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O controle da informação midiática contra os adversários: as vítimas

poder político e econômico que, historicamente, marcaram o Brasil (PANG, 1979, p 19).

4 AS FORMAS DE CONTROLE DA INFORMAÇÃO DO GRUPO DE ACM

4.4 O CONTROLE DA INFORMAÇÃO NO CAMPO POLÍTICO

4.4.4 O controle da informação midiática contra os adversários: as vítimas

No arsenal de estratégias usadas pelo grupo de ACM contra seus adversários, a informação midiática é, sem dúvida, a que tem sido mais eficiente para manter a sua hegemonia política no estado. Como vimos no Capítulo 3, a perseguição e a truculência no

combate contra seus adversários são características redundantes no modelo político adotado por ele e seu grupo. Mas o principal trunfo é a manipulação de informações veiculadas pela mídia, sobretudo nos órgãos de imprensa de sua propriedade. São, preferencialmente, informações que podem minar ou denegrir reputações e honras e que acabam por consolidar uma imagem pública negativa.

Nessa seara, como vimos anteriormente, ACM opera tanto com informações distorcidas, fruto de enquadramento jornalístico direcionado e deliberado, mas também com informações falsas, criadas dentro dos próprios veículos de comunicação de sua propriedade, a partir de declarações ou análises de fontes, que geralmente integram seu grupo. Essa forma de controle da informação já fez numerosas vítimas ao longo da trajetória do cacique baiano. Algumas, no entanto, constituem-se em exemplos cabais do regime político de informação, por ele instituído na Bahia. Neste estudo, destacamos os exemplos de Waldir Pires, Lídice da Mata, Geddel Vieira Lima e do ex-ministro da Saúde do governo Collor, Alceni Guerra, por nos parecerem os mais emblemáticos da forma como o grupo opera nessa seara.

O ex-governador baiano que derrotou o grupo de ACM nas eleições de 1986, por uma diferença de quase 1,5 milhão de votos, foi a primeira vítima de ACM depois da formação da sua rede de comunicação no Estado. Para combater este adversário, ACM atuou em duas linhas: a retaliação política, através da influência que exercia sob o ex-presidente Sarney, e a perseguição midiática, por meio de informações políticas, veiculadas, sobretudo no Correio

da Bahia e na TV Bahia.

O cerco político materializou-se na forma de retaliação do governo federal às posições do então governador, contrário ao mandato de cinco anos para Sarney e favorável ao parlamentarismo como sistema de governo. Àquela altura, Waldir liderava uma ala do PMDB, chamado de “Novo PMDB”, que reunia vários governadores, senadores e deputados do partido, descontentes com a forma como o partido vinha sendo conduzido pelo seu presidente nacional, o deputado Ulysses Guimarães. Absorvido complemente pelos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, da qual também era o presidente, Ulysses relegou a segundo plano a administração do governo, do qual era um dos baluartes. Em 1986, o PMDB havia elegido 22 governadores e a maioria deles não estava satisfeita com a condução daquele que era vice-presidente e acabou-se tornando presidente com a morte de Tancredo Neves. Além de Waldir, faziam parte do grupo os governadores Moreira Franco (RJ), Miguel Arraes (PE), Newton Cardoso (MG), Pedro Simon (RS) e diversos senadores e deputados federais (AMARAL, 1989b, p. 3).

Waldir governou como prometeu: junto com as forças que compunham a aliança que o elegeu. Mas, para impedir o aparelhamento do estado, tanto na administração centralizada quanto na descentralizada, optou por um sistema de composição dos cargos de chefia com indicações oriundas das diversas correntes políticas, evitando a formação de estruturas monolíticas. O que parecia ser uma solução progressista acabou-se transformando num problema, pois as decisões tomadas por um membro de um grupo eram questionadas pelos integrantes de outra corrente, o que imobilizava a já lenta burocracia governamental.

