• Nenhum resultado encontrado

Em busca de uma conceituação e definição

3 DIREITOS HUMANOS, DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIGNIDADE

3.4 Em busca de uma conceituação e definição

Antes de se falar sobre a dificuldade que se traduz na conceituação e definição do termo dignidade, mister diferenciar conceito de definição.

Conceito, para a filosofia socrática, conforme Marilena Chauí “é uma verdade intertemporal, universal e necessária que o pensamento descobre, mostrando que é a essência universal, intertemporal e necessária de alguma coisa” (2010, p. 52).

Conceito deriva de conceptus em latim, e significa “a representação mental de um objeto; ideia de uma coisa, formada pela combinação mental de todas as suas características”; (SACCONI, 2010, p. 489); é a “representação de um objeto pelo pensamento por meio de suas características gerais” (FERREIRA, 1988, p. 166). Ao passo que definição, do latim definitivo, é a “explicação do significado de um termo” (SACCONI, 2010, p. 589); é a “descrição; determinação da compreensão de um conceito” (FERREIRA, 1988, p. 198).

Portanto, o conceito de dignidade representa a ideia que se faz sobre o termo, abrangendo suas características, enquanto a definição de dignidade pressupõe somente a explicação do que o termo representa.

De uma forma simples, pode-se dizer que atualmente dignidade representa e é definida como valor humano. Mas a representação desse valor humano, com as características que lhe são atribuídas, vão compor a definição de dignidade.

Dessa forma, uma das dificuldades apontadas pelos doutrinadores para a conceituação e definição mais precisa sobre dignidade reside na característica valorativa, qualitativa do termo.

Consoante o entendimento de Michael Sachs apud Sarlet:

Uma das principais dificuldades reside no fato de que no caso da dignidade da pessoa, diversamente do que ocorre com as demais normas jusfundamentais, não se cuida de aspectos mais ou menos específicos da existência humana (integridade física, intimidade, vida, propriedade etc.), mas, sim, de uma qualidade tida como inerente a todo e qualquer ser humano, de tal sorte que a dignidade passou a ser habitualmente definida como constituindo o valor próprio que identifica o ser humano como tal, definição esta que, todavia, acaba por não contribuir muito para uma compreensão satisfatória do que efetivamente é o âmbito de proteção da dignidade (2007a, p. 40).

No que diz respeito a essa característica da dignidade atrelada ao valor próprio do homem, é que Eduardo Rabenhorst entende a dignidade como “a qualidade ou valor particular que atribuímos aos seres humanos em função da posição que eles ocupam na escala dos seres” (1999, p.15).

Que a pessoa humana possui em seu âmago um atributo valorativo que o diferencia dos demais seres, e que se convencionou chamar tal atributo de dignidade, não restam dúvidas. Mas a questão ainda é o problema de um conceito ou definição sobre o termo.

Encontra-se definição para dignidade humana no Dicionário Sacconi, nos seguintes termos: “valor particular máximo, supremo, de conteúdo moral e espiritual intangível que tem todo homem considerado como ser racional e livre; valor fundamental da ordem jurídica para a constitucional que pretenda se apresentar como Estado democrático de direito”. (SACCONI, 2010, p. 682).

Contudo, em busca de uma conceituação, e avaliando a pessoa conforme o atributo valorativo, alguns doutrinadores têm trabalhado o conceito de dignidade sob o enfoque de três concepções: a individualista, a transpersonalista e a personalista.

3.4.1 Concepções acerca do conceito de dignidade

Para a concepção individualista, o que importa é o indivíduo em si, realizando-se através de seu trabalho, cuidando e protegendo seus bens e interesses, com satisfação própria. Assim, “se cada homem cuidar de seus interesse e de seu bem, cuidará, ipso facto, do interesse e do bem coletivo” (REALE, 2009, p. 277).

Na concepção individualista, portanto, cada ser humano é responsável por cuidar de seus próprios interesses, sendo essa sua função primordial: cuidar de si. Ao Estado cabe a função de zelar pelo bom funcionamento do mercado de trabalho, que é fonte de sustento, bem-estar e riquezas do homem.

