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Brasil e Argentina: Considerações Comparativas

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4. MECANISMOS DECISÓRIOS DE PARTICIPAÇÃO NO BRASIL E NA

4.4. Brasil e Argentina: Considerações Comparativas

Tendo em vista o que foi apresentado ao longo deste capítulo pretende-se em alguns tópicos destacar as principais questões relacionadas às diferenças e similaridades entre Brasil e Argentina. Parte-se de elementos que caracterizam o processo de formação histórico-social desses países até elementos que configuram a relação entre Estado-sociedade no que concerne à garantia de instrumentos de participação cidadã.

(1) O tipo de colonização predominante no Brasil e na Argentina – responsável por estruturar social, econômica e politicamente a sociedade desses dois países –ocorreu de forma diferenciada e pode-se dizer antagônica pelas metrópoles portuguesa e espanhola, a começar pelos traços que moldam a identidade portuguesa – personalismo, cordialidade, prestígio, ausência de rigor e hierarquia – e espanhola – valorização da categoria trabalho, planejamento e organização, impessoalidade,

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disciplina. Enquanto no caso brasileiro predomina uma “ética da aventura”, no argentino se constrói uma “ética do trabalho” (HOLANDA, 1995).

(2) Ainda sobre os traços coloniais, o Brasil teve sua formação concentrada no litoral, com fortes raízes rurais e um meio urbano desordenado e sem estímulos políticos, econômicos e culturais para a sua fundação. A Argentina, ao contrário, seguindo o perfil de colonização espanhola teve não somente o meio rural, mas também o meio urbano como instrumento de dominação pela metrópole. Suas cidades foram fundadas de forma planejada e com mínima ordenação para a construção de núcleos de povoamento. Assim, no Brasil tem-se a “ética da aventura” e o perfil do “semeador”, enquanto a Argentina é estruturada pela “ética do trabalho” e do “ladrilhador”.

(3) Em relação à história democrática, no século XX, Brasil e Argentina, perseguem padrões diferenciados. Enquanto no primeiro, o sistema político tem configuração elitista e institucionalista, porém excludente social e politicamente, no segundo, a participação segue um padrão movimientista entre elites e setores populares, com característica mais longa do ponto de vista da participação popular.

(4) Em ambos os países a instauração das ditaduras militares provocou um rompimento de governos com bandeiras de reformas sociais e da emergência de uma dinamização política em nível societário. As décadas de 1960 e 1970 foram pautadas pela incursão de temas como as reformas agrária, universitária, urbana, educacional em curso na América Latina quando foi surpreendida com a instauração de golpes militares que restringiram os direitos de cidadania.

(5) A construção de uma cultura política de “um direito a ter direitos” como parte do processo de democratização nos países latino-americanos. As lutas políticas contra as ditaduras militares, especialmente na segunda metade dos anos 1970, ocasionaram o surgimento de novos atores sociais que fizeram eclodir uma pluralidade de reivindicações contra todo e qualquer tipo de exclusão, inclusive de âmbito identitário (direitos humanos, ambientais, feministas etc.). No caso brasileiro, essa ressignificação do espaço público, com a introdução no aparelho estatal da diretriz participativa, somada à conquista pelos direitos de cidadania aconteceu de forma mais expressiva do que na Argentina e nos demais países latino-americanos.

(6) A América Latina vive o que Dagnino, Olvera e Panfichi (2006) denominaram de “confluência perversa” entre os projetos políticos denominados de neoliberal e democrático-participativo, que podem ser compreendidos pela dimensão econômica em detrimento da social, da prevalência do mercado em relação à sociedade; da eficiência e da competitividade ao invés da redistribuição e da igualdade social; da participação restritiva em oposição à participação ampliada; enfim, da gestão estratégica e não da gestão social.

(7) No caso brasileiro, a CF 1988 representou um marco em relação aos direitos sociais e ao padrão universal de cidadania nunca visto na história do país. Pode-se dizer que se a Constituição Federal de 1946 foi significativa para os direitos civis, a CF 1988 promoveu o mesmo avanço no campo dos direitos sociais (FLEURY, 2008). Ao assumir uma tendência descentralizadora, o novo marco constitucional promoveu a construção de uma arquitetura de participação, ao dispor de instâncias deliberativas como os conselhos gestores e as conferências, integradas em cada esfera de governo

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(federal, estadual e municipais). Além disso, o poder local foi fortalecido pelo reconhecimento do município como ente federado que passou a assumir responsabilidades constitucionais na provisão de serviços públicos e na gestão de políticas até então relegadas à União e aos estados. Isso possibilitou o surgimento de novas experiências democráticas participativas. O Brasil se tornou um país de referência na institucionalização de espaços públicos decisórios no interior do Estado que permitiu a disseminação de seus instrumentos de participação em escala mundial, como pode ser percebido com o OP.

(8) A Argentina teve um processo de redemocratização diferente do caso brasileiro. A reforma constitucional de 1994 manteve as disposições da Constituição de 1853, com destaque para o retorno da democracia enquanto regime político datado de 1983 e, consequentemente, da participação da população nos pleitos eleitorais. Os atores sociais que tiveram destaque na luta contra o regime militar foram aqueles que defendiam a bandeira dos direitos humanos, sendo o exemplo mais expressivo as “Mães da Praça de Maio”, que conquistaram repercussão internacional, percebida até os dias atuais. Os mecanismos de participação estão concentrados em instrumentos de consulta popular, como a iniciativa legislativa popular, o referendo e o plebiscito que, assim como o Brasil, desde que foram instituídos possuem uma débil implementação. Em relação a esferas públicas decisórias, o OP é considerado a principal experiência participativa que se faz presente em níveis provincial e municipal. Sua adoção em governos subnacionais ocorreu pelo impulso a uma tendência de descentralização municipal, a partir da segunda metade da década de 1990, em que alguns governos representados por partidos socialistas reconheceram a política de participação na gestão pública.

(9) Caminhando para a finalização deste capítulo, pode-se dizer que Brasil e Argentina vivenciam um processo de democratização refletido tanto na consolidação da democracia representativa quanto na construção de novas experiências políticas que configuram a democracia participativa. Considera-se que a institucionalização de mecanismos decisórios de participação no interior do Estado torna-se importante para a construção de uma nova governabilidade democrática sustentada no reconhecimento da sociedade enquanto ator político que propõe, discute, acompanha, fiscaliza e decide sobre os rumos do país, bem como contribui para uma gestão pública mais transparente e responsável por meio do exercício do controle social. Na Argentina, as formas de participação garantidas pelo texto constitucional são de caráter consultivo, o que fragiliza o poder de influência da sociedade civil no processo político decisório. A não institucionalização ou o débil desenho político-institucional da participação cidadã anula o funcionamento de espaços públicos decisórios de cogestão entre Estado e sociedade, pois, se instalados, ocorrem no âmbito de uma “política de governo” e não de uma “política de Estado”. Contudo, a mera garantia legal dessas instâncias deliberativas não garante a efetividade de seu funcionamento, sendo também responsáveis outros fatores relacionados à constituição de uma cultura política democrática.

Por fim, assim como colocado por Santos e Avritzer (2002), a associação entre democracia representativa e democracia participativa possibilita a construção de uma nova gramática social e cultural de organização da sociedade civil e da relação entre Estado e sociedade, que articula uma inovação política com uma inovação social na busca por uma nova institucionalidade da democracia.

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