O caso mais grave ocorreu na Companhia de Energia Elétrica da Bahia (Coelba) e culminou com a demissão do vice-governador Nilo Coelho, que era também secretário de Minas e Energia. O ex-prefeito de Guanambi, que havia indicado o presidente da Coelba, Fausto Azevedo, deu entrada num projeto de eletrificação rural para uma de suas fazendas, no interior do estado. O projeto foi recusado pela Diretoria de Operações da companhia, cujo titular, José Roberto Araújo, tinha sido indicado pelo então deputado Domingos Leonelli. Sem o aval técnico da Coelba, Nilo Coelho fez uma ligação de energia clandestina, “um gato”, como se diz na linguagem popular, na fazenda. O ilícito chegou às manchetes dos jornais quando o vizinho, do qual ele havia puxado o gato, denunciou o cambalacho, apresentando à imprensa fotografias da tal ligação. Waldir viu-se obrigado a demitir o secretário (AMARAL, 1989a, p. 6-7).

O sistema de indicações adotado por Waldir para nomear os cargos públicos, na verdade, chocava-se com o sistema de mando da política no estado e que estava culturalmente sedimentado nos grupos conservadores que compunham a aliança, mas incomodava também os setores ditos progressistas, que não viram com bons olhos o arco da aliança construída por Waldir desde a campanha.

Esses dois fatores vinham fazendo do governo de Waldir um retumbante fracasso administrativo e, por sua vez, tornara-se uma presa fácil para o cerco midiático imposto pelos veículos de comunicação de ACM. Qualquer ação do governo, por mais banal, transformava- se em munição para o Correio da Bahia e a TV Bahia. Um bom exemplo da distorção das informações veiculadas pela mídia carlista foi o acesso dos deputados ao sistema de controle das informações financeiras e fiscais do estado, uma das medidas adotadas pelo governo para dar transparência à administração. Com a senha de acesso ao sistema, os deputados do PFL acompanhavam até os gêneros alimentícios que eram comprados pelo Palácio de Ondina. Embora não houvesse nada de irregular, o cardápio do governador passou a ser objeto de matérias freqüentes do jornal e da televisão do grupo, que anunciavam com estardalhaço a compra de gêneros, rotulados de “supérfluos”, como os camarões adquiridos para uma

recepção a um embaixador, a exemplo da matéria publicada no Correio da Bahia, em 27 de setembro de 1987.

Outro exemplo bastante ilustrativo foi a aquisição de uma escada magiros para o Corpo de Bombeiros. Quando assumiu, Waldir encontrou a máquina administrativa completamente desaparelhada e uma das solicitações mais prementes era o compra de equipamentos para as polícias. Ao entregar a escada à corporação, Waldir, a pedido dos repórteres fotográficos, subiu na escada. Essas fotos foram publicadas em diversos órgãos de imprensa, inclusive, de circulação nacional, para apontar a ineficiência administrativa do governo “que nada fazia, além de comer camarões e pousar para fotos, quando entregou ao estado apenas um simples equipamento, como a escada magiros”. Até hoje, o episódio da escada magiros repercute no Correio da Bahia:

O governador eleito da Bahia, Jaques Wagner (PT), afirmou ontem em entrevista coletiva para a imprensa, no Hotel Pestana, em Salvador, que vai se inspirar no ex-governador Waldir Pires (PT) para conduzir sua administração. O atual ministro da Defesa foi eleito em 1986 com o apoio de um amplo arco de aliança. Sua gestão ficou conhecida como o “desgoverno da mudança”, quando abandonou o mandato, depois de dois anos no poder, para se lançar em uma aventura política e concorrer à vaga de vice-presidente da República, na chapa do PMDB. O grande projeto do “desgoverno da mudança” foi comprar uma escada magirus, do Corpo de Bombeiros, e inaugurá-la num ato público e amplamente divulgado, no Campo Grande (WAGNER..., 2006, p. 3).

