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Esfera Pública: Críticas e Complementações

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2. DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ESFERA PÚBLICA

2.4. Esfera Pública: Críticas e Complementações

É inegável que Habermas construiu um modelo teórico de espaço público com maior detalhamento no âmbito da teoria democrática contemporânea. No entanto, a concepção de esfera pública habermasiana mereceu críticas e complementações importantes, as quais não podem ser desconsideradas quando se pretende utilizar tal modelo em localidades fora da Europa (AVRITZER; COSTA, 2004).

Apesar das críticas ao conceito de esfera pública em Habermas, os autores que as realizam colocam a existência de tal conceito como indispensável para a teoria crítica e para a teoria democrática, até mesmo como uma ideia de construção de um projeto alternativo de modelo democrático (FRASER, 1990).

De forma geral, as críticas giram em torno da insuficiência da concepção de esfera pública formulada por Habermas, por não problematizar algumas premissas que fundamentam o modelo democrático contemporâneo, como a exclusão e o conflito, o que, desse modo, não atenderia às necessidades da teoria crítica hoje (FRASER, 1990).

As críticas destacadas nesta seção, em sua maior parte, foram estabelecidas durante a década de 1990, sobretudo baseadas na obra “Mudança Estrutural da Esfera Pública” e colocam em evidência aspectos para a análise do processo participativo, como igualdade socioeconômica, relações de poder entre os participantes e diversidade de espaços públicos dedicados às reivindicações de atores sociais excluídos social e economicamente.

Na visão de Fraser (1990), a concepção de esfera pública, assim como descrita por Habermas, coloca em questão os seguintes pressupostos: (1) a possibilidade dos interlocutores na esfera pública suportarem status diferentes e deliberarem como se fossem socialmente

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iguais, assumindo que a igualdade social não é considerada uma condição necessária para a democracia política; (2) a existência de uma única esfera pública em detrimento de múltiplos espaços públicos; (3) o discurso na esfera pública deve se restringir à deliberação sobre o bem comum e desconsiderar interesses privados que podem assumir caráter comum em determinados grupos e, por último, (4) o pressuposto que o funcionamento da esfera pública democrática requer a separação entre Estado e sociedade.

Em relação ao primeiro pressuposto, apesar de Habermas considerar a esfera pública burguesa como um espaço aberto e acessível a todos, o que caracteriza um dos elementos centrais da publicidade, não há espaço para a participação da classe plebeia devido à existência de aspectos excludentes baseados em gênero, propriedade privada e raça, considerados estruturais da sociedade burguesa. Tem-se, então, um formato de esfera pública não inclusivo, no qual predominam, em sua composição, membros com o mesmo status socioeconômico. Somado a esse aspecto, em sociedades estratificadas, grupos sociais com poderes desiguais tendem a desenvolver de forma desigual valores culturais. Como resultado, tem-se que as pressões informais que são geradas pela esfera pública marginalizam a contribuição de membros de grupos subordinados, tanto em assuntos relacionados à vida cotidiana quanto naqueles tematizados na esfera pública (FRASER, 1990).

Em resumo, o que Fraser (1990) coloca em questão neste primeiro pressuposto é que a construção da democracia política requer igualdade social. A constituição de esferas públicas e a participação política delas decorrente ocorrem em sociedades estruturalmente desiguais, nas quais relações de dominação e subordinação são geradas sistematicamente. Por isso a defesa pela autora de múltiplos espaços públicos de participação que agreguem interesses comuns oriundos de demandas específicas de grupos sociais marginalizados e subordinados social e economicamente.

Essa última questão constitui o segundo pressuposto defendido pela autora, ou seja, a constituição de múltiplas esferas públicas em detrimento de uma única. Em sociedades desiguais, estruturadas por relações de dominação e subordinação, a paridade participativa entre públicos distintos em uma mesma esfera pública encontra dificuldades. Seria como se um “falso nós” fosse constituído com a participação de um público tão distinto (FRASER, 1990).

Por isso, o arranjo institucional que melhor auxiliaria a diminuir o hiato do debate e da deliberação entre grupos dominantes e subordinados seria a pluralidade de espaços públicos, em vez de um único espaço institucional que tenha caráter abrangente e reúna públicos tão díspares (FRASER, 1990).

Isso porque as desigualdades estruturais da sociedade são refletidas no processo discursivo e na tomada de decisão em espaços institucionais de participação, sendo caracterizados como espaços de perpetuação das vantagens dos grupos dominantes e desvantagens dos grupos subordinados (FRASER, 1990).

Com isso, torna-se importante a existência de arenas deliberativas dedicadas aos temas e necessidades de grupos marginalizados, constituindo, dessa forma, espaços potenciais para a articulação de estratégias políticas que atendam às reivindicações oriundas destes segmentos. A essas múltiplas esferas públicas Fraser (1990) denomina de “counterpublics” visto possuírem um “counterdiscourse”, no qual um discurso paralelo é formulado com base em interpretações de oposição para suas identidades, interesses e necessidades. A questão é que, em sociedades com desigualdades sociais exacerbadas, os “conterpublics” têm um duplo caráter: de um lado, funcionam como espaços aglutinadores, que agreguem e reúnam tais grupos e, de outro, servem como base para a realização de iniciativas de mobilização para públicos mais amplos, a fim de fazer frente aos privilégios injustos de grupos dominantes.

A ideia de uma esfera pública única e abrangente desconsidera as relações assimétricas de poder que marcam historicamente os processos de constituição das esferas públicas

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contemporâneas. Na própria constituição, a esfera pública apresenta critérios de seleção que implicam a definição prévia de quem serão os segmentos efetivamente ouvidos e quais serão os temas considerados de caráter público. Com isso, minorias étnicas e grupos discriminados social e culturalmente são excluídos previamente da esfera pública ou ocupam nela um lugar subordinado (AVRITZER; COSTA, 2004).

Assim, é necessário construir estruturas específicas aos públicos subalternos. Um único espaço público que agregue segmentos tão diversificados pode não se mostrar poroso à força expressiva dos argumentos e, com isso, reproduzir o poder daqueles grupos que historicamente dominaram o processo de produção do discurso (AVRITZER; COSTA, 2004).

O terceiro pressuposto diz respeito à ambiguidade entre, de um lado, o que é considerado um problema privado, particular e/ou que impacta cada um e, de outro, o que é reconhecido como de interesse comum a todos os participantes. A ideia é que, por meio do processo discursivo e deliberativo construído no âmbito de esferas públicas, problemas individuais encontrem unicidade entre os participantes e sejam colocados em evidência, a fim de serem discutidos e inseridos na esfera política. As preferências e identidades pessoais não são consideradas exteriores à esfera pública, pelo contrário, fazem parte dos assuntos a serem debatidos para a construção de uma agir coletivo, norteados pelos temas de alçada comum (FRASER, 1990).

Habermas, ao contrário, entende aquilo que é público, em oposição ao que é considerado privado, como atividade que confere publicidade, em oposição ao que é secreto. A esfera pública, desse modo, seria o espaço dedicado à conversação dos indivíduos entre si e à publicização da opinião gerada na esfera do comum. Os indivíduos que participam da esfera pública são portadores da opinião pública e a sua função crítica refere-se à publicidade. Daí, a contraposição entre público e privado (LUBENOW, 2012).

Por fim, o último pressuposto diz respeito à separação entre Estado e sociedade no processo de constituição da esfera pública. Fraser (1990) critica a definição habermasiana de que a esfera pública constituiria um “corpo privado de pessoas reunidas em um público” (HABERMAS, 1984, p. 42), o que significaria a participação sem nenhuma ligação ou relação com decisões políticas com poderes na esfera estatal. Sem o exercício do poder deliberativo, as esferas públicas são caracterizadas como públicos fracos, assumindo funções exclusivamente de formação de opinião pública, sem provocar transformações estruturais que vão ao encontro de sociedades mais justas, democráticas e igualitárias.

Além de Fraser (1990), outras críticas também foram tecidas à construção de esfera pública em Habermas, a partir de sua obra “Mudança Estrutural da Esfera Pública”. Calhoun (1992), por exemplo, critica a vinculação entre esfera pública e a produção de discursos qualificados, em detrimento da valorização de identidade entre os participantes. Tal crítica é construída com base no público participante da esfera pública burguesa, especialmente a elite instruída, que produzia um discurso racional-crítico sem a participação de grupos excluídos da sociedade, e também sem a inclusão de temas oriundos destes segmentos vulneráveis.

A constituição de uma esfera pública burguesa reflete a dominação da sociedade, isto é, a prevalência de grupos dominantes na produção do discurso crítico-racional. Este último, ao contrário, deve estar baseado na integração social gerada pelo processo comunicativo de temas e assuntos pertinentes às demandas dos segmentos excluídos socialmente (CALHOUN, 1990).

Ainda sobre o modelo discursivo desenvolvido por Habermas, Benhabib (1992) chama a atenção para o estabelecimento de uma prática dialógica em uma “situação de fala ideal” para a qual todos os participantes necessitariam dispor de igualdade de chances para iniciar e permanecer no processo comunicativo. Ou melhor, todos os participantes deveriam ter as mesmas condições para elaborar as questões, expressar dúvidas e, por meio do diálogo, possuir liberdade para expressar divergências com o propósito de alcançarem o acordo.

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Portanto, uma situação ideal de fala preconizaria uma igualdade participativa entre os participantes (BENHABIB, 1992).

Assim, a compreensão da sociedade estaria assentada em uma concepção democrática de constituição de esferas públicas regidas por um modelo discursivo orientado para a prática dialógica ideal. A esfera pública, dessa maneira, possui no diálogo o elemento que expressa a legitimidade das sociedades democráticas e validade da construção das normas sociais e da prática política (BENHABIB, 1992).

Em sociedades desiguais social e economicamente, a prática discursiva se depara com conflitos e relações de poder construídos historicamente. A denominada “igualdade recíproca” entre os participantes da ação comunicativa preconiza condições específicas e normas ideais que não foram construídas socialmente, ainda mais quando se reflete tal modelo discursivo com a inserção de um público tradicionalmente excluído do processo político com outros segmentos que ocupam posições economicamente estratégicas em nossa sociedade.

Sobre essa questão, não se pode desconsiderar a proeminência do mercado e de seus segmentos influentes na dinâmica política participativa presentes em esferas públicas deliberativas. Em torno da participação que envolve grupos sociais destituídos de capacidades - socioeconômicas, políticas, técnicas –, junto aos segmentos do mercado são construídos pensamentos e preceitos antitéticos que em sociedades desiguais adquirem maior proeminência em termos de construção de relações sociais (BENHABIB, 1992).

Apesar dos diversos questionamentos levantados pelos autores acima sobre a operacionalização do modelo de esfera pública habermasiano em sociedades atuais, Cohen e Arato (2000) desconstroem algumas críticas tecidas com base na ética do discurso de Habermas, além de acrescentar ao debate novos elementos pertinentes ao processo argumentativo, como valores de reciprocidade e identidade que são construídos ao longo do processo discursivo.

Sobre a teoria do discurso de Habermas, na qual se sustenta a esfera pública, a estrutura básica consta de duas dimensões: a primeira especifica as condições de possibilidade de alcançar um acordo racional legítimo, enquanto a segunda especifica os conteúdos possíveis desse acordo. Ou melhor, a legitimidade para se alcançar o acordo por meio do discurso é definida por Habermas como o único procedimento válido para justificar as ações. A validade dessas ações é reconhecida somente se todos aqueles que se veem afetados atuem como participantes em um discurso prático, visando alcançar um acordo motivado racionalmente (COHEN; ARATO, 2000).

Contudo, não se pode negar que a construção de um acordo motivado racionalmente possui condições anteriores que se tornam pertinentes e influenciam a dinâmica deliberativa. Uma delas é que, partindo do pressuposto de que existe uma igualdade efetiva de oportunidades entre os participantes no processo discursivo, o consenso só se tornará possível se ocorrer um reconhecimento mútuo e recíproco entre os participantes. Ou seja, para que o diálogo seja capaz de produzir consenso, a participação não pode estar limitada pela força política ou econômica, nem por desigualdades de atuação ou fala. Em resumo: todos os participantes devem possuir condições iguais de participação e nada pode ser tabu para o discurso racional, nem os domínios de poder, nem as condições econômicas, nem a tradição ou autoridade. Isso quer dizer que, para se alcançar um consenso racional que seja considerado legítimo, elementos como simetria, reciprocidade e reflexividade entre os participantes são necessários, para se alcançar tal consenso como finalidade última (COHEN; ARATO, 2000).

O que Habermas denomina de “situação ideal de fala” guarda relação com as condições igualitárias de participação em qualquer ato de comunicação baseado na ética do discurso. Tal pressuposto faz com que alguns críticos de Habermas detenham sua análise de forma mais expressiva em aspectos relacionados à organização do processo discursivo, teoria

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organizacional de esferas públicas, em detrimento de enfatizarem a legitimidade democrática do processo discursivo. Ao considerar o conceito de “situação ideal de fala” como um conjunto de critérios que promove a diferenciação entre normas legítimas e ilegítimas, evita- se a confusão causada por interpretações que identificam as regras formais da expressão do discurso argumentativo como uma utopia concreta. A “situação ideal de fala” refere-se apenas às regras que terão que seguir os participantes, se desejarem alcançar um acordo motivado unicamente pela força do melhor argumento. Se essas condições não são satisfeitas como, por exemplo, no caso de os sujeitos em um debate não possuírem oportunidades iguais para falar ou colocar suas posições, ou até mesmo se estiverem influenciados pela força política e a manipulação, então a participação pelo processo discursivo não estará ocorrendo e, dessa forma, a teoria habermasiana não terá validade.

(...) Sólo un discurso práctico, real, en el que participen cooperativamente todos los participantes potencialmente afectados por las normas que se están discutiendo, puede conducir a un consenso racional sobre su validez, porque sólo bajo esas condiciones podemos ver que nosotros – juntos no en forma privada – estamos convencidos de algo. Las metanormas de la ética del discurso son, por lo tanto, peculiares en el sentido de que sus implicaciones normativas sólo están disponibles en los contextos del diálogo real (COHEN; ARATO, 2000, p. 399).

Uma segunda crítica baseada na ética do discurso de Habermas diz respeito ao conteúdo dos acordos estabelecidos no processo de discussão. Habermas sustenta que a ação comunicativa deve seguir preceitos objetivos, racionais e legítimos democraticamente, além de expressarem, ao final, um interesse generalizante que reflita a satisfação e a concordância entre todos os participantes. Tal aspecto universal requererá dos envolvidos um discernimento entre aqueles discursos com o qual todos concordam e reconhecem como sendo válido para todo o grupo (COHEN; ARATO, 2000).

Sobre essa crítica, é importante ressaltar que segundo a interpretação de Cohen e Arato (2000), o discurso promove uma identificação comum entre os participantes. Devido a uma pluralidade de sistema de valores, modos de vida e identidades individuais, o discurso proporciona uma forma de descobrir e reafirmar os valores que cada membro tem em comum, pois durante a inter-relação formada no processo discursivo ocorre uma identificação entre os participantes quanto às posições assumidas e às decisões defendidas. Ou seja, mediante o discurso ocorre a afirmação e a constituição de uma identidade coletiva, à parte das identidades e diferenças pessoais (COHEN; ARATO, 2000).

A questão da identidade guarda relação com a universalização da legitimidade democrática e dos direitos básicos que apenas podem estar circunscritos aos elementos identitários constituídos no processo discursivo. A formação da identidade pressupõe o descobrimento ou reapropriação das tradições, memórias coletivas, padrões inexistentes de interação, valores estabelecidos e práticas relevantes (mundo da vida) que são fontes de solidariedades que podem sustentar o núcleo de uma identidade coletiva (COHEN; ARATO, 2000).

A questão da identidade e sua relação com a ética do discurso é expressa por processos de socialização comunicativa em um contexto de comunidade de fala e do mundo da vida compartilhado intersubjetivamente. A identidade individual é garantida apenas como membros de uma coletividade e, simultaneamente, adquirem uma identidade de grupo. À medida que se constrói a identidade individual, maior é a implicação no mundo da vida e a inserção do individuo em uma rede de interdependências múltiplas e recíprocas que lhe é peculiar (COHEN; ARATO, 2000).

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Tanto as identidades coletivas como individuais estabelecidas por meio de processos de socialização necessitam ser reafirmadas, pois requerem um reconhecimento mútuo permanente e encontram-se continuamente abertas à transformação. Os indivíduos jamais podem conservar sua identidade em isolamento. A integridade do indivíduo não está assegurada sem a integridade do mundo da vida compartilhado intersubjetivamente, o que torna possível o compartilhamento e o reconhecimento mútuo de suas relações interpessoais (COHEN; ARATO, 2000).

A ética do discurso, dessa maneira, possui duas tarefas: (1) deve assegurar a inviolabilidade de indivíduos socializados, requerendo tratamento e respeito igual para com a dignidade de cada um deles; (2) deve proteger as relações intersubjetivas de reconhecimento recíproco, requerendo solidariedade entre os indivíduos como membros de uma comunidade na qual são socializados (COHEN; ARATO, 2000).

Com isso, a solidariedade está presente na experiência que cada um deve assumir enquanto membro de um grupo, de uma comunidade, pois compartilham o mesmo contexto de vida comum e constroem a identidade coletiva (COHEN; ARATO, 2000).

Portanto, o que Cohen e Arato (2000) colocam em evidência ao analisar a teoria habermasiana é que, pela ação comunicativa, o bem-estar geral guarda relação com o conceito de identidade. A identidade do grupo e a identidade individual se reproduzem por meio de relações de reconhecimento mútuo. E no processo comunicativo, os discursos reproduzem reflexivamente alcances comunicativos intersubjetivos (reconhecimento recíproco) que reafirmam e constroem os componentes da identidade, tanto individual como grupal (COHEN; ARATO, 2000).

Outro apontamento realizado por Cohen e Arato (2000) é que a teoria habermasiana aponta para a legitimidade da democracia e da defesa dos direitos básicos. Isso pode ser explicado porque o processo discursivo desenvolve o poder político pela participação democrática de todos os interessados e, dessa forma, consegue obter a legitimidade necessária para a constituição e a garantia de posições políticas que expressem o bem-estar da população.

A deliberação em esferas públicas, segundo a concepção habermasiana, prevê que a população possa deter as condições necessárias para se reunir, debater, constituir associações, defender e articular posições publicamente e, como isso, acaba por promover uma institucionalização de espaços públicos no âmbito da sociedade civil assegurando a legitimidade democrática da discussão e do consenso alcançado (COHEN; ARATO, 2000).

A interpretação do processo discursivo como garantidor de direitos básicos traz a interpretação da ideia de “direitos a ter direitos” como um principio político democrático que implica a participação ativa dos indivíduos nas esferas públicas institucionalizadas da sociedade civil. A afirmação dos direitos, então, é considerada um ato político pelos cidadãos que diminui a distância entre a sociedade e o Estado no processo de formulação e decisão política (COHEN; ARATO, 2000).

De forma geral, apesar das críticas apresentadas acima, principalmente quanto à concepção de esfera pública e aos demais aspectos da teoria do discurso de Habermas, é possível traçar modelos de espaços públicos na contemporaneidade a partir da discussão teórica: (1) “new publics”, isto é, emergência de uma multiplicidade de novos atores, culturas, etnias que contrastam com tipos historicamente construídos e que se tornaram dominantes na sociedade; (2) “subaltern counterpublics”, como espaços públicos dedicados a reivindicação de direitos e poder político daqueles atores sociais que representam grupos tradicionalmente excluídos; (3) “públicos participativos” compreendidos como espaços públicos que atuam na intermediação entre sociedade civil e sistema político, contribuindo para a democratização do Estado e o controle das questões de interesse público pelos cidadãos (AVRITZER; COSTA, 2004).

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Tais modelos sugeridos partem da discussão habermasiana de esfera pública, sendo considerados espaços potenciais no estabelecimento de uma relação mais direta entre Estado e cidadãos, levando a uma partilha do poder anteriormente concentrada no aparato governamental. Experiências como o orçamento participativo (OP) e os conselhos gestores tornaram-se sinônimos de tecnologias sociais democratizantes, sobretudo após reformas políticas que garantiram a inserção destes mecanismos participativos em diversos setores, programas e políticas governamentais. No entanto, questiona-se até que ponto tais experiências deliberativas alcançam efetividade política e promovem a desarticulação de grupos de interesse. Tais espaços reforçam valores democráticos e de cidadania ou são palco de uma estratégia política conduzida por elites para a manipulação da participação popular? (OTMANN, 2004).

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3. GESTÃO SOCIAL, PARTICIPAÇÃO E ESPAÇOS PÚBLICOS: CONSTRUINDO

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