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Amado por uns e odiado por outros tantos, ACM é, sem dúvida, um dos políticos mais controversos da história recente do Brasil. Protagonizando a cena política baiana nas últimas quatro décadas, até 2006, foi prefeito de Salvador, três vezes governador da Bahia, ministro de Estado e senador da República por duas vezes. Já foi derrotado nas urnas por uma diferença de quase 1,5 milhão de votos e voltou ao governo com altos índices de popularidade. Envolveu-se em episódios nebulosos na vida privada e em escândalos políticos que lhe custaram o seu primeiro mandato de senador. Dado politicamente como morto, ressurgiu na legislatura seguinte, guindado por mais de três milhões de votos.

Pela alcunha de Malvadeza é reconhecido na sua forma mais truculenta, mas em busca de apoio popular, quando precisou se submeter às urnas, cunhou para si próprio o epíteto de

ternura, sugerindo uma mudança de comportamento. Tem sido uma das mais importantes

fontes de informação dos principais jornalistas do país. Toda a sua trajetória política, aliás, é marcada pela utilização sistemática da informação como instrumento de ascensão ao poder político. Mas, afinal, quem é esse cara? Quem é esse político polêmico que, mesclando esperteza, senso de oportunidade e conhecimento dos meios de informação e comunicação, tem interferido tanto nos destinos da Bahia e do Brasil?

O controle, o uso e a disseminação da informação é um dos pilares do tripé sobre o qual se sustenta a sua estratégia política. Vale destacar que o uso que faz da informação não se restringe ao controle e a difusão da informação de massa e da informação política, modelo que tem no ex-presidente Getúlio Vargas a sua maior expressão no Brasil. Magalhães nunca exerceu o poder na dimensão do que foi usufruído por Vargas, mas conquistou o seu nicho através da combinação inteligente entre utilização da informação, aliança com o oficialismo e perseguição a todos que a ele se opuseram.

A utilização da informação, como estratégia política, pode ser observada por meio de diversas táticas. A primeira delas é o seu uso para barganhar privilégios e também pressionar e perseguir os adversários, políticos ou não. A segunda refere-se ao aproveitamento dela para

estreitar laços com jornalistas, por ele considerados importantes, credenciando-se, assim, como fonte privilegiada de informação no cenário político nacional. A terceira diz respeito ao uso da informação na tomada de decisões políticas, através de constantes realizações de pesquisas de opinião pública. A quarta e última tática é o controle e o uso da informação e a sua difusão através dos veículos de comunicação.

Na Bahia, portanto, informação e comunicação, constituem a base de dominação política do grupo liderado por Magalhães. O controle dos meios de comunicação; a massificação de mensagens publicitárias auto-promocionais; a mitificação da imagem do chefe e do grupo; e a permanente aliança com o oficialismo na esfera federal, que lhe garante a indicação de nomes para funções e cargos públicos variados, são elementos preponderantes do modelo político implantado. Entretanto, é com base na produção, no tratamento e na difusão da informação que Magalhães construiu a sua imagem pública e política, como veremos nos próximos capítulos.

3.1 CONTEXTO POLÍTICO

O contexto sócioeconômico, político e cultural da Bahia tem suas origens no sistema de mando, conhecido como coronelismo, e no patrimonialismo, identificado por Sérgio Buarque de Holanda (1995) na formação social do brasileiro, por ele classificado como

homem cordial.

O coronelismo tem suas raízes no Império, quando os chefes políticos locais mais prestigiados receberam o título de coronel da Guarda Nacional. Já naquela época, os municípios brasileiros eram feudos políticos que se transmitiam por herança, embora não configurada legalmente.

Criada após a Independência para auxiliar o novo governo na manutenção da ordem, a Guarda Nacional era composta por todos os habitantes livres do país, que se integraram nos seus diversos escalões. Os postos mais altos foram ocupados pelos grandes proprietários de terras, os coronéis, seguidos pelos parentes mais próximos nos postos de majores, capitães e outros menos importantes. Essa elite local mantinha sob suas ordens todos aqueles que não tinham posses ou meios de ocupar melhores posições e refletia, no escalonamento dos seus postos, a estrutura socioeconômica das diversas regiões (QUEIROZ, 1975, p. 156). A Guarda Nacional foi extinta pouco tempo depois da Proclamação da República, mas a denominação

de coronel continuou sendo outorgada, espontaneamente pela população, àqueles que pareciam deter o poder econômico e político local (QUEIROZ, 1975, p. 159).

Apesar de estender o direito de voto a todo cidadão brasileiro ou naturalizado que fosse alfabetizado, a Constituição de 1891 não conseguiu eliminar, totalmente, as barreiras econômicas e políticas que impossibilitavam a livre manifestação do eleitorado. A base da antiga estrutura eleitoral alargou-se, mas os chefes políticos locais permaneceram os mesmos e sob os seus domínios, uma massa eleitoral bem maior do que a que se verificava durante o Império.

[...] um coronel importante constituía uma espécie de elemento socioeconômico polarizador, que servia de ponto de referência para se conhecer a distribuição dos indivíduos no espaço social. Era o elemento chave para se saber quais as linhas políticas divisórias entre os grupos e subgrupos na estrutura tradicional brasileira(QUEIROZ, 1975, p. 159).

A manutenção do voto como uma posse e a possibilidade de barganha provêm da multiplicidade de graus da hierarquia do coronelismo, cuja estrutura era formada por familiares e parentes do coronel. Além de grupo político, a parentela era também um grupo econômico que operava em geral com base na solidariedade e na interdependência entre as diferentes partes que as compunham. Era através dessa estrutura familiar que o chamado voto

de cabresto era obtido tanto através de favores e benefícios como pela via da opressão, da

violência e da crueldade.

Outro ingrediente, que caracteriza o coronelismo e contava na ascensão sócio- econômica e política dos que se tornavam coronéis, era a posse do que Weber (1971, p. 144) chamou de carisma – um conjunto de dotes pessoais ou de habilidades de uma pessoa que fascina outras, despertando simpatia. Esta qualidade explica porque, dentro do grupo da parentela, a liderança suprema muitas vezes não passava diretamente de pais para filhos. O chefe escolhia para sucedê-lo alguém que apresentasse as qualidades exigidas, desde que possuísse bens e fortuna e, é claro, pertencesse à parentela.

O coronelismo integra-se, portanto, como um aspecto específico e datado dentro do conjunto formado pelos chefes que compõem o mandonismo local brasileiro. Datado porque, embora aparecendo na segunda metade do Império, é na Primeira República que atinge sua máxima expressão e a plenitude de suas características. Mas a prática teve várias formas desde a época colonial e

apresenta-se como um conceito mais amplo dos tipos de

poder político e econômico que, historicamente, marcaram o Brasil. (PANG,