou abaixo as casas populares e

assinou a ordem de serviço para as obras do que mais tarde denominou de Jardim dos Namorados.

O episódio é bastante polêmico até hoje. Apesar de contar com o apoio da população, a medida não tinha respaldo legal, pois a ação de desapropriação ainda não havia sido julgada pela Justiça. Por outro lado, o próprio Magalhães deu uma versão diferente quando foi questionado sobre o fato por jornalistas de fora da Bahia. Em Paixão é Política, ele afirma que o local era ocupado por pessoas de alto poder aquisitivo, que haviam invadido uma área pública com a intenção de usufruir daquela localização privilegiada.

Na verdade, todas as obras viárias de ACM na Prefeitura de Salvador foram questionadas por parlamentares da oposição. Segundo o ex-vereador pelo PMDB e advogado Fernando Schimidt6, as obras realizadas por ACM na Prefeitura eram fruto da Lei de Reforma Urbana de Salvador, anunciada pelo então prefeito em dezembro de 1968, 11 dias depois do Ato Institucional no 5. A propósito de extinguir “latifúndios improdutivos” e obter verbas para as obras viárias e um programa habitacional, ACM vendeu, a preços simbólicos, 25 milhões de metros quadrados de terras do município, área equivalente a 10 por cento de todo o município.

De acordo com Fernando Schimidt,

Os empresários de construtoras e imobiliárias lucraram três vezes. Compraram terras a preço de banana, lucraram com as obras viárias que valorizaram as terras adquiridas anteriormente e ainda obtiveram recursos federais, através do BNH, para obras de conjuntos habitacionais. Mais tarde, esses empresários se tornaram os principais financiadores das campanhas de ACM.

Em 1969, as forças políticas locais, congregadas na Arena, já se articulavam em torno da sucessão de Luís Viana Filho no governo do Estado e Magalhães não escondia a pretensão de chegar ao Palácio da Aclamação. Da mesma forma, o ex-governador Lomanto Júnior julgava-se candidato natural no jogo sucessório. Ambos pleiteavam o apoio de Luís Viana. A disputa entre os dois começou, declaradamente, na eleição para a presidência da Assembléia Legislativa, quando surgiu um movimento dos deputados lomantistas para eleger o deputado Joir Brasileiro. Esse movimento contava com o apoio do comandante do VI Região Militar coronel Abdon Sena que, juntamente com o chefe do Estado Maior da Região, Marino Dantas, via com restrição o trabalho desenvolvido por alguns secretários de Luís Viana, considerado “inapropriados” pelo regime. A idéia do movimento era de assumir a Assembléia

Legislativa e conduzir, com o apoio dos dois militares, um golpe com vistas à deposição de Luís Viana. A oposição aos lomantistas foi comandada por ACM que articulou a candidatura do deputado Wilson Lins para a presidência da Casa. Lins, que era amigo de Marino Dantas, conseguiu a neutralidade do oficialato no processo eleitoral e acabou vencendo a eleição, interrompendo, assim, o processo de deposição do governador. Dias depois da votação, seis deputados que haviam votado em Joir Brasileiro foram cassados (LINS, 1997, p. 213-214).

A disputa entre os dois candidatos à sucessão de Luís Viana acirrou-se ainda mais com a proximidade da convenção da Arena para a escolha da nova Executiva estadual, marcada para o mês de novembro. ACM, que já presidia o partido mexia as peças do jogo sucessório em duas direções: ao tempo em que estimulava o rompimento do governador com o seu rival – o que já havia ficado claro na eleição da mesa da Assembléia Legislativa-, tentava controlar o processo de escolha dos membros da Executiva, fórum de suma importância para o seu projeto político, porque homologaria, em breve, o nome do futuro governador da Bahia. O rompimento definitivo de Viana com Lomanto acabou acontecendo de público, como relata Gomes (2001, p.62), na própria convenção partidária.

A estratégia política para consolidar a sua nomeação para o governo do estado previa ainda a aproximação com os órgãos de imprensa. Paralelamente às ações planejadas, que por si só já lhe garantiam cobertura e espaço na mídia, Magalhães procurou obter, desde o início da sua administração, o apoio incondicional dos veículos de comunicação do estado e dos jornalistas responsáveis pela cobertura política e administrativa da cidade.

Para colocar em prática a estratégia, ele optou por três caminhos. O primeiro era abastecer os veículos de comunicação com verbas da publicidade oficial. No segundo, oferecia comissões em dinheiro ou emprego público para os jornalistas. O terceiro contemplava os profissionais de imprensa que não aceitavam esses tipos de suborno. Para eles, Magalhães dedicava atenção especial e distribuía simpatia, reunindo-os diariamente, no fim de tarde, em seu gabinete, para bate-papos informais. Através desses mecanismos, considerava ter o controle dos meios de comunicação.

Entretanto, a estratégia mostrou-se ineficiente, dado seu temperamento explosivo e truculento, que não aceitava nenhum tipo de crítica ou contestação. Primeiro, desentendeu-se com o jornal A Tarde, quando aceitou debater na sede da empresa, o aumento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), proposto pelo seu secretário de finanças, Luís Sande.

Depois com o Jornal da Bahia, veículo inaugurado em 21 de setembro de 1958 e que reunia alguns dos mais expressivos jornalistas da época. Em ambos os casos, a primeira providência do prefeito foi suspender a veiculação de anúncios da publicidade oficial. Com o

jornal A Tarde, desde então o de maior circulação no estado, o desentendimento acabou superado, mas com o Jornal da Bahia a disputa perdurou por vários anos, de 1969 a 1975, como veremos a seguir.

Idealizado pelo jurista Nestor Duarte, o projeto do Jornal da Bahia foi concretizado pelo seu discípulo e amigo João Falcão, cujo respaldo financeiro familiar, possibilitou o empreendimento. A proposta inicial do grupo fundador era criar um veículo de comunicação moderno, baseado nos novos recursos do jornalismo que vinham sendo experimentados nos jornais impressos do Rio de Janeiro e São Paulo, como diagramação prévia e matérias feitas fora das redações. O novo periódico disputaria espaço com o Diário de Notícias, órgão dos Diários Associados de Assis Chateaubrind, e A Tarde, vespertino de perfil mais conservador, de propriedade do jornalista Ernesto Simões Filho.