É válido observar que essa concepção confundia a dignidade como um atributo de um ser humano divino e abstrato que se bastaria a si mesmo, sem necessidade do ente estatal (FARIAS, 2008, p. 56).

A concepção transpersonalista, ao contrário, entende que o ser humano não é dotado desse valor absoluto, e o que importa verdadeiramente não é o indivíduo em si, mas a coletividade. O bem da coletividade deve prevalecer sobre o bem individual, por ser aquela (coletividade), o conjunto e soma dos bens individuais, dessa forma, de maior significação e importância.

Para a concepção transpersonalista, “o bem do todo é condição sine qua non da felicidade individual, [...] reputando-se equívocas todas as teorias que apresentam a ‘pessoa humana’ como bem supremo” (REALE, 2009, p. 277).

Por fim, a concepção personalista rejeita a preponderância do valor individual sobre o coletivo, assim como rejeita que se subordine o sujeito individual à coletividade.

O que importa para a concepção personalista, portanto, é que se deve buscar uma “inter-relação entre os valores individuais e valores coletivos, [...] a solução há que ser buscada em cada caso, de acordo com as circunstâncias” (SANTOS, 1999, p. 32).

Segundo a concepção personalista, não existe preponderância entre valores, o caso concreto decidirá qual solução deverá prevalecer. Entende-se e reafirma-se, sem aprofundar- se no assunto, que esta concepção é a que melhor resguarda atualmente o respeito à dignidade humana.

Seguindo o mesmo fundamento, no que concerne ao valor da pessoa humana, é que Edilsom Farias entende que “a despeito da pessoa humana encontrar-se alçada ao vértice dos

valores normativos ou jurídicos, contudo, ela não deve ser vista como um valor absoluto no sentido de prevalecer sempre sobre os outros em todas e quaisquer circunstâncias” (2008, p. 56).

3.4.2 Dimensões e características da dignidade

Ainda em busca de um conceito ou definição sobre a expressão dignidade, faz-se mister trabalhar as dimensões identificadas por Béatrice Maurer (2005, p. 81). Quais sejam: a dignidade fundamental e a dignidade da ação.

Por dignidade fundamental entende-se a expressão da dignidade kantiana, já explicitada neste capítulo, que identifica um valor intrínseco no ser humano pela sua própria natureza de ser pessoa, valor esse supremo, absoluto, intransferível e individual, que diferencia os homens dos outros seres, e os fazem iguais aos seus semelhantes.

Assim, a dignidade fundamental é total, intransferível, e negá-la a alguém é condená- lo à inferioridade, e tratá-lo “não mais como um ser humano” (MAURER, 2005, 81).

Pela dignidade da ação se entende os atos humanos capazes de maltratar outro ser humano, ou a agressão sofrida por uma pessoa que é tratada indignamente. Em determinadas situações os seres humanos agem de forma indigna ou são tratados de forma tão aviltante que custa reconhecer nesse ato algo de humano, mesmo não perdendo sua dignidade fundamental.

Nesse sentido, “quando o homem é tratado ou age indignamente, diremos que sua dignidade atuada foi atingida; no entanto, ele continua sendo uma pessoa plenamente dotada de dignidade fundamental” (MAURER, 2005, p. 81).

Em qualquer situação, seja atuando injustamente ou indignamente, seja sofrendo um ato injusto ou indigno, sofrendo ou agredindo a dignidade do outro, seu semelhante, a dignidade está ali, pois é inerente, intrínseca ao homem.

É por isso que muitos doutrinadores, no ensaio de um conceito, preferem afirmar que se trata de um termo em evolução. Não se trata de um conceito absoluto, fechado ou construído, o que se torna impossível determinar-se o que é a dignidade da pessoa humana, mas é possível determinar quando ela está sendo atingida (MUNCH, 1982, p. 18-19).

Nessa mesma linha, Béatrice Maurer afirma que o respeito à dignidade do outro é fundamental para o “progresso do conceito de dignidade para si ou para nós” (2005, p. 85). Entende-se que o termo dignidade pode elaborar um construto ou imagem no intelecto

humano, mas não está precisamente delimitado enquanto conceito ou definição, haja vista tratar-se, primeiramente de um termo de conteúdo filosófico. Ademais, porque se trata de um termo condizente ao aspecto humano, e nesse sentido, se o homem (principal) encontra-se em constante evolução, assim também o termo dignidade (acessório), valor inerente à condição de humano, segue a mesma linha.

