• Nenhum resultado encontrado

Desenvolvimento econômico sob bases sociais

No documento Download/Open (páginas 150-152)

5. DO DESENVOLVIMENTISMO AO NOVO DESENVOLVIMENTISMO: A

5.2. Teoria do Desenvolvimento à luz do Pensamento Furtadiano: a Questão do

5.2.1. Desenvolvimento econômico sob bases sociais

Celso Furtado durante seus escritos da década de 1960 tinha por certo que o desenvolvimento industrial era a condição necessária para resolver os grandes problemas das sociedades em países periféricos: pobreza, concentração de renda, desigualdades regionais. Mas, como ele mesmo disse:

Demoramos a perceber que estavam longe de ser condição suficiente. (...) Daí, que a coexistência de êxito que tive na fase inicial de avanço da industrialização haja sido substituída por sentimento de frustração (FURTADO, 2001, p. 20).

130

Nesse mesmo período, Furtado teve consciência de que as forças sociais que lutavam pela industrialização não tinham suficiente percepção da gravidade social dos países periféricos e tendiam a aliar-se aos latifundiários e à direita contra as organizações sindicais nascentes (FURTADO, 2001).

Percebeu, então, que a análise do desenvolvimento deveria ser aprofundada como um processo histórico específico e que o crescimento econômico cegaria a população para os graves problemas sociais. O fluxo migratório campo-cidade inebriou a população quanto às melhorias de condições de vida e de ascensão social (FURTADO, 2001).

O avanço na acumulação de capital provocado pelo processo de industrialização nem sempre produziu transformações nas estruturas sociais capazes de modificar significativamente a distribuição de renda. Enquanto nas economias dos países centrais a acumulação de capital levou a escassez de mão de obra, criando as condições para que emergissem pressões sociais por elevação dos salários, nos países periféricos provocou a marginalização social e reforçou as estruturas tradicionais de dominação ou a substituição por outras. Em outras palavras, a acumulação de capital nas regiões periféricas esteve a serviço da internacionalização dos mercados que acompanhou a difusão da civilização industrial (FURTADO, 2001).

A dependência tecnológica dos países de periferia está no cerne deste problema. O desenvolvimento tecnológico é dependente porque se limita à introdução de novas técnicas, mas impõe a adoção de padrões de consumo, sob a forma de produtos que correspondem a um grau de acumulação e de sofisticação técnica que só as economias centrais possuem (FURTADO, 2001, p. 48).

A questão colocada aos países periféricos para a superação desta condição é como provocar o desenvolvimento em níveis baixos de acumulação de capital, levando em consideração as mazelas sociais ocasionadas pela divisão internacional do trabalho e os entraves impostos pela internacionalização dos mercados. Ou ainda, como ter acesso a tecnologia por outro caminho que não seja a dependência externa que limita a autonomia e não impacta no processo de homogeneização social? (FURTADO, 2001).

Furtado (2001) resume em três modelos as tentativas mais significativas de superação do subdesenvolvimento na segunda metade do século XX. O primeiro deles, a coletivização dos meios de produção, foi baseado no controle coletivo das atividades de maior peso econômico, tanto nas atividades produtivas, quanto em âmbito nacional, com a planificação centralizada ou ainda na forma de combinação desses dois padrões de organização coletiva do sistema econômico. Tal modelo tem o seu sistema econômico regido por decisões políticas centralizadoras, o que tende a conduzir um afastamento entre os centros de decisão e a população.

O segundo modelo refere-se à priorização quanto à satisfação das necessidades básicas, consideradas essenciais para a uma determinada comunidade. Este projeto de superação do subdesenvolvimento parte da evidência de que o acontecimento tardio do processo de civilização industrial conduzia a formas de organizações sociais que excluíam os benefícios da massa populacional. A adoção desse modelo é de natureza política e determina que parte do excedente de capital seja direcionado para modificar o perfil de distribuição da renda, de maneira que o conjunto da população possa satisfazer suas necessidades básicas de existência (FURTADO, 2001).

A dificuldade maior deste modelo concentra-se na vontade política para sua implementação, devido à interdependência entre a estrutura do sistema produtivo e a distribuição de renda. Modificar essa interdependência tem um custo social que pode ocasionar desemprego imediato e encarecimento da tecnologia adquirida para satisfazer as necessidades da população de baixa renda (FURTADO, 2001).

131

E o último modelo percebido por Furtado (2001) está relacionado ao ganho de autonomia externa entendido como uma postura ofensiva assumida pelos países periféricos nos mercados internacionais. Nesta estratégia de desenvolvimento, os investimentos são realizados de forma a favorecer setores com capacidade competitiva externa e que exerçam um mesmo impacto no mercado interno. O traço principal desse terceiro modelo é o ganho de autonomia nas relações externas. A condição de dependência externa é superada por uma postura mais ofensiva no mercado. O problema que se coloca de imediato é o da identificação das bases sociais de uma estrutura de poder apta a levá-lo à prática, dependendo de uma estrutura estatal autoritária.

Os três modelos descritos acima apontam que, para a superação do subdesenvolvimento, algumas condições precisam ser cumpridas pelos países periféricos, a serem implementadas por uma forte vontade política apoiada em amplo consenso social. Dentre tais medidas, destaca-se: um grau de autonomia decisória do Estado que limite os investimentos para o exterior; as decisões empresariais descentralizadas, a fim de adotar um sistema de incentivos capaz de assegurar o uso do potencial produtivo; e a existência de estruturas sociais que gerem ações preventivas e corretivas nos processos concentração de poder (FURTADO, 2001).

Em seus escritos mais recentes, Furtado considera que a reversão dos problemas econômicos e sociais frente ao modelo neoliberal imposto pelo processo de globalização estaria também relacionada com a dimensão cultural das economias periféricas (FURTADO, 2002). Ou seja, o que ocorre nestas economias é uma reprodução da cultura material do capitalismo mais avançado por uma elite dominante provocada pelo avanço do progresso técnico, que aumenta o hiato de desigualdade interna, reforça as disparidades regionais e limita o mercado interno (MENDES; TEIXEIRA, 2004).

Desta forma, torna-se necessária a formulação de uma política de desenvolvimento com base em valores permanentes tipicamente nacionais e não com base em características culturais impostas pelo processo de acumulação do capital internacional, comandado por empresas transnacionais. Daí, a superação desse impasse que nos defrontamos ocorrer pela criatividade política estimulada pela vontade coletiva. É necessário envolver a população no processo de decisão e conduzir a política de desenvolvimento para a homogeneização social e a abertura de espaços para a realização da potencialidade da nossa cultura (FURTADO, 2002).

Assim, questões fundamentais foram postas por Furtado em sua análise sobre o processo de desenvolvimento nos países latino-americanos que fomentam a reflexão sobre a condução histórica do desenvolvimento e as estratégias para a sua promoção mais equitativa. Furtado nos ensina que pensar o desenvolvimento econômico é pensá-lo com base nos problemas estruturais da sociedade, cuja finalidade é a homogeneização social. O caminho a ser seguido se configura muito menos no âmbito das articulações políticas no interior do Estado e mais na dinâmica da sociedade civil. “É somente a cidadania consciente da universalidade dos valores que une os homens livres para garantir a justeza das decisões políticas” (FURTADO, 2001, p. 67).

No documento Download/Open (páginas 150-152)