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poder político e econômico que, historicamente, marcaram o Brasil (PANG, 1979, p 19).

4 AS FORMAS DE CONTROLE DA INFORMAÇÃO DO GRUPO DE ACM

4.3 ENTRE TAPAS E BEIJOS: A CONTROVERSA RELAÇÃO COM OS JORNALISTAS

As relações de ACM com jornalistas sempre foram controversas. Trata-se de uma categoria profissional que esteve em primeiro plano na sua vida e da qual se utilizou para ascender politicamente. Ao mesmo tempo, porém, ao longo da sua trajetória, já protagonizou episódios de autoritarismo e truculência com aqueles que o desafiaram. Para o bem ou para o mal, o fato é que ACM sempre dispensou atenção especial aos profissionais de imprensa. O conhecimento que adquiriu na atividade jornalística, como vimos no Capítulo 3, ACM trouxe para a política e a utiliza tanto para lidar com os jornalistas quanto para planejar a sua própria comunicação, como observa o seu ex-assessor de imprensa, o jornalista Paolo Marconi, em entrevista a mim concedida, em 28 de novembro de 2006.

Em sua fala. Marconi assim se expressa:

Com bastante conhecimento da área de comunicação e da forma de trabalho da imprensa, ACM nunca dependeu de assessor de imprensa. Ele dava espaço para iniciativas, embora ele próprio fosse ao mesmo tempo, assessor e assessorado. Pela sua longa convivência com jornalistas, mas em Brasília do que em Salvador, sabia se impor como fonte junto aos jornalistas. Seus contatos eram tão bons na imprensa nacional que nem sempre o assessor de imprensa precisava se mobilizar.

Não foi à-toa que, desde a Prefeitura de Salvador e, principalmente, quando presidiu a Eletrobrás, era seu costume reunir repórteres no fim de tarde, em seu gabinete, para bate- papos informais.

ACM sempre teve trânsito livre tanto com os proprietários dos veículos de comunicação quanto com os jornalistas. É difícil quantificar junto a quem ele tinha mais acesso. Mas ele sempre optou por apelar para os donos só em casos em que se sentia injustiçado pelos jornalistas (MARCONI, 2006).

Suas qualidades como fonte privilegiada de informação são enaltecidas pelo jornalista Marcos Sá Corrêa, um dos seus principais interlocutores, no livro Política é paixão, e confirmadas, no decorrer da entrevista que compõe o livro, pelos jornalistas: Ancelmo Góis, Marcelo Pontes, Maurício Dias, Miriam Leitão e Rui Xavier. No texto de apresentação do livro, Corrêa chega a afirmar que se engana quem pensa que a permanência de ACM na mídia se deve a sua proximidade com os proprietários dos veículos de comunicação:

ACM é, de longe, o político brasileiro que melhor trafica com a moeda de mais alta cotação nesse mercado, a única universalmente válida para comprar espaço na imprensa ano após ano, regime após regime. Essa moeda é a notícia. ACM é o que, no jargão das redações, chama-se de fonte. [...] ACM dá plantão para atender a colunista precisando de uma frase para fechar o expediente, editores perdidos em seu labirinto de páginas e jornalistas de televisão precisando de uma cena que rompa a monotonia das declarações políticas. Tem sempre uma briga pronta para o fechamento de uma edição. Em nome da notícia, pode até exercer a medicina (MAGALHÃES, 1995, p. 16- 17).

A sua experiência nessa área já o autorizou até a criar uma máxima sobre os profissionais de imprensa. Segundo ele, os políticos são procurados por três tipos de jornalistas: os que buscam as autoridades para obter uma nomeação, os que querem dinheiro e os que demandam por informação. “É perigoso confundi-los, dando, por exemplo, informação a quem quer emprego público. Mas é um desastre certo oferecer emprego público ou dinheiro a quem quer informação” (MAGALHÃES, 1995, p. 18). Para Sá Corrêa, é essa experiência que faz de ACM o “monstro mitológico”, ao qual se referiu certa feita o escritor Jorge Amado. “Sua mania de se informar faz dele uma espécie de arquivista – da própria vida e, sobretudo, da alheia”. Mas assinala também as ações estrategicamente planejadas de ACM para se destacar no cenário de representação da mídia:

ACM pode ser conhecido pela agressividade que, sendo nele aparentemente natural, é também um estilo cuidadosamente treinado. Está convencido de dever a ela, mais que a outros atributos, seu grande trunfo político – o fato de ser reconhecido como um assunto jornalisticamente interessante (MAGALHÃES, 1995, p. 17).