Nessa mesma opinião de conceito em construção, é que Carmen Lúcia Rocha afirma: [...] dignidade é o pressuposto da ideia de justiça humana, porque ela é que dita a condição do homem como ser de razão e sentimento. [...] ela é inerente à vida e, nessa contingência, é um direito pré-estatal. A dignidade é mais um dado jurídico que uma construção acabada no Direito, porque se firma no sentimento de justiça que domina o pensamento e a busca de cada povo em sua busca de realizar as suas vocações e necessidades (2000, p. 3).

A perspectiva acima citada, que toma dignidade como um pressuposto de justiça, como dado jurídico, e não como construção acabada, orienta as lentes da presente tese, especialmente pelo fato de seu objeto empírico ser a violação da dignidade humana de idosos, e por ter como problema de pesquisa a busca de explicação para a ação da violação em contexto de garantia normativa, aqui lido como pressuposto de justiça e como texto normativo que terá a semantização do contexto em que for acionado, o que é próprio do processo hermenêutico, ou até mesmo se tomado como conceito em processo de significação mais consolidada.

Assim também é o entendimento de Jeremy Waldron, ao afirmar que a compreensão sobre o significado de dignidade encontra-se ainda em estágio embrionário, e que se trata de um termo em construção, haja vista o seu caráter amórfico: “On some accounts, the amorphous character of dignity is simply a sign that we are in the early stages of its elaboration: our understanding of its meanning is a work-in-progress”7 (2010, p. 7).

Embora demonstrada a dificuldade de uma conceituação e definição para o termo dignidade, há consenso como entendimento (HABERMAS, 1997, p. 20), embora precário e localizado, quanto ao seu caráter intrínseco, irrenunciável e universal.

A dignidade é qualidade intrínseca ao ser humano, dele não podendo ser destacada, tampouco, e por isso mesmo, não se pode cogitar da possibilidade de alguma pessoa renunciar à sua dignidade, haja vista não se conceber ser humano sem tal qualidade.

7 Em alguns casos, o caráter amórfico de dignidade é simplesmente um sinal de que estamos nos primeiros

No que diz respeito ao caráter da universalidade, entende-se que o ser humano é único, apesar de sua individualidade que o faz diferente, contudo, baseado na natureza humana, todos os seres humanos são, portanto, sujeitos detentores de direitos e de dignidade, onde quer que se encontrem, sejam qual for sua nacionalidade ou cultura.

O reconhecimento do outro como ser dotado de dignidade propicia também, o reconhecimento de que os seres humanos são diferentes e possuem uma individualidade que precisa ser respeitada, pois todos fazem parte da família humanidade, embora explicações sociológicas permitam questionar se há mesmo uma só família humanidade ou se duas (as classes sociais - burguesia e proletariado - definidas pelos meios de produção), ou se somos múltiplos.

Mesmo sob quaisquer dessas perspectivas, é possível identificar algo que nos une nem que seja como espécie, embora sempre seja questionável o tamanho da unidade.

E no entendimento de Norberto Bobbio:

Para nos convencermos da substancial unidade da espécie humana, não é preciso imaginar argumentos filosóficos. Basta olhar o rosto de uma criança em qualquer parte do mundo. Quando vemos uma criança que é o ser humano mais próximo da natureza, ainda não modelado e corrompido pelos costumes do povo em que está destinado a viver, não percebemos nenhuma diferença, senão nos traços somáticos, entre um pequeno chinês, africano ou índio e um pequeno italiano (2011, p. 132).

A citação de Bobbio permite ratificar a unidade da espécie humana, deixando em aberto a sua amplitude, que aqui é referida a partir das normas internacionais e constitucionais, sendo a unidade internacional formada pelos países que participam da convenção e a constitucional pelo Estado nacional.

3.5 A proteção e a promoção da dignidade na Declaração Universal dos Direitos