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poder político e econômico que, historicamente, marcaram o Brasil (PANG, 1979, p 19).

3.15 O PERCENTUAL ELEITORAL

3.16.3 Judiciário

Pela sua própria natureza, o Poder Judiciário entra em cena como um poder coadjuvante. Sem o fascínio do Executivo e a visibilidade do Legislativo, o Judiciário atua na esfera

pública como elemento catalisador para a harmonia e o equilíbrio da sociedade. O seu objetivo é traduzir a realidade efetiva do direito, aplicando a justiça nas relações humanas. Entretanto, ao contrário dos membros do Executivo e do Legislativo que são escolhidos pelo voto direto dos eleitores, os membros das instâncias hierarquicamente superiores do Judiciário são nomeados com a participação dos outros dois poderes, conforme previsto nas Constituições Federal e Estadual.

De meados da década 1970 até 2002, o princípio de divisão e repartição do poder político, que, em tese, impede ou ao menos dificulta o arbítrio de um dos poderes republicanos sobre o outro, não foi seguido pelo Judiciário baiano. O conluio das autoridades deste poder com o Executivo estadual refletiu-se na atuação parcial da Justiça na Bahia, com prejuízos imensuráveis para a vida democrática no estado. Eleito três vezes governador e elegendo sob a sua liderança quatro outros chefes do Executivo neste período, ACM, foi, sem dúvida, o político que mais indicou desembargadores para o Tribunal de Justiça da Bahia. A sua influência está presente em discursos de desembargadores, despachos de juízes e até em estátua do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), onde seu domínio foi mais evidente.

Pelo artigo 122 da Constituição estadual, o TJ é composto por um máximo de 35 desembargadores nomeados pelo governador do Estado, com aprovação da maioria absoluta da Assembléia Legislativa, sendo quatro quintos escolhidos entre juízes de carreira de última entrância, alternadamente, por critério de antiguidade e merecimento, e um quinto reservado, alternadamente, a membros do Ministério Público e a advogados com mais de 10 anos de carreira e menos de 65 anos de idade, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos representativos das respectivas classes. No último caso, cabe ao TJ reduzir a indicação a uma lista tríplice para apresentar ao governador do Estado a quem cabe a escolha final.

Em 1993, contudo, a inconstitucionalidade do artigo 122 foi questionada pela oposição ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) no 202-3/BA e suprimiu do texto original a expressão “pelo governador do Estado com aprovação da maioria absoluta da Assembléia Legislativa”. A partir de então, o governador do Estado só tem participação na nomeação de um quinto da composição do TJ. Ainda assim, o grupo carlista manteve o seu domínio no Judiciário até 2002, quando o candidato de ACM foi derrotado pelo desembargador Carlos Alberto Dultra Cintra na eleição para presidência do TJ.

A estratégia de controle do Judiciário teve início logo no primeiro ano do seu primeiro governo, em 1971, quando a escolha dos membros do TJ e do TRE ainda dependia do aval do governador do estado. Com o poder da caneta nas mãos, ACM começou a formar um grupo

dentro dessas duas instâncias. Uma das primeiras providências foi o aumento do número de desembargadores do TJ, que passou de 21 para 27. Os seis novos membros foram nomeados por ele. O grupo de ACM, no TJ, era conhecido como grupo dos 13. Com maioria entre os 27 desembargadores que compunham o Tribunal Pleno, o grupo detinha o poder de decisão sobre todas as questões que envolviam o Judiciário e também, em última instância, questões que haviam sido julgadas em entrâncias hierarquicamente inferiores (AMARAL, 1987).