Para tentar minimizar os estragos à sua imagem pública, Waldir Pires optou por vôos mais altos e aceitou ser candidato a vice-presidência da República na chapa do PMDB encabeçada por Ulysses Guimarães, nas eleições de 1989. Na verdade, Waldir era um dos candidatos do partido à presidência. Mas, na convenção peemedebista, realizada em 1989 e disputada por quatro candidatos – Waldir Pires, Ulysses Guimarães, Orestes Quércia e Íris Rezende -, ele e Ulysses ficaram com as primeiras colocações e as negociações levaram à formação da chapa, tendo Waldir que renunciar ao governo da Bahia. Naquela época, o PMDB era uma potência partidária e as análises políticas indicavam que, mesmo contando àquela altura com índices irrisórios de votos, Ulysses poderia vencer as eleições com o trabalho da máquina do partido (AMARAL, 1989b, p. 3). Pesou também, a favor da renúncia, a difícil situação financeira do estado. Havia meses o governo federal não repassava um único centavo para a Bahia e na avaliação dos próprios integrantes do seu grupo no governo, a melhor

alternativa seria disputar as eleições presidenciais33. Waldir Pires, é, sem dúvida, o adversário político que mais incomoda ACM, sendo alvo constante de declarações jocosas por parte do hoje senador e de matérias e editoriais da mídia por ele controlada. Nos episódios que envolveram o controle aéreo de tráfego nos aeroportos do país, em 2006, o atual ministro da Defesa figurou diariamente no noticiário dos órgãos de imprensa do grupo de ACM.

A mesma fórmula foi utilizada para combater a ex-prefeita de Salvador, Lídice da Mata, na época filiada ao PSDB. Ao contrário de Waldir, porém, ela resistiu até o último dia de governo. A perseguição política sofrida pela ex-prefeita já foi objeto de dissertações e teses acadêmicas. Neste estudo, porém, o exemplo de Lídice é bastante ilustrativo por dois aspectos. Primeiro, porque as formas de perseguição usadas pelo grupo de ACM demonstram como a informação política é utilizada. Segundo, porque, diferente do período de Waldir, entre 1993 e 1996, a Rede Bahia de Comunicação já estava quase toda consolidada na sua plenitude, o que nos oferece mais um elemento de análise.

Apesar de ter sido candidata ao governo nas eleições de 1990, a perseguição de ACM contra Lídice começou mesmo na campanha para Prefeitura, em 1992. Ainda no período pré- eleitoral, o Correio da Bahia já publicava páginas inteiras contra a sua candidatura. Numa das matérias mais polêmicas, o jornal simulava uma conversa dela com o seu psicanalista, com diálogos inventados pelos próprios jornalistas, e depois reproduzidos no horário eleitoral do rádio e da TV. O Instituto Pensar, onde Lídice foi trabalhar após o pleito de 1990, foi invadido por um repórter da TV Bahia, que queria saber a qualquer custo, quais as funções desempenhadas por ela34.

Durante a entrevista, Lídice comentou que:

O repórter invadiu o Instituto Pensar com a câmara ligada e perguntava aos funcionários, ao porteiro e aos vizinhos se eu trabalhava lá, que horas eu aparecia, nos restaurantes da vizinhança com uma foto minha, como se eu fosse uma marginal. Fizeram entrevistas com pessoas na rua perguntando se sabiam o que era o Instituto Pensar. ACM chegou a fazer um pronunciamento na TV dizendo que eu não trabalhava. O locutor do programa me desafiava a apresentar a minha carteira de trabalho para mostrar se eu já tinha trabalhado uma vez na vida sequer. A isso respondi mostrando a minha carteira de trabalho assinada pelo próprio ACM quando tinha trabalhado na Secretaria de Planejamento (Seplantec). Era um ataque frontal, de baixo nível, pessoal, e não político. ACM dizia que eu era uma reles agitadora desqualificada, embora eu já tivesse sido vereadora e deputado federal constituinte”.

33 Informações fornecidas por Sérgio Gaudenzi durante entrevista concedida à autora desta Dissertação, em 2 de agosto de 2005.

34 Informações fornecidas por Lídice da Mata durante entrevista concedida à autora desta dissertação, em 13 de julho de 2005.

A manipulação dos meios de comunicação, segundo a ex-prefeita, era tão escancarada, que a TV Bahia, as emissoras de rádio do grupo e o Correio da Bahia entravam diretamente na campanha eleitoral, sem disfarces. Os apresentadores dos telejornais da TV Bahia eram os mesmos apresentadores do programa eleitoral do candidato do PFL, Manuel Castro, numa clara tentativa de confundir os telespectadores, usando a credibilidade dos veículos de comunicação junto à opinião pública35.