Ao longo dos seus 50 anos de vida pública, ACM alimentou uma rede de relações com alguns dos mais importantes repórteres e colunistas políticos do país. A prática, que por anos a fio foi mantida nos bastidores da imprensa, começou a chegar ao conhecimento público no decorrer do processo de investigação da violação do painel eletrônico do Senado, em 2001, através dos sites e blogs que acompanham e analisam a cobertura da mídia. Em junho de 2001, o âncora do Observatório da Imprensa, jornalista Alberto Dines, registrou:

Pauteiro e controlador da mídia brasileira há 30 anos, o ex-senador aprendeu os segredos do ofício com o general Golbery do Couto e Silva (criador do SNI e da arapongagem). [...] A diferença entre mestre e aluno está no uso do poder: enquanto Golbery preferia agir nas sombras porque não alimentava projetos pessoais, ACM sempre recorreu à exibição da sua força. Como caudilho, precisa exibir o seu poder para melhor exercitá-lo, Este é um processo de auto- alimentação, infindável.

Da mesma forma, o jornalista Luís Nassif, em artigo na Folha de São Paulo, também expôs a forma como se dá a relação de ACM com os jornalistas da chamada grande imprensa:

[...] um ponto relevante do tiroteio que explodiu contra ACM expôs um dos aspectos interessantes do seu poder: a rede de relações de que dispõe na mídia. Não se trata do jornalismo sabujo, facilmente identificável, mas de aliados fiéis, competentes, que raramente elogiam ACM, mas são ferramentas poderosas das quais ele sempre se valeu nas disputas contra seus adversários. Reside aí a fonte maior de seu poder. Diferentemente dos dossiês e gravações clandestinas, esse jogo se dá entre fontes e jornalistas de primeira grandeza. Não é aquela relação dúbia e subordinada do jornalista que se rende a bandido, mas um pacto entre iguais, em torno de uma mercadoria fundamental para o jornalista: informação e análises exclusivas que lhe são repassadas, ajudando a consolidar sua reputação, competência e poder. E aí entra o grande foco de influência de ACM (NASSIF, 2001, p. B3).

Ao longo da sua trajetória política, porém, ACM já conquistou muitos desafetos entre os profissionais de imprensa, exatamente pela agressividade e truculência com que trata aqueles que o questionam. Na Bahia, a sua fama de “perseguidor implacável” já assombrou mais de uma geração. Como vimos no Capítulo 3, além da perseguição econômica ao Jornal

da Bahia, fez diversas vítimas entre os jornalistas deste periódico que trabalhavam também

nas assessorias de imprensa dos órgãos públicos do estado e do município. Nas eleições de 1986, protagonizou cenas de pugilato explícito, com a eleitora que o vaiou e com o repórter da TV Itapoan que registrou a vaia.

Fazem parte da história política nacional os telegramas e faxes enviados por ACM a políticos e desafetos ou a jornalistas críticos. Ele mesmo já manifestou publicamente a vontade de transformar esse material em livro específico. Na sua terceira passagem pelo governo do Estado, brigou publicamente com os jornalistas Gilberto Dimensteim e Clóvis Rossi, da Folha de São Paulo; Fernando Pedreira, de O Estado de São Paulo, e Cláudio Humberto28. Naquela ocasião a troca de insultos com jornalistas, via fax, na qual xingava até a mãe dos repórteres, foi exposta por ele mesmo, no livro Política é paixão (MAGALHÃES, 1995, p. 177). Na Bahia, mais recentemente, perseguiu e processou na Justiça o repórter Marconi de Souza, do jornal A Tarde, por este ter denunciado o esquema que ligava a propaganda / publicidade governamental ao caixa das suas empresas de comunicação, em 2000.

Mas no cenário nacional, o estilo truculento da fonte ACM só ficou mais exposto, a partir de 1995, quando ele assumiu uma cadeira no Senado Federal. O caso mais rumoroso envolveu ACM e a jornalista Mônica Waldvogel, na época repórter de política do SBT. Em agosto de 1995, como vimos no Capítulo 3, ACM estava às voltas com a crise do Banco Econômico e, para pressionar o presidente Fernando Henrique a salvar o banco, vinha ameaçando divulgar um dossiê sobre os diretores do Banco do Brasil. Nesse ínterim, a equipe econômica do governo decidiu comprar o Econômico pelo valor simbólico de um real. A novidade foi transmitida à mídia pelo próprio ACM, que estava dando várias entrevistas, ao mesmo tempo, quando foi indagado pela jornalista sobre o dossiê. Ele respondeu que não ia mais falar sobre o assunto, mas ela insistiu, conforme reproduziu em uma entrevista concedida, em 2006, a revista eletrônica Go Where? São Paulo, do Portal Terra:

Eu insisti no assunto e perguntei se era uma chantagem. O homem se enfureceu, falou um monte de desaforos, quase me bateu. Estava um tumulto danado, repórteres para lá e para cá, as rádios colocaram o bate-boca no ar ao vivo e ficou claro que ele havia feito uma chantagem. Resultado: o governo voltou atrás. O Sérgio Mota me disse depois que por causa do show do ACM o governo brecou a iniciativa. Se isso ajudou o Tesouro Nacional fico contente (SOUZA, 2006).