Através do grupo dos 13, ACM continuou dominando o Judiciário mesmo quando o

seu grupo esteve fora do governo, entre 15 de março de 1987 e 1o de janeiro de 1991. Um episódio que ilustra bem as estreitas ligações deste Poder com ACM aconteceu em 1987. Empossado em março daquele ano, Waldir Pires teria que escolher, da lista tríplice do TJ, o nome do juiz que seria promovido a desembargador. Da lista apresentada, constavam os nomes de um juiz ostensivamente ligado ao grupo de ACM, uma juíza considerada da ala independente e o do juiz Robério Braga, irmão do secretário da Agricultura do governo de Waldir, Reinaldo Braga, indicado para o cargo pelo grupo do então senador Luiz Viana Filho. A idéia, planejada pelo desembargador Ruy Trindade, era de que a escolha lógica de Waldir seria pelo nome da juíza independente Gabriela Seixas. Mas, para indicá-la, o governador teria que enfrentar o lobby do grupo vianista pelo nome de Braga, que se fazia passar por liderado do senador, mas, na verdade, seguia estritamente as orientações de Trindade, a quem, inclusive, devia a indicação na lista tríplice pelo critério de merecimento. Waldir, conforme o previsto, optou pelo nome de Robério Braga, para evitar qualquer tipo de confronto com a sua base aliada. Depois de empossado, Braga passou a integrar e manter a composição numérica do chamado “grupo dos 13” (AMARAL, 1987).

O número de desembargadores aliados manteve-se por um longo período. Em 1999, um levantamento realizado pela jornalista Mônica Bergamo (1999), da Folha de São Paulo, dava conta que dos 30 desembargadores do TJ, ACM e os governadores que ele elegeu haviam nomeado nove. O TJ promoveu 10. Somente dois foram nomeados pela oposição e nove foram promovidos por merecimento (BERGAMO, 1999, p. 1-10). Até 2002, ACM indicou também todos os presidentes do TJ e do TRE. O último do “ranking” foi Robério Braga (2000-2002), que substituiu Jatahy Fonseca (1998-2000), o mais exótico entre todos os desembargadores carlistas. Nomeado em 1982, Fonseca, como a maioria dos colegas, referia- se a ACM como “chefe”. No seu discurso de posse, fez questão de citar ACM, a quem dedicou “uma saudação especial e justa aquele sempre constante nos momentos mais importantes de minha vida profissional”.

Assim que tomou posse, o desembargador reuniu os 10 juízes da Fazenda Pública da Bahia, responsáveis pelo julgamento das questões tributárias, para recomendar que eles tivessem mais cuidado na concessão de liminares contra o governo e a Prefeitura de Salvador, na ocasião administrada por Antonio Imbassahy, então aliado de ACM. Ele alertou que essas decisões temporárias só deveriam ser concedidas depois que o poder público fosse ouvido. Do juiz da 3a Vara da Fazenda, Expedito de Carvalho, Fonseca recebeu a sugestão de encaminhar um projeto-de-lei a Assembléia Legislativa extinguindo as Varas de Fazenda. Cauteloso, Fonseca optou por não levar a proposta adiante, mas a conversa surtiu o efeito desejado. Na sua gestão, que foi até 2000, poucas liminares foram concedidas contra o governo e a Prefeitura. As que chegaram a ser concedidas, foram derrubadas pelo presidente Jatahy Fonseca (BERGAMO, 1999, p. 1-10).

Disposição diferente encontrou a ex-prefeita Lídice da Mata na sua gestão no Executivo municipal. Segundo Lídice21 “era uma chuva de liminares todos os dias”. Para se ter idéia da parcialidade do Judiciário baiano, à época comandado pelo desembargador Aloísio Batista, no fim da gestão da ex-prefeita, todos os recursos financeiros da prefeitura foram bloqueados por uma liminar por causa do atraso de quatro meses no pagamento dos salários dos servidores. A prefeitura conseguiu quitar dois meses e solicitou a suspensão da liminar, mas o pedido não foi julgado até o final de governo.