Empossada, Lídice recebeu, logo nos primeiros dias de governo, uma amostra de como se daria o embate político com ACM. Naquela época, com a inflação galopante, o transporte coletivo aumentava, mensalmente, em todo o Brasil. O ex-prefeito Fernando José (PMDB) transmitiu o cargo sem dar o aumento, previsto para dezembro, para deixar o desgaste político para Lídice. Como já era uma coisa esperada, a TV Bahia começou a anunciar o aumento, fazendo enquetes nas ruas com as pessoas para saber o que elas achavam da decisão da prefeita e, é claro, que as manifestações eram hostis, porque ninguém queria que o transporte aumentasse. A estratégia, lembra Lídice36, consistia em criar um clima de revolta na população para, qualquer que fosse o percentual de aumento, gerar insatisfação nas pessoas.

Então, a primeira vez foi logo após a posse, quando eles anunciaram que eu aumentaria a

tarifa do transporte em 1o de janeiro. Eu só fui aumentar a tarifa em março, mas desde

janeiro começou a ocorrer uma movimentação nos bairros contra o aumento. Pela televisão, eles insistiam na informação de que a tarifa de ônibus de Salvador era a mais cara do país, quando na verdade havia deixado de ser, desde que não dei aumento em janeiro e fevereiro, mas eles continuavam dizendo que era a maior do Brasil. Em março dei um aumento abaixo da inflação do período e eles exploraram isso longamente, sem revelar que o percentual concedido era abaixo da inflação. Isso ocorreu durante todo o meu governo. Primeiro anunciavam que teria o aumento, arbitravam um número, criavam o clima de revolta na cidade contra o aumento. Quando nós anunciávamos o percentual, mesmo que fosse bem abaixo do que se cogitava, o clima de revolta já estava estabelecido. Eles jogavam com a possibilidade de nós não termos condições políticas de dar o aumento para haver uma crise no transporte, uma revolta popular, um quebra-quebra e eles reforçarem os argumentos utilizados na campanha de que o meu governo seria marcado por greves e paralisações nos serviços da cidade Só que não aconteceu nem uma coisa nem outra. Havia, sim, indignação, mas não a revolta que eles esperavam. Nós trabalhamos para tirar Salvador do patamar das cidades com maior tarifa de transporte. Conseguimos ficar abaixo de Brasília, Rio de Janeiro e Recife. E mesmo assim, a TV Bahia continuava batendo na mesma tecla, de que Salvador tinha a tarifa mais cara do país. Usávamos outros instrumentos para desmentir, mas a supremacia da TV naquele momento era maior que os outros veículos de que dispúnhamos. O noticiário da TV Bahia, das rádios do grupo e do Correio da Bahia influenciava também os noticiários dos outros veículos que repercutiam as matérias jornalísticas, mesmo que não fosse verdade. Perdíamos um tempo enorme para desmentir as matérias e, muitas vezes, não

35 Idem.

36 Informações fornecidas por Lídice da Mata durante entrevista concedida à autora desta Dissertação, em 13 de julho de 2005.

convencíamos os jornalistas dos demais veículos, apesar das provas. A TV Bahia era um instrumento fulminante. Então, essa questão do aumento da tarifa foi um elemento desestruturador que ACM manipulou durante mais de um ano da minha administração.

Em outras áreas, a estratégia era a mesma. Os meios de comunicação do grupo veiculavam notícias distorcidas ou sempre pela metade. Lídice nunca foi entrevistada pela TV Bahia. Nas entrevistas coletivas concedidas pela então prefeita, os repórteres do Correio da

Bahia e da TV Bahia deixavam para fazer perguntas por último, sempre de uma forma que

podia ser manipulada. Se a resposta fosse boa ou difícil de ser tratada, a entrevista não era veiculada. A gestão de Lídice registrou também um fato inédito. A TV Bahia recusou-se a veicular publicidade da Prefeitura de Salvador. Apesar de ter sido advertida pela Associação Bahiana de Imprensa (ABI), a emissora não veiculou um VT sobre o Carnaval, no qual a administração municipal explicava quais eram as suas responsabilidades na festa e quais eram as do governo do Estado37.