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James Bohman

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2. DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ESFERA PÚBLICA

2.2. Democracia Deliberativa: Principais Vertentes

2.2.3. James Bohman

Assim como Habermas e Cohen, Bohman também parte do pressuposto de que a democracia implica em formas de deliberação pública e que, por sua vez, a teoria democrática possui como desafio a operacionalização em sociedades complexas e pluralistas da legitimidade das decisões pelos cidadãos livres e iguais (FARIA, 2000).

Bohman (1997) argumenta que a deliberação, enquanto ideal democrático, demanda cidadãos com habilidades e boas intenções para expressar suas próprias razões publicamente e considerar as razões dos demais que devem ser convincentes para todos. Para tanto, isso implica em um ideal de igualdade, uma vez que qualquer um pode participar e expor suas posições, assim como rejeitar as dos outros, lembrando que a melhor razão será aquela melhor argumentada: “força do melhor argumento”. Esse é o procedimento ideal para o critério da legitimidade democrática, desde que qualquer membro tenha igualdade de condições por meio de diálogo em defender e rejeitar os argumentos racionais que estão em jogo no processo de decisão política. Esse procedimento que caracteriza a legitimidade deliberativa pode ser

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expresso pelo consenso, ideal de vontade coletiva a ser alcançada ou, de forma mais débil, porém mais realista, alcançar a cooperação entre os membros participantes.

Isso porque os desafios colocados para a viabilidade da democracia deliberativa em sociedades modernas podem ser caracterizados como de caráter estrutural: (1) existência de pluralismo cultural que dificulta a construção de um bem comum unitário e de uma razão pública singular; (2) desigualdades sociais que produzem um círculo vicioso de exclusão e fragilizam a efetividade da participação na deliberação; (3) complexidade social que requer a inserção da prática deliberativa em espaços institucionais cada vez mais amplos; (4) pluralidade de interesses dentro de uma mesma sociedade, que restringe a comunicação pública e, consequentemente, dificulta as soluções factíveis aos problemas e conflitos sociais (BOHMAN, 2000).

Dentre os desafios mencionados, destaca-se aquele relacionado às desigualdades e sua relação com a deliberação democrática. Tal interface pode ser justificada pela compreensão de desigualdade em seu aspecto multidimensional, não restrito à dimensão econômica, mas que envolve também aspectos intangíveis e imateriais, assim como preconiza Sen (1993), em sua definição de desenvolvimento sob o enfoque das capacidades: “concebe a vida humana como um conjunto de “atividades” e de “modos de ser” que pode ser denominado de efetivações e relaciona o julgamento sobre a qualidade de vida à avaliação da capacidade de funcionar ou de desempenhar funções” (p. 316).

A proposta de Sen (2000; 1993) é demonstrar que o desenvolvimento não pode ser definido pela visão restrita da renda, mas como um processo de expansão das liberdades substantivas de que os indivíduos desfrutam. Não é desconsiderado que o fator renda contribui para a expansão das capacidades humanas, contudo não é o único e, por isso, depende de outros determinantes, de âmbito social e de direitos civis para uma concepção plena de desenvolvimento.

Cinco tipos de liberdade são reconhecidos por Sen (2000) na expansão das capacidades dos indivíduos e que estão inter-relacionadas com a promoção do desenvolvimento humano: (1) liberdades políticas (direitos civis e políticos; referem-se às oportunidades que as pessoas possuem de eleger seus governantes e fiscalizar suas ações); (2) facilidades econômicas (referem-se às oportunidades que os indivíduos possuem para utilizar seus recursos econômicos, com os propósitos de consumo, produção ou troca); (3) oportunidades sociais (constituem as disposições sociais que a sociedade estabelece e que influenciam a liberdade substantiva dos indivíduos de viverem melhor); (4) garantias de transparência (referem-se às necessidades de sinceridade que as pessoas podem esperar; liberdade de lidar uns com os outros sob garantias de confiança e clareza) e (5) segurança protetora (proporciona uma rede de segurança social, impedindo que a população afetada seja reduzida à miséria, à fome ou até mesmo à morte).

Essas liberdades tendem a contribuir para a capacidade de as pessoas viverem mais livremente, e também de complementarem umas às outras. Deve-se, ainda, levar em consideração os encadeamentos que vinculam os diversos tipos de liberdade, reforçando sua importância conjunta. O argumento de que a liberdade não é apenas o objetivo primordial do desenvolvimento, mas também seu principal meio, relaciona-se a esses encadeamentos (SEN, 2000, p. 55).

Ao relacionar tal conceituação de desenvolvimento com a democracia deliberativa, Bohman (1997) parte do pressuposto que iniquidades de diversas ordens, dentre elas, aquelas relacionadas ao enfoque das capacidades de Sen (1993; 2000) interferem no processo argumentativo em arenas públicas. Ou seja, a deliberação e sua aplicabilidade, em tomadas de decisão argumentativas, apresentam falhas que, por sua vez, podem ser justificadas pela existência de condições desiguais de oportunidade.

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Bohman (1997) introduz uma relação entre o enfoque das capacidades de Sen (1993; 2000) e a deliberação, com o argumento de que distintas formas de desigualdade (política, técnica, bem-estar, recursos, oportunidades, bens primários etc.) influenciam na participação direta do cidadão na arena pública. A igualdade de capacidades constituiria, dessa maneira, a mais apropriada para o pleno funcionamento da deliberação visto que os cidadãos deverão tomar parte do processo argumentativo e necessitarão deter habilidades de cognição e comunicação no momento da discussão pública.