Outro episódio ilustrativo da truculência de ACM com a imprensa foi a sua briga com o empresário Paulo Cabral, presidente do grupo Diários Associados e do jornal Correio

Braziliense, à época também presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ). Em 1999,

quando presidia o Congresso Nacional, ACM empreendeu uma verdadeira cruzada para

instalar a CPI do Judiciário. A Folha de São Paulo havia noticiado as críticas do senador ao nepotismo do Judiciário e junto publicou uma reportagem sobre os 11 parentes dele que ocupavam cargos públicos na Bahia. No dia seguinte, o Correio Braziliense reproduziu a matéria da Folha com as explicações do senador, mas na mesma edição veiculou também um editorial contrário a instalação da CPI.

A reação do então presidente do Senado veio de bate-pronto. Através de fax, estrategicamente divulgado para os outros órgãos de imprensa, classificou a posição do jornal como “molecagem”: “Não faça molecagem comigo! Eu sei reagir. Sei que você está com o Judiciário porque recebeu uma indenização milionária”, escreveu ACM, no velho estilo de desqualificar os opositores. No dia seguinte, o Correio Braziliense publicou, na primeira página, o texto do fax de ACM e o editorial intitulado Vocação Autoritária, no qual atribuiu a ação de ACM à reportagem sobre os seus 11 parentes empregados no serviço público (ACM classifica ..., 1999).

Os conflitos de ACM com a imprensa, no entanto, chegaram ao apogeu no episódio da violação do painel eletrônico do Senado. Enquanto os seus principais interlocutores preferiram desviar-se do assunto, grande parte da mídia concentrou-se na cobertura dos fatos, iniciada pela revista Isto É, ao publicar a existência de uma fita gravada pelo procurador Luís Francisco, conforme veremos mais detalhadamente no final deste capítulo, dando conta da quebra de sigilo da votação da cassação do deputado Luiz Estevão. A seqüência de matérias negativas, produzidas pelos diversos órgãos de imprensa colocaram ACM numa berlinda na qual jamais esteve. Diariamente, foram registradas cenas de agressões a jornalistas. A mais grave aconteceu em Salvador, com o repórter fotográfico da revista Isto É, Ricardo Stucker, no dia 27 de maio de 2001. Ao sair de sua residência para receber a solidariedade de correligionários que se encontravam na porta do seu prédio, ACM viu o fotógrafo e partiu para cima dele, agarrando com força o seu braço esquerdo e dedo em riste ameaçou: “Seu filho da puta. Já não te falei pra você não me fotografar mais?”, esbravejou. Dias antes, porém, ACM já ensaiava o show de truculência. Com o mesmo script, na sexta-feira, 25 de maio de 2001, os fotógrafos que faziam plantão na porta do seu prédio, receberam como cumprimento: “Vão se fuder”, disse, rindo do próprio destempero (MEIRELES; PEDROSA, 2001, p. 33).

Depois de passar por duas crises de imagem consecutivas, conseqüências da violação do painel do Senado, em 2001, e dos grampos na Bahia contra os adversários, em 2003, ACM iniciou uma campanha defendendo uma lei de responsabilidade da imprensa para, segundo ele, “evitar a impunidade, a calúnia, as inverdades e a infâmia”. Da tribuna do Senado,

ironicamente, ACM lembrou que tem sido vítima freqüente de intrigas em colunas conceituadas, como a Coluna Painel, do jornal Folha de São Paulo, e outras que não citou o nome, conforme nota publicada no Correio da Bahia (2004, p. 3). O tema, no entanto, não repercutiu e assim como foi abordado, caiu no esquecimento. ACM só voltou a falar das suas relações com a imprensa em 2006. Depois de ter sido derrotado nas urnas, na primeira entrevista que concedeu depois das eleições, foi indagado pela repórter da revista Veja sobre a forma truculenta no trato com os jornalistas.

Os meus adversários me adjetivam assim, mas não sou. Eu lhe digo sinceramente: há jornalistas de quem não gosto. Nunca me fizeram nada, mas não gosto deles. Eu sei que não gostam de mim, por que vou gostar deles? [...] Por exemplo: se você me faz uma pergunta altamente ofensiva, fecho a cara para você e você não faz a segunda (OYAMA, 2006, p. 14-15).