Outros três integrantes do chamado grupo dos 13, que também costumavam se referir a ACM como “chefe”, eram os desembargadores Ruy Trindade, Aloísio Batista e Paulo Furtado, que durante alguns anos se revezaram entre nas presidências do TJ e do TRE. Os serviços prestados por Batista ao grupo carlista tiveram o seu ápice durante o processo eleitoral de 2000. Como presidente do TRE, o desembargador julgou improcedentes as ações movidas por Waldir Pires, que acusara de fraudulento o pleito em que perdeu por 0,03 por cento dos votos para Waldeck Ornelas. Dos três, somente Furtado se afastou do carlismo. Trindade já faleceu e Batista está aposentado, mas continua a se referir a ACM como “chefe”. Na década de 1990, um outro nome ascendeu na constelação carlista do Judiciário. Advogado de ACM em muitas ações, Amadiz Barreto foi nomeado desembargador do TJ em 1994, e, em 1996, já assumia a presidência do TRE. As ligações de Barreto e ACM tornaram- se bastante estreitas, a partir do “namoro” do líder político com a filha do ainda então advogado. Com o affair, Barreto foi levado à condição de membro do TJ e de comandante do TRE. De reconhecida subserviência, Barreto não poupava elogios públicos a ACM. Em

agosto de 1998, ele inaugurou seu próprio busto na sede do TRE. Ao lado colocou uma frase em que o líder lhe faz elogios: “Esta casa é fruto do amor à Bahia e, sobretudo, da pertinácia, da coragem, do espírito de decisão e da competência administrativa do desembargador Amadiz Barreto”. Ao deixar a presidência, Barreto passou o cargo para Aloísio Batista que, dois anos mais tarde, voltou a repassá-lo ao antecessor, em 2000 (BERGAMO, 1999, p. 1-10)

Em 2002, Barreto deixou o TRE e candidatou-se à presidência do TJ, representando o grupo carlista. Nesse ano, porém, houve uma grande renovação, estimada exatamente em 50 por cento do total da sua composição. Dois desembargadores morreram e outros 13 se aposentaram. Entre os novos, boa parte havia sido perseguida nos áureos tempos de ingerência política. Junto com os desembargadores que já não seguiam a orientação do grupo, passaram a constituir a maioria absoluta do TJ. O resultado dessa renovação culminou na eleição do desembargador Carlos Alberto Dultra Cintra que derrotou Amadiz Barreto com a proposta de independência e autonomia do Judiciário (VASCONCELOS, 2005).

O grupo perdeu também a eleição no TRE. Disputando a eleição com o desembargador Eduardo Jorge de Magalhães, irmão de ACM e nomeado por ele em 1995, o desembargador Manoel Moreira, também da ala progressista do TJ, venceu folgadamente a eleição. De 2004 a 2006, o grupo de ACM sofreu mais três derrotas. A primeira foi em 2004, quando o desembargador Gilberto Caribé foi eleito para a presidência do TJ em substituição a Dultra Cintra. A segunda foi na eleição para o novo presidente do TRE, quando o próprio Dultra Cintra foi eleito com a maioria dos votos. A terceira e mais avassaladora ocorreu no final de 2005, quando o candidato de Dultra Cintra, o desembargador Benito Figueiredo, venceu a eleição para a presidência do TJ com 20 votos contra os seis obtidos pelo concorrente Eduardo Jorge Magalhães, candidato de ACM, e os quatro votos da terceira candidata, a desembargadora Lucy Moreira. A vingança do líder político veio a galope. Reconduzido à presidência do TRE, Dultra Cintra foi afastado do tribunal por causa de uma liminar solicitada pelo PFL nacional e concedida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na qual a inconstitucionalidade da reeleição de Cintra é questionada.

No próximo capítulo, iniciaremos a análise dos dados pesquisados a partir da identificação das formas de controle e uso político da informação, realizadas por ACM e seu grupo. No capítulo seguinte, examinaremos os seus meios preferenciais de informação e comunicação, bem como a eficiência desses meios no novo contexto informacional, gerado pela popularização das novas tecnologias de informação e comunicação.