Baseado nesta linha de pensamento, a efetividade da participação em esferas públicas requer que todos os cidadãos detenham condições iguais de desenvolvimento de suas capacidades. Para tanto, a igualdade política e o reconhecimento social entre os cidadãos constituem requisitos para uma distribuição justa de condições na dinâmica de tomada de decisão coletiva (BOHMAN, 1997).

A igualdade de capacidades, dessa maneira, constituiria um fator fundamental a ser incorporado na teoria deliberativa da democracia, pois considera as desigualdades materiais e imateriais entre os cidadãos e sua influência no alcance das decisões coletivas. Prestígio social, maior acesso à informação, maior nível educacional, maior posse de recursos financeiros, habilidades especiais, conhecimento técnico especializado, dentre outros elementos, podem, no momento da discussão pública entre diferentes representações, orientar a dinâmica política deliberativa em favorecimento a determinadas posições de segmentos mais favoráveis (BOHMAN, 1997).

Devido à existência de tais limitações no processo deliberativo, ocasionadas pelas diversas formas de desigualdade, sejam elas econômica, social, política e de capacidades, certamente cidadãos serão excluídos da discussão ao desejarem encaminhar e dar efetividade às suas demandas na arena pública. Quando os cidadãos são desiguais em capacidades, por exemplo, para adquirir e usar informação com o propósito de elaborar argumentos convincentes, a exclusão é o resultado direto do funcionamento inadequado da esfera pública deliberativa (BOHMAN, 1997).

Por isso, Bohman (1997) argumenta que a cooperação constitui a finalidade do processo deliberativo democrático. O compartilhamento de informações e de conhecimento entre os cidadãos conseguem ter realização na esfera pública e acabam por fortalecer a ação social entre os cidadãos e conferir legitimidade à deliberação. Além disso, a cooperação também se faz sentir porque os cidadãos necessitam conhecer os demais participantes e estabelecer acordos entre si, a fim de que suas posições sejam apoiadas e se tornem decisões no processo de discussão pública.

Aliado à cooperação, o diálogo também é considerado por Bohman (2000) como o elemento central para a prática deliberativa, pois permite aos cidadãos formularem suas próprias razões em torno da resolução de situações problemáticas, além de ser o precursor no estabelecimento de relações comunicativas. Para tanto, a constituição de espaços de participação que privilegiem o diálogo e são capazes de promover a cooperação entre os participantes politicamente iguais oferece, segundo o teórico, um ideal de democracia deliberativa menos demandado em questões de normatização da teoria democrática.

Portanto, a concepção de democracia deliberativa em Bohman (2000) apresenta relação direta com a constituição de relações sociais compartilhadas possibilitadas pela dinâmica deliberativa, que promove um intercâmbio de racionalidades no qual as decisões ganham qualidade e legitimidade. O diálogo, dessa forma, torna o ato deliberativo capaz de ser exercido conjuntamente entre os partícipes, mesmo quando não há consenso entre eles. Com isso, a deliberação adquire um caráter mais de atividade cooperativa e pública do que de uma forma discursiva e argumentativa (FARIAS, 2000).

Dessa maneira, Bohman (1998) se afasta da definição normativa e “procedimentalista”, ideal de democracia deliberativa tecida por Habermas, caracterizada pela

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justificação pública de argumentos entre cidadãos iguais visando alcançar o bem comum. Conflitos e desacordos entre os partícipes podem surgir no processo deliberativo por não estarem convencidos das razões colocadas e, por isso a percepção da deliberação como um empreendimento cooperativo em curso adquire maior viabilidade.

A questão colocada é a crítica quanto ao alcance de razões aceitáveis pelos partícipes frente a diferentes juízos de valor e racionalidades existentes no processo deliberativo, objetivo que se aproxima mais de uma esperança ilusória. Dificuldades surgem no processo deliberativo ao seguir esse ideal, ou seja, quando é exigido que os membros tenham convergência nas razões que são acordáveis. Há, segundo Bohman e Richardson (2010), uma versão mais forte e outra mais fraca sobre a democracia deliberativa ser orientada para essa concepção: a primeira consiste na deliberação real pela produção do consenso, enquanto a segunda versão ocorre pela escolha de uma razão convergente, aceitável pelos participantes e que segue um interesse geral.

A proposta é que a democracia deliberativa seja constituída sem depender do critério de aceitabilidade mútua das razões por todos os participantes, pois, caso esse ideal seja perseguido, a concepção de deliberação torna-se frustrante. Busca-se, ao contrário, que os cidadãos construam relações sociais, estabeleçam pontos de reciprocidade uns com os outros baseados em razões aceitáveis por cada um e que ações cooperativas sejam construídas como forma de viabilizar a democracia deliberativa (BOHMAN; RICHARDSON, 2010).

Para concluir, Bohman defende que a deliberação é melhor compreendida como uma forma cooperativa e pública de ação social em detrimento do estabelecimento do consenso. Essa mudança para a ação cooperativa como modelo de deliberação pode se tornar viável em sociedades modernas, tamanha sua complexidade e pluralidade, inclusive no estabelecimento de acordos políticos entre Estado e sociedade (FARIAS, 2